terça-feira, 2 de maio de 2017

Economistas e Curandeiros


Mesmo que pareça estranho, faz pouco sentido esperar que um economista nos diga, com precisão, o que ha-de acontecer no próximo ano. Ninguém sabe! Alan Greenspan, antigo Presidente do Sistema Federal dos Estados Unidos avisou, no seu livro “The Age of Turbulence”, editado em 2007, que o mundo precisaria de duplicar o dígito das taxas de juro para controlar a inflação no futuro próximo. Todavia, essa taxas tem estado próxima de zero em grande parte do tempo desde então. E a inflação foi controlada! Joan Robinson, um dos mais conhecidos economistas, de orientação Keynisiana, visitou a Coreia do Sul em 1964 e concluiu que enquanto a Coreia do Norte continuava a desenvolver-se, e a parte Sul degenerava, cedo ou tarde a cortina de mentiras haveria, seguramente, de começar a despedaçar-se. Hoje, o desenvolvimento económico da Coreia do Sul é proclamado como um exemplo no mundo, enquanto a Coreia do Norte é um exemplo de repressão e atraso. O Professor Ravi Batra, economista norte-americano, laureado com o Premio Nobel, escreveu um livro intitulado "The Great Depression of 1990" no qual predizia um furacão económico de dimensão global para 1990. Esse livro chegou a ser classificado pelo jornal New York Times como o livro mais vendido em 1987. Sem embargo, 1990 é geralmente tido como o primeiro ano de uma era de alargado boom económico a nível mundial. Podia ir buscar outras centenas de exemplos de prognósticos de natureza económica que não só não se efectivaram, como sucedeu o contrario do que os especialistas ensinavam.
Vamos, no entanto, ser razoáveis! Vários economistas previram tanto a bolha das bolsas de valor de 2000, como a bolha imobiliária de 2008. Esta realidade não invalida o facto de que nenhum economista possui uma bola de cristal que lhe permita prever, com precisão, quando comprar e quando vender com lucro. Nenhum economista possui esta resposta. Existem, sem dúvidas, sabichões que atraem atenção excessiva da imprensa com a sua propensão para fazer previsões apocalípticas e são divinizados quando acontece, por alguma estranha circunstância, acertarem. Todavia, são mais comuns os desacertos do que muitos de nós estamos dispostos a admitir.
A nossa tendência para aclamar pessoas que projectam a impressão de possuir a presciência necessária para prognosticar eventos económicos de medio e longo prazos documenta, quiçá, a nossa perplexidade e a nossa inconformidade para conviver com a incerteza. Costumo comparar as pessoas que nos dizem ter o dom de conhecer o futuro da economia mundial ao curandeiro da minha aldeia de Madzukane, Mabatangwane. Uma das maiores satisfações deste benemérito é demonstrar, perante a comunidade Madzukanense, como ele acerta nos seus vaticínios. Enquanto os outros curandeiros, talvez menos dotados, procuram, com a sua ciência, curar as doenças físicas e espirituais das gentes daquele local e redondezas, Mabatangwane ocupa-se em adivinhar o que há-de ocorrer nas famílias, num futuro próximo. Entre todos os vaticínios que faz, ele costuma demorar, deleitosamente, nos mais apocalípticos.
Ele é perito em adivinhar coisas como: "Nesta família, nos próximos meses, alguém há-de adoecer". Ou esta outra: "se tu senhora, que estás grávida, tomares esta mistela que eu preparei, has-de dar luz em 9 meses". Que grande satisfação quando ele “acerta” e, depois de uns meses ou anos, alguém adoece na referida família! Ou quando, depois de haver tomado uma certa mistela, a mulher dá a luz em 9 meses! Nesses casos, Mabatangwane apresenta-se perante a comunidade, põe-se em bico dos pés, com a fronte alçada e com o indicador da sua mãozinha na testa, a reclamar como ele é visionário, como ele acertou nas suas previsões!
Como o laureado economista Paulo Samuelson enfatizou uma vez, numa coluna que escrevia para o Newsweek, em 1966, “Analistas citam estudos econômicos que alegam que as desacelerações do mercado previram quatro das últimas cinco recessões. Isso é uma afirmação bastante modesta. Os índices de Wall Street previram nove das últimas cinco recessões!” (minha tradução).
Porque são os especialistas (bem como os simples mortais como eu) tão maus a fazer previsões económicas? A resposta talvez esteja no facto de o mundo ser tão desordenado, complexo, um lugar contingente, com incontáveis e confusas variáveis que o cérebro humano não está, ainda, equipado para avaliar. Também pode ser porque as recessões ocorrem somente quando os decisores políticos são incapazes de vê-las a vir... Enganamo-nos ingenuamente na nossa assumpção de que especialistas podem prever o futuro. Esta propensão para o autoengano, entre os prognosticadores profissionais, foi investigada pelo Professor E. Tetlock, da Universidade de Califórnia, cujos resultados foram publicados no seu livro “Expert Judgment”. Tetlock testou mais de 82.000 previsões sobre o futuro, feitas por cientistas políticos, economistas, historiadores e jornalistas, e constatou que esses especialistas lograram um pouco melhor do que… um chimpanzé...
A falta de habilidade para antever o futuro não é problema só de economistas. O mesmo Tetlock, a que nos referimos antes, concluiu que, entre as décadas 80 e 90, as previsões politicas e geopolíticas tinham sido escassamente melhores do que o exercício advinhatório do meu conterrâneo de Madzukane, o curandeiro Mabatangwane. Não encontrou variação significativa em função dos autores. Tanto fazia se o sujeito das previsões era um académico, jornalista, diplomata, historiador ou cientista político... ou curandeiro!
Os decisores políticos, os empresários e outros não precisam, na realidade, de desenvolver planos precisos com base em prognósticos infalíveis. Precisam de ter planos de contingência para um leque de possibilidades. Se você vive em Maputo, não necessita planificar um terramoto. Existe, no entanto, um conjunto de acções que pode protege-lo desses eventos que não pode prever. É o caso, por exemplo, das apólices de seguro.
As recessões económicas são eventos cíclicos. Alguns autores defendem que elas ocorrem cada seis anos. As crises que as nações enfrentam são, também cíclicas. O importante seria que, no fim de cada recessão ou crise, nós fossemos capazes de aprender o que é que o homem, com os conhecimentos disponíveis, pode prever e aquilo que não tem como faze-lo. Sem arvorarmo-nos em curandeiros modernos, disfarçados de economistas.
Publicado no numero 6 da revista "Negocios"

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