Análise
Por Simon Muteerwa*
Maputo
(Canalmoz) – Na entrevista concedida ao Canal de Moçambique, o Dr. Eric
Morier-Genoud referiu-se à questão da guerra civil.
Repete
conceitos há muito conhecidos de que a Renamo foi uma criação
rodesiana, que era uma oposição qualitativamente inferior. Defende
depois a ideia de que até 1984 não havia guerra civil em Moçambique, mas
antes uma guerra de desestabilização, alegando que só a partir desse
ano é que a Renamo desenvolveu uma dinâmica mais interna.
Na
análise que faz da evolução política moçambicana a seguir à
independência, Morier-Genoud parte de uma premissa errada pois pretende
explicar o surgimento da oposição armada em Moçambique como uma questão
ditada do exterior, em decalque da versão oficial da história do nosso
país. Morier-Genoud peca por ignorar que antes de a Renamo ter sido
fundada, ocorriam, longe das fronteiras com a Rodésia e África do Sul,
acções de guerrilha levadas a cabo pelo Partido Revolucionário de
Moçambique (PRM) de Amos Sumane. E mesmo antes do aparecimento do PRM, o
governo da Frelimo deparou com uma dissidência militar interna que
viria ser esmagada na sequência de uma tentativa de Golpe de Estado em
Dezembro de 1975.
Se
quisermos compartimentar a guerra civil moçambicana em moldes de
dinâmica interna, 1984 é definitivamente o ano errado. Os factos
conhecidos permitem situar uma tal dinâmica em 1979. Graças a apoios
obtidos em 1978 – por sinal, provenientes nem da Rodésia, nem da África
do Sul – à Renamo foi possível criar condições para que na segunda
metade do ano seguinte pudesse estabelecer-se permanentemente no
interior do país, em zonas de Manica e Sofala onde já vinha operando
desde 1977. Com efeito, em Agosto de 1979 André Matsangaíce cria a Base
Central da Renamo na Serra da Gorongosa. Em Outubro, Vareia Manje, João
Fombe e Magurende John estabelecem bases em Mucuti, Mabate e Chinete. Em
Novembro, Lucas Mulhanga dirige-se para a Serra de Sitatonga, aí
estabelecendo uma base, de onde posteriormente partem colunas comandadas
por Mário Franque e Paulo Tobias que se estabelecem em Muxúnguè e
Chidoco.
Esta
movimentação de forças de guerrilha da Renamo, feita a partir de Odzi,
coincidiu com importantes operações militares lançadas pelas tropas do
governo da Frelimo, durante as quais Matsangaíce perderia a vida, a 17
de Outubro de 1979. São operações que prosseguem, na região da
Gorongosa, até inícios de 1980. Em Junho de 1980, ocorre em Manica, a
Operação Leopardo contra a base de Sitatonga.
Portanto,
em 1980, e contrariamente ao que o Dr. Morier-Genoud afirma, os
sul-africanos não levaram a Renamo para a África do Sul. Em 1980, a
Renamo já estava em Moçambique e aqui permaneceu até ao fim da guerra.
Ao
invés de outros movimentos de guerrilha que operaram nesta região de
África entre as décadas de 60 e 90, a Renamo não beneficiou do mesmo
tipo de santuários em países vizinhos, onde normalmente estavam sediadas
as direcções desses movimentos e de onde desenvolviam, em liberdade
absoluta, acções políticas e diplomáticas, e para onde recuavam
periodicamente quadros e efectivos militares, consoante a intensidade
das operações de contra-guerrilha. Era também nesses santuários, que
feridos e doentes desses movimentos eram tratados em hospitais
condignos. Está ainda por contar o drama vivido nas áreas de influência
ou sob controlo da Renamo, onde feridos e doentes, tanto civis como
militares, aí sobreviveram ou pereceram. Só nos finais da guerra civil é
que instituições humanitárias como o Comité Internacional da Cruz
Vermelha puderam prestar algum apoio pontual nessas áreas.
Em
Março de 1984, quando foi assinado o Acordo de Nkomati, a Renamo já
operava em nove das 11 províncias do país. Dois meses após a assinatura
desse acordo, a Renamo iniciou a luta na Província de Cabo Delgado,
restando apenas a Província de Maputo-Cidade. Estes factos demonstram
que a presença da Renamo em quase toda a extensão do território nacional
e o seu modus operandi desde os primórdios da sua existência foram
corolário de uma dinâmica que, como é óbvio, foi atingida muito antes de
1984. Uma dinâmica que teve, necessariamente, de depender do apoio das
populações.
O
curto espaço de tempo entre 25 de Abril e 7 de Setembro de 1974 não
permitiu à incipiente oposição em Moçambique estabelecer raízes, ou
consolidar posições, daí a facilidade com que o governo da Frelimo
conseguiu decapitar os partidos políticos que se lhe opunham. Isto iria
ditar as circunstâncias como a oposição se veio a reconstituir no
exílio, circunstâncias essas que não podem, por imperativo de coerência,
ser interpretadas sob perspectivas qualitativas como o faz o Dr.
Morier-Genoud, tal como outros académicos, todos eles apostados em
retirar ou pôr em causa a legitimidade de quem se opunha a um sistema
político cuja essência era a negação de valores elementares que eles
próprios nunca abdicaram nos países de onde são originários, mas que
ainda hoje questionam o direito dos moçambicanos usufrui-los.
* Antigo combatente da Renamo