Basil Davidson
Por Victoria Brittain*
Basil
Davidson, que morreu aos 95 anos na última sexta-feira, foi um
jornalista radical na grande tradição anti-imperialista, tornando-se
também num historiador da África pré-colonial. Personalidade energética e
carismática, ele foi lançado por detrás das linhas inimigas durante a
II Guerra Mundial, juntando-se
ao lendário grupo de soldados britânicos que lutaram com os
guerrilheiros na Jugoslávia e na Itália. Anos mais tarde, ele foi o
primeiro repórter a viajar com os guerrilheiros lutando contra o
colonialismo português em Angola e na Guiné-Bissau, e trouxe a sua luta à
atenção do mundo.
Por muitos anos ele esteve no centro das campanhas pela libertação de África contra o colonialismo e o apartheid,
discursando infatigavelmente em reuniões de trabalho e comités de
apoio. Muito alto, com um cabelo branco vivo e possuindo a cortesia à
moda antiga de ex-oficial do exército britânico - ou mesmo do cavalheiro
que se tornou depois da sua mudança para a região Oeste - ele era uma
figura improvável em muitos destes eventos, muitas vezes incoerentes e às vezes sectários, geralmente dirigidos por activistas estudantis e exilados.
Entre
seus amigos estavam os historiadores Thomas Hodgkin, EP Thompson e Eric
Hobsbawm. O estudioso palestino Edward Said colocou-o no grupo selecto
de artistas e intelectuais do Ocidente, com uma simpatia e compreensão
das culturas estrangeiras o que significava que eles se tinham “com
efeito, atravessado para o outro
lado”. Nascido em Bristol, Davidson deixou a escola aos 16 anos,
determinado a tornar-se um escritor, mas ele fez os seus primeiros
tostões, colando propaganda de bananas em vitrines, no norte da
Inglaterra. Movendo-se para Londres, ele encontrou o seu caminho no
jornalismo, trabalhando para a Economist e em seguida, como o
correspondente diplomático do Star, um jornal vespertino de Londres já
extinto.
No
final dos anos 1930, ele viajou muito pela Itália e pela Europa
central, e a sua familiaridade com a geografia e a capacidade de
aprender as suas línguas fez dele um candidato óbvio, quando a guerra
eclodiu, para o Special Operations Executive - tentando minar o regime
nazi por dentro. A sua auto-confiança e falta de interesse nos conselhos
dos outros eram a sua marca.
Quando
foi enviado à Budapeste, para estimular as forças de resistência na
Hungria, cruzou armas com o embaixador britânico, que ordenou que ele
parasse de armazenar explosivos plásticos na cave da embaixada.
No Cairo, trabalhou em planos de envio de agentes para a Jugoslávia, em primeiro lugar para os monárquicos e,
depois de muita discussão interna, para a guerrilha comunista de Tito.
Davidson foi finalmente lançado de pára-quedas na Jugoslávia , para se
juntar aos comunistas no território intransigente da Voivodina, na
planície do vale do Danúbio, frente à Hungria. Ali, a sua força física excepcional e coragem foram testadas ao máximo.
Quando
ele retornou para a Jugoslávia no final da guerra, o seu companheiro na
visita, Kingsley Martin, editor do “New Statesman”, registou como
“quando entrámos nas aldeias, as pessoas ficavam
a chorar por Nicola, Nicola! (nome partisan de Davidson) e, depois de o
beijar no rosto, levavam-nos às suas casas, onde era difícil, sem
ofensa, evitar a embriaguez com Slivovitza “. Davidson lutou na
Jugoslávia de Agosto 1943 a Novembro de 1944, em seguida foi transferido
para as montanhas da Ligúria, no norte da Itália. Ele e o seu grupo partisan tomaram Génova antes
da chegada das forças americanas ou britânicas. A guerra marcou-o para
sempre. Ele amava a camaradagem, a confiança e a força espiritual da
resistência ao serviço de um ideal que ele encontrou nos guerrilheiros.
