editorial
Por um fio
Passado o impacto inicial -e arrasador- da delação da JBS, o presidente
Michel Temer (PMDB) dedica-se a convencer uma audiência restrita de que
tem condições de permanecer no cargo.
Impopular desde a origem de seu governo, Temer não se dirige ao público
geral quando apresenta sua defesa, como fez no pronunciamento deste
sábado (20). Fala, principalmente, às instituições do Judiciário e aos
partidos de sua base de sustentação no Legislativo.
Sua tarefa, dificílima, é contestar os indícios e procedimentos que
motivaram um inquérito contra si e, mais relevante de um ponto de vista
pragmático, evitar a debandada de sua coalizão parlamentar.
O presidente não deixa de ter razão ao apontar inconsistências, de forma
e conteúdo, na gravação de sua conversa com o empresário Joesley
Batista. Também procede o raciocínio de que a manobra contribuiu para
que o delator, criminoso confesso, hoje viva em liberdade nos Estados
Unidos.
Esta Folha, acrescente-se, há muito manifesta sua preocupação com a
prudência jurídica, o direito à plena defesa e a presunção da inocência,
que correm o risco de ser violados no turbilhão diário de escândalos e
em meio à indignação da opinião pública.
Sob o prisma político, entretanto, as gravíssimas suspeitas levantadas
contra Temer são plausíveis o bastante para comprometer a capacidade de
governar -ainda que o inquérito em curso não revele de pronto novas
complicações.
O presidente recebeu na residência oficial um empresário investigado (a
este jornal, disse que ignorava tal condição); passivamente, ouviu-o
discorrer sobre intenções de subornar procuradores.
Designou ainda a Batista um interlocutor privilegiado, o deputado
Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), afastado do posto após flagrante de
receptação de dinheiro.
Na arena parlamentar, Temer depende de manter uma coalizão que não
apenas contenha investidas por seu impedimento, mas que respalde a
agenda de estabilização econômica -esteio básico, talvez único, de sua
gestão.
Político reconhecidamente habilidoso, o peemedebista fez avançar
reformas cruciais. Aprovaram-se o teto para os gastos públicos e o
programa de socorro a Estados falidos; há pela frente as reformas
previdenciária e trabalhista, sem as quais a retomada econômica torna-se
ainda mais incerta.
A própria hipótese de que Temer venha a ser deposto, aliás, basta para
provocar a retração de consumidores e empresas. À Folha, o presidente
descarta a renúncia: "Se quiserem, me derrubem".
Vislumbra-se, assim, um círculo vicioso em que fragilidades do
mandatário, de sua base e da economia acentuam umas às outras. É ameaça
que o governo, por um fio, terá de debelar em questão de dias.
Livraria da Folha
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