Extractos de um extenso e impressionante depoimento de A. G. (iniciais do nome indicado), de 38 anos de idade... um dos sete prisioneiros recentemente libertados e que passaram mais de um ano em campos de trabalho forçado da Frelimo.
Centenas de portugueses encontram-se nas prisões e campos de trabalhos forçados da Frelimo, em Moçambique, por culpa de certos políticos e de certos militares portugueses que assinaram o acordo de Lusaka, em que o poder em Moçambique foi entregue a um grupo fanático e minoritário - a Frelimo -, apoiado pela Rússia e pela China... Esses militares e esses políticos nem previram no próprio acordo de Lusaka a protecção dos portugueses e dos seus bens para depois da independência.
Depois da independência, muitos portugueses, homens e mulheres, foram presos sem qualquer motivo legal e sofre desde há oito meses torturas e sevícias por culpa da inércia, do silêncio cúmplice e até da colaboração política dos que assinaram o Acordo de Lusaka... Ali, os portugueses são presos sem qualquer motivo sério, só para serem humilhados e torturados...
... Na tarde de 7 de Setembro, um negro e um branco descem a Avenida
da República, em Lourenço Marques, hasteando uma bandeira da Frelimo e
arrastando uma bandeira portuguesa pelo chão, numa nítida provocação aos
portugueses de Moçambique. A população lou-renço-marquina reagiu
indignada e surgem os acontecimentos de 7 de Setembro em que, sem armas e
apelando à paz e à ordem, é ocupado o Rádio Clube e em que multidões de
brancos e negros dizem "não" ao acordo de Lusaka e exigem eleições.
As tropas portuguesas fazem falhar este movimento... Nos subúrbios continuou a onda de violência - mais de um milhar de mortos, brancos e negros, violações de crianças e mulheres brancas, casas assaltadas, cantinas e carros incendiados, fábricas desfeitas, currais destruídos... Estes massacres foram calados pela Imprensa lisboeta para facilitar o resto da descolonização. Foi o princípio da grande debandada dos brancos... dezenas de milhares fixaram-se na África do Sul, na Rodésia e na Europa...
Eu fui um dos que se fixaram na África do Sul. Mais tarde regressei para visitar uma filha recém-nascida e fui preso sem mandato de captura, em Lourenço Marques. Os meus interrogadores acusaram-me de ter participado no 7 de Setembro e mantiveram-me incomunicável 11 dias. Fui interrogado e torturado na presença de oficiais portugueses...
Em 21 de Março de 1975, com outros prisioneiros... para Cabo Delgado, onde fui entregue à Frelimo... Em 27 desse mês, fomos, eu e mais 11 prisioneiros (entre eles Joana Simeão e Pedro Mondlane), sujeitos a um julgamento popular sem qualquer possibilidade de defesa, em que centenas de frelimistas aos gritos nos condenaram à morte por fuzilamento, mas alteraram a condenação para "trabalhos forçados" indefinidamente... Foram longos meses de mãos ensanguentadas em violentos trabalhos de campo, em que por vezes me negavam água para matar a sede, os pés sangrando de trabalho descalço, o frio, a fome, noites sem dormir, 2 a 5 dias, por vezes, sem qualquer alimento ou só uma maçaroca de milho por dia, descalcificação dos dentes que se partiam, dentes arrancados a sangue frio por falta de anestesia, e sem me enviarem para o hospital... Estive quase sempre com desenteria, evacuando sangue, mucosas e larvas, sem tratamento, apesar de o pedir...
Fui torturado física e moralmente, espancado sem qualquer razão... Estive, entretanto, e viria a continuar a estar proibido de enviar e receber cartas ou contactar os meus familiares: a minha mãe, irmão, a minha mulher e as duas minhas filhas, uma de 3 anos e outra de meses...
Chegou o dia da independência e V. Crespo e a tropa portuguesa vieram-se embora. É um escândalo não nos terem trazido nessa altura, a nós e a muitas outras dezenas de prisioneiros portugueses, que ainda hoje lá se encontram, de Moçambique para Portugal...
