UM
ACONTECIMENTO DECISIVO
A história
faz-se de pequenos nadas, de muitas iniciativas, factos dispersos, que se vão
juntando, ganhando coerência, quais pequenas linhas de água, afluentes que acabam
por formar um rio, cujo início, o ponto a partir do qual o traço já não é mais
possível dissimular no mapa da região, é marcado normalmente por um
acontecimento que o torna irreversível.
Há 50 anos,
o 4 de Fevereiro de 1961 foi esse acontecimento, na nossa história recente. O
início do rio que aumentou de caudal, até desembocar no dia da independência
nacional.
Todo esse
percurso foi gerando sinais, deixando a sua marca através dos mais diversos
testemunhos, inscrevendo na memória das pessoas novos acontecimentos,
preocupações, motivos de reflexão. Dos pedaços de papel, às publicações, das
entrevistas, aos livros, foi-se escrevendo a história, fazendo possível uma
reconstituição dos acontecimentos tantos anos depois, mesmo se, muitas vezes,
se geram visões diversas.
A história
escreve-se com documentos, memórias, ...
Pretende
assim a ATD, com recurso ao acervo documental que possui relacionado com o
percurso do país rumo à sua independência, contribuir com a divulgação de
documentos que permitam o estudo dos factos mais
marcantes da história recente de Angola.
O 4 de
Fevereiro não foi um acontecimento isolado. Foi o culminar de um processo de
despertar de consciências, que se tinha iniciado nos finais do século XIX, com
nomes ilustres da intelectualidade angolana, e se prolongou pelo século XX, num
movimento que envolveu nacionalistas de toda a África, e que culminou com a
independência das primeiras ex-colónias europeias em África, ainda na década de
50.
Nesse
turbilhão de acontecimentos, em que nomes míticos da consciência negra, como W.
B. Du Bois e Marcus Garvey, ou de nacionalistas africanos, como Nkrumah,
Senghor, Kenyata e Lumumba, pontificavam, a participação de nacionalistas
angolanos passou a ser uma constante. Foi um período de rara riqueza
documental. O hábito da missiva, o recurso ao manifesto, a força do comunicado,
permitem assinalar o percurso através de documentos únicos, ricos, que
transmitem com particular transparência, a determinação, o espírito de missão,
a enorme generosidade e ingenuidade de muitos dos seus actores, a par do
calculismo, oportunismo e ganância, de outros.
Angola
estava sob o domínio de uma potência colonial retrógrada, que era completamente
cega aos sinais dos tempos. Com o agitar da situação política em África, em vez
de se procurarem caminhos para uma resolução pacífica das legítimas
reinvindicações dos povos dos países colonizados, incrementaram a repressão. O
processo dos 50, o massacre da Baixa de Cassanje, são apenas dois exemplos
dessa marcha no sentido oposto ao sentido da história.
O 4 de
Fevereiro de 1961 marca o momento em que o nacionalismo angolano decidiu
negociar por outros meios, recorrendo à luta armada. A natureza do
acontecimento levou a que o secretismo tivesse mantido muita informação
difícilmente acessível, o que torna a procura documental ainda mais pertinente.
Na pesquisa cuidadosa, nomes míticos, heróis, vilões...
Cónego
Manuel das Neves, Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, inscreveram, entre
tantos outros, os seus nomes na guerra de comunicados e nas análises que se
seguiram.
O enorme
simbolismo da tentativa de libertação dos companheiros encarcerados teve um
significado que perdura. O quebrar das grilhetas, num hino que ecoou pelo país,
e que ajudou a cerrar fileiras ao longo da dura guerra de libertação nacional.
Foi há 50 anos...
A ATD,
Associação Tchiweka de Documentação não podia deixar de assinalar esta data com
um apelo para que um esforço de estudo das peças que compõem o puzzle da nossa história, se incremente.
Que a juventude se interesse, para que as bases de uma consciência nacional
saiam reforçadas com o estudo do passado, do percurso daqueles que caíram, para
que hoje possamos construir o nosso próprio futuro.
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