Recordando "O Gigante de Manjacaze (1944-1990)"
(Na foto no funeral de Salazar nos Jerónimos)
Leia aqui Download Gigante de Manjacaze
A foto mais triste
O mais alto e o mais
baixo, utilizados pelos fachos do regime no funeral de Salazar.
O poeta e ficcionista
português, Manuel da Silva Ramos, lançou em Maputo o livro "Viagem com um
Branco no Bolso", um romance sobre a vida do "Gigante de
Manjacaze", Grabiel Estevão Mondlane. A obra apresenta um outro
personagem, o anão português, Toninho de Arcozelo, que contracenava com o
gigante nos círculos, feiras e praças públicas. O nome do anão Toninho de
Arcozelo, o então homem mais curto do mundo, com 75 cm de altura, associa-se a
Gabriel Mondlane pelo facto de ambos aparecerem juntos muitas vezes, no mesmo
palco, como forma de evidenciar a diferença entre ambos. (In, macua.blogs.com)
A noite de Verão era quente como recordo
todas as noites da minha infância. A feira estava cheia de algodão doce
cor-de-rosa, carrosséis e montanhas russas com gritos. A barraca do tiro ao
alvo que tinha ursos de peluche como prémio. O comboio fantasma, as maças doces
e as ciganas. E havia o gigante. Um cartaz pintado à mão anunciava-o como a
grande estrela da noite. Havia filas e filas de pessoas para o ver, compro o
bilhete, espero no meio da multidão. Finalmente entro na barraca de chão de
terra batida nas minhas minúsculas sandálias de plástico. Está cheia, quente e
mal iluminada, é preciso ser paciente. Um freak show não acontece todos
os dias. Quando finalmente vejo o gigante, ele está sentado dentro de uma
pequena casinha. Eu vejo um corpo descomunal, dez de mim, camisa branca, as
mãos colossais cruzadas no colo e fico petrificado na desproporção daquele
momento. As pessoas empurram-me, falam do gigante como se ele não ouvisse,
metem a cabeça dentro da barraca para lhe ver a cara, apertam-lhe a mão, trinta
e cinco centímetros de passoubem, e eu aterrorizado sem sair do mesmo
sítio. E tenho tanta, tanta pena do gigante que me apetece chorar. Saio da
feira com o coração anão. Nunca lhe vi a cara.
Rui Ochôa, Jornal Expresso, 3 de Outubro de 2009
Chamava-se Gabriel
Mondlane, media 2,65 metros, pesava mais de 180 quilos, e era considerado o
homem mais alto do mundo, fazendo parte do Livro de Recordes do Guinness. O
gigante de Moçambique, como era conhecido, veio pela primeira vez a Portugal em
1969, causando grande alvoroço e curiosidade: em circos ou eventos privados,
Gabriel era exibido pelo país como coisa rara e insólita, tendo viajado por
todo o mundo. Regressou a Moçambique após a independência da antiga colónia.
Por cá, as coisas não lhe correram de feição e rareavam os espectáculos.
Casou-se e teve três filhos, vivendo do que lhe dava o restaurante que criara
com o dinheiro (pouco) ganho com as exibições. Voltou uma segunda vez a
Portugal, em 1979, mas o infortúnio perseguia-o: no Coliseu de Lisboa deu uma
queda ao tentar subir as escadas, o que lhe provocou danos graves numa perna e
a necessidade de um implante que foi fazer na África do Sul. Regressou
pela última vez a Lisboa em Setembro de 1989, alvo da mesma curiosidade de
sempre e vítima dos mesmos interesses que o faziam deslocar-se penosamente pelo
mundo. Uma nova queda, em Janeiro de 1990, no quintal da sua casa em
Mandlakazi, a sua terra natal, foi-lhe fatal: fez um grave traumatismo
craniano, do qual não recuperou, e morreu no Hospital de Maputo com apenas 45
anos.
segunda
fotografia é do Nuno Castelo-Branco.
Foto 1.
Gabriel Estêvão Mondlane, de Manjacaze, aqui na Praça do Duque da Terceira em
Lisboa, em 1989. Faleceria no ano seguinte, com 45 anos de idade.
Foto 2. Da mão do Nuno: “1968, arredores de
Lourenço Marques. Era habitual a organização de convívios “à portuguesa”, onde
não podiam faltar as sardinhas, a broa, os grelhados -onde pontificava o frango
à cafreal- e o vinho da Metrópole. Já Charles Boxer, na sua obra dedicada ao
“Império Marítimo Português”, realçava a particularidade da colonização lusa,
de recriar noutras paragens, aquilo que para trás deixara na Europa. Cidade
cosmopolita, de arquitectura arrojada e avenidas grandiosas, a capital de
Moçambique destacava-se na África Austral. Local aprazível para viver e
trabalhar, era também, o local ideal para as crianças, onde a praia, os
jardins, cinemas e campos de jogos, preenchiam as férias grandes de todos nós.
Naquele fim de semana, fomos os três com os nossos pais, a um daqueles
convívios-quermesses, decerto com fins beneficentes. O local era a Quinta do
Marialva, cujo nome denota o apego dos seus proprietários a ecos longínquos da
história portuguesa. A patuscada fez as delícias dos adultos e ainda hoje
recordo o gigantesco coronel Anta, um autêntico sósia de Mussolini que
conseguia devorar dúzias de sardinhas, abundantemente regadas de tinto. Quanto
a nós, os miúdos, tivemos a recompensa do dia. Aquele género de feira era
sempre maçadora, afastando-nos dos brinquedos, da praia e dos vizinhos que
connosco conviviam no ocioso quotidiano de verão. Após o prolongado repasto,
surgiu o inconfundível vulto do Gigante de Manjacaze (1944-90), o Gabriel
Monjane que povoava a nossa imaginação de temores e curiosidade. Conhecendo-o
através de fotografias em revistas e jornais, foi com surpresa e emoção que
tivemos o privilégio de receber a sua particular atenção. O Gabriel gostava de
crianças e era uma pessoa calma e tímida. Para nosso grande alívio, caiu para
sempre, a imagem que dos gigantes construíramos, através de leituras infantis
ou de histórias inventadas pelos adultos, para nos “obrigar a comer a sopa”. Na
foto, a minha mãe com a Ângela, o meu irmão Miguel que olha desconfiado e eu
próprio, encadeado com a luz ofuscante do sol austral. Mais uma foto com
história . Não podíamos imaginar que uns poucos anos depois, abandonaríamos
aquela terra, varridos por “ventos de uma certa história”, soprados de Portugal
e de outras bem identificadas paragens deste mundo.”
Foto3. Enviada pela Olinda Cavadinha,
não sei quem é.
Foto 4,
enviada pela Olinda Cavadinha. Só tem uma nota dizendo que é de Dezembro de
1965.
Foto 5, enviada pela Olinda Cavadinha.
Foto 6,
partilhada pelo Alfredo Correia. Gabriel e Toninho do Arcozelo (na foto, à
direita de Gabriel) no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa, durante o funeral de
António de Oliveira Salazar, Julho de 1970. Escreveu o Alfredo: ”Gigante de
Manjacaze”, Grabiel Estevão Mondlane e o anão português, Toninho de Arcozelo,
que contracenava com o gigante nos círculos, feiras e praças públicas. O nome
do anão Toninho de Arcozelo, o então homem mais curto do mundo, com 75 cm de
altura, associa-se a Gabriel Mondlane pelo facto de ambos aparecerem juntos
muitas vezes, no mesmo palco, como forma de evidenciar a diferença entre
ambos.”