Basil Risbridge Davidson não foi um santo, tipo o que evoca a figura
do herói Ernesto Che Guevara. Não foi um Tarzan, deambulando pelas
selvas de África, nem tão-pouco um missionário de uma estranha confissão
religiosa que evangelizou o continente à expensa da sua terra, da sua
cultura, sangue e riqueza.
Não foi um neo-colonialista, que em nome do FMI ou do Banco Mundial passava a prescrever receitas expiradas para todas as enfermidades africanas. Antes, Davidson foi um intelectual comprometido, que estudou e escreveu honestamente sobre África e os seus povos, sobre a sua história ancestral e contemporânea, sobre os seus ancestrais; sobre lideres africanos convictos tais como Samora Machel e criminosos como Mobutu Sesse Seko.
Maputo, Quarta-Feira, 18 de Agosto de 2010
Notícias Não foi um neo-colonialista, que em nome do FMI ou do Banco Mundial passava a prescrever receitas expiradas para todas as enfermidades africanas. Antes, Davidson foi um intelectual comprometido, que estudou e escreveu honestamente sobre África e os seus povos, sobre a sua história ancestral e contemporânea, sobre os seus ancestrais; sobre lideres africanos convictos tais como Samora Machel e criminosos como Mobutu Sesse Seko.
Não foi um cientista social desinteressado que estudou África à
distância, quando os nossos povos vertiam sangue nas guerras de
libertação em Moçambique e na Guiné-Bissau, ele esteve fisicamente nos
campos de batalha. Dos mais de trinta livros que escreveu não abarcavam
apenas uma vertente teórica, mas eram guias práticos para muitos
africanos; ajudou a moldar a visão política de muitos jovens africanos
na década de 1970 e 1980. Ele abriu a mente de muitos africanos sobre o
rico manancial historial, desde aos tempos pré-coloniais, passando para
o período das guerras anti-coloniais aos encarniçados combates para a
libertação, envolvendo as forças patrióticas do continente e os fidalgos
representantes de Lisboa, Bruxelas, Paris, Londres e Joanesburgo.
Curiosamente, atendendo aos seus antecedentes, Basil Davidson era
umas das mais suspeitas e improváveis vozes a levantar-se a favor da
consciencialização e libertação em África. Ele era tenente-coronel na
reforma do Exército, inglês que combateu na segunda Guerra Mundial,
tendo ajudado os movimentos de resistência na Hungria, Jugoslávia e
Itália. Chegou a ser espião britânico, trabalhou para M15,
especializou-se em sabotagem e foi prisioneiro de guerra, que beneficiou
com o processo de troca de presos com a Itália.
Basil Davidson, que trabalhou como repórter para muitos órgãos de
imprensa, decidiu, a partir de 1951, documentar o continente africano. O
seu interesse inicial foi a Europa do Leste, mas depois inclinou-se
para a África e foi neste continente onde deixou um legado a várias
gerações. O seu primeiro encontro com África foi no Cairo, Egipto, onde
se tinha deslocado ainda como soldado e espião para arranjar logística
para a resistência eslava.
O avião em que viajou tinha feito escalas na região de Bathurst
(antiga designação da cidade de Lagos) e num local que, para ele, passou
a ser “algures no norte da Nigéria, um ponto desconhecido do mapa,
tanto quanto eu pude descobrir”. O avião, dizia, “tinha feito um voo,
abaixa altitude, sobre em paisagens, planícies e vastas extensões de
terra desprovidas de populações”. Basil Davidson disse que tinha saído
para um passeio: “À distância, vieram sobre mim imagens da presença de
uma barreira estreita e alta, o muro de uma cidade…tinha sido construída
de barro, paus e circundava toda a cidade perdida algures em África,
que descobri mais tarde ser a cidade de Kano, com mais de 700 anos,
senão mais…e que não havia nenhuma história em África, tanto quanto eu
sabia”.
Assim foi como a sua curiosidade por África cresceu. Os seus estudos e
escritos acerca do continente estavam para absorver os últimos dois
terços dos seus 95 anos que marcaram a sua passagem pela terra, que
começou no dia 9 de Novembro de 1914 e terminou no dia 9 de Julho de
2010.
Ao procurar provar que África tinha uma rica História pré colonial,
Basil Davidson escreveu numerosos livros, que incluíam estudos sobre os
antigos reinos do Egipto, de Kush, de Nok, sobre culturas e impérios do
Mali, Ghana, Songhai. Tudo isto consta de livros como “A redescoberta da
velha África”, “Mãe África”, o “Passado africano e os africanos”.
Davidson escreveu sobre a ruptura dos impérios africanos, forçados a
entrar num ciclo de nações-Estados, tendo questionado se “deve a África
renovar a proliferação de nações e as disputas nacionalistas…os povos
africanos tinham seguido, no passado, o seu próprio caminho, e nada
indica que não venham fazê-lo novamente de forma construtiva e
criativa”. Mas a África não seguiu o seu velho caminho, antes optou por
aquilo que foi ditado pelas as suas antigas potências coloniais.
Davidson sentiu-se atormentado com esta perspectiva.
Ao analisar a tragédia do continente, especialmente nos anos de 1970 e
1980, lamentou que “o declínio de valores morais e políticos daqueles
que clamavam falar em nome de África era tão rápido quanto
generalizado”. Ao mesmo tempo que reconhecia a imensa autoridade moral
de líderes como Julius Nyerere, Basil Davidson notou em líderes como
Samuel Doe, da Libéria, Ibrahim Babangida, da Nigéria, Idi Amin, do
Uganda, Jean Bedel Bokassa, da República Centro-Africana, e Macias
Nguema da Guiné-Equatorial o que chegou a caracterizar como “um fenómeno
excessivamente patológico que apareceu no período colonial e pós
colonial jogado por individualidades que tinham a autoridade e carisma
para chegarem ao poder, mas sem a sabedoria para controlá-lo.
Tais figuras agarraram-se ao poder e surgiu a ambição, quer por mais poder, quer pelos seus frutos”.
Um dos seus legados duradoiros foi a forma documentada como retratou a
luta de libertação nas colónias portuguesas, as lições para África e o
que se pôde aprender com a teoria da guerra popular. Por exemplo, ele
tinha descrito uma acção audaciosa desencadeada por combatentes do então
movimento PAIGC no aeroporto de Bissau, numa altura em que as
autoridades coloniais portuguesas tinham fortificado as áreas
circundantes do aeroporto com vedações e campos minados. O movimento
conseguiu destruir aviões que se encontravam na placa aeroportuária, nos
hangares, sem que tivessem provocado danos humanos. Uma das lições, do
audacioso ataque, dizia Davidson, era que a invulnerabilidade estava do
lado da guerrilha e não do lado colonial.
Basil Davidson defendia que “todas as guerras eram perversas”, mas
que “uma bem dirigida guerra de auto-defesa” – distinta de qualquer acto
terrorista – pode resultar em ganhos, mesmo em circunstâncias mais
adversas”.
O historiador britânico advogava que uma ideologia de libertação não
pode ser desenvolvida sem “a potencialidade da consciencialização de um
povo, num específico tempo e determinado lugar”. Basil Davidson, com as
suas obras “O fardo do homem negro”, a “Causa do povo: uma história de
guerrilhas em África”, “As cidades perdidas de África”, “África
Ocidental antes da era colonial: uma história até 1850”, “África” (que
veio a ser adaptada em série televisiva) e “África na História”, plantou
o seu legado no solo africano e no mundo intelectual.
- Owei Lakemfa
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