Em Setembro do ano passado foi lido na Assembleia Constituinte um apelo sobre os prisioneiros em Moçambique e ninguém reagiu... Em Janeiro deste ano, o deputado Jaime Gama interpelou na mesma Assembleia os Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação sobre este assunto e nunca obteve resposta.
Só agora em Março e após muitas pressões é que o Governo resolveu enviar uma embaixada especial para negociações... Quando saí de Moçambique, todos nós, os 7, jurámos a outros prisioneiros que o nosso regresso à Metrópole seria uma continuação da luta pela libertação das centenas de prisioneiros que ainda lá ficaram, principalmente aqueles que foram abandonados à data da independência de Moçambique há mais de oito meses...
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 231 e seguintes)
As tropas portuguesas fazem falhar este movimento... Nos subúrbios continuou a onda de violência - mais de um milhar de mortos, brancos e negros, violações de crianças e mulheres brancas, casas assaltadas, cantinas e carros incendiados, fábricas desfeitas, currais destruídos... Estes massacres foram calados pela Imprensa lisboeta para facilitar o resto da descolonização. Foi o princípio da grande debandada dos brancos... dezenas de milhares fixaram-se na África do Sul, na Rodésia e na Europa...
Eu fui um dos que se fixaram na África do Sul. Mais tarde regressei para visitar uma filha recém-nascida e fui preso sem mandato de captura, em Lourenço Marques. Os meus interrogadores acusaram-me de ter participado no 7 de Setembro e mantiveram-me incomunicável 11 dias. Fui interrogado e torturado na presença de oficiais portugueses...
Em 21 de Março de 1975, com outros prisioneiros... para Cabo Delgado, onde fui entregue à Frelimo... Em 27 desse mês, fomos, eu e mais 11 prisioneiros (entre eles Joana Simeão e Pedro Mondlane), sujeitos a um julgamento popular sem qualquer possibilidade de defesa, em que centenas de frelimistas aos gritos nos condenaram à morte por fuzilamento, mas alteraram a condenação para "trabalhos forçados" indefinidamente... Foram longos meses de mãos ensanguentadas em violentos trabalhos de campo, em que por vezes me negavam água para matar a sede, os pés sangrando de trabalho descalço, o frio, a fome, noites sem dormir, 2 a 5 dias, por vezes, sem qualquer alimento ou só uma maçaroca de milho por dia, descalcificação dos dentes que se partiam, dentes arrancados a sangue frio por falta de anestesia, e sem me enviarem para o hospital... Estive quase sempre com desenteria, evacuando sangue, mucosas e larvas, sem tratamento, apesar de o pedir...
Fui torturado física e moralmente, espancado sem qualquer razão... Estive, entretanto, e viria a continuar a estar proibido de enviar e receber cartas ou contactar os meus familiares: a minha mãe, irmão, a minha mulher e as duas minhas filhas, uma de 3 anos e outra de meses...
Chegou o dia da independência e V. Crespo e a tropa portuguesa vieram-se embora. É um escândalo não nos terem trazido nessa altura, a nós e a muitas outras dezenas de prisioneiros portugueses, que ainda hoje lá se encontram, de Moçambique para Portugal...
Em Setembro do ano passado foi lido na Assembleia Constituinte um apelo sobre os prisioneiros em Moçambique e ninguém reagiu... Em Janeiro deste ano, o deputado Jaime Gama interpelou na mesma Assembleia os Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação sobre este assunto e nunca obteve resposta.
Só agora em Março e após muitas pressões é que o Governo resolveu enviar uma embaixada especial para negociações... Quando saí de Moçambique, todos nós, os 7, jurámos a outros prisioneiros que o nosso regresso à Metrópole seria uma continuação da luta pela libertação das centenas de prisioneiros que ainda lá ficaram, principalmente aqueles que foram abandonados à data da independência de Moçambique há mais de oito meses...
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 231 e seguintes)
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