As lições que ele aprendeu nas dificuldades da
guerra foram importantes para seu trabalho posterior em África. Em
Angola e na Guiné-Bissau no início de 1970, e na Eritreia, quase 20 anos
depois, ele encontrou as mesmas forças da vida e amou-as da mesma
maneira. A natureza subjectiva da sua resposta ao acontecer da História,
as amizades profundas feitas e desfeitas , foram descobertas dolorosas no pôr em causa de coisas em que de facto acreditava.
As lições políticas foram menos pessoalmente gratificantes, uma vez que a sua disponibilidade para colaborar com os comunistas na guerra levaria mais tarde na vida a ser rotulado pelo Ministério das Relações Exteriores como um perigoso “ companheiro de viagem”. Davidson nunca havia sido atraído para o marxismo, mas as suas experiências de guerra com os partisans comunistas marcou a sua atitude geral para com a guerra fria, em primeiro lugar na Europa e depois em África. Não era para si um problema a disponibilidade de os comunistas estarem preparados para lutar contra os nazis, ou mais tarde contra o apartheid sul africano e o colonialismo português.
As lições políticas foram menos pessoalmente gratificantes, uma vez que a sua disponibilidade para colaborar com os comunistas na guerra levaria mais tarde na vida a ser rotulado pelo Ministério das Relações Exteriores como um perigoso “ companheiro de viagem”. Davidson nunca havia sido atraído para o marxismo, mas as suas experiências de guerra com os partisans comunistas marcou a sua atitude geral para com a guerra fria, em primeiro lugar na Europa e depois em África. Não era para si um problema a disponibilidade de os comunistas estarem preparados para lutar contra os nazis, ou mais tarde contra o apartheid sul africano e o colonialismo português.
No
final da guerra, como tenente-coronel recebeu a Cruz Militar e duas
menções honrosas, mas voltou ao jornalismo, trabalhando primeiro para o
Times como um dos seus correspondentes em Paris e depois como redactor
principal da secção internacional em Londres. Fora de sintonia com o
Times e, especialmente
descontente com a intervenção ocidental que esmagou os guerrilheiros
comunistas na Grécia, ele deixou o jornal em 1949 para trabalhar por
três anos como secretário da União de Controle Democrático (UDC), a organização criada por ED Morel durante a I Guerra Mundial para fazer campanhas sobre assuntos internacionais..
Ao mesmo tempo, juntou-se à
equipe do New Statesman, onde logo foi visto como aparente herdeiro de
Martin. Não era para o ser. Em ambas, na UDC e no New Statesman, ganhou o
ódio eterno de Dorothy Woodman, companheira de Martin, e foi acusado de
ser um “companheiro de viagem” -
“ou pior”. Impossibilitado de retornar como jornalista aos Balcãs, por
causa da guerra fria, ele foi levado por acaso para a África. O
continente ganhou de imediato a sua
imaginação, para nunca mais o esquecer. Em seguida, através de um
convite de um grupo de sindicalistas sul- africanos, ele conheceu Nelson
Mandela, Oliver Tambo e outros líderes do Congresso Nacional Africano,
prestes a lançar a sua campanha de rebeldia contra as leis do apartheid do governo nacionalista branco.
A
injustiça, a hipocrisia ocidental e um sopro de revolução foram
suficientes para o engajar firmemente: mais tarde, de 1969 a 1985, foi
vice-presidente do Movimento Anti-Apartheid na Grã-Bretanha. Ele
produziu uma série de trabalhos importantes sobre a sua jornada africana
para o New Statesman, e depois escreveu um livro sobre os crimes do apartheid. O que o listou como um “imigrante proibido”, na África do Sul e em outras partes da governação branca em a África. Essa área de trabalho estava fechada para ele.
Assim
foi também no New Statesman. No seu retorno, Martin disse que ele
estava “orgulhoso de publicar os artigos, [mas] se você tiver outro
emprego, irei, obviamente, entender”.
Quando
lhe foi oferecido um emprego como editor na Unesco, o governo britânico
vetou a sua nomeação. Novamente, foi alegado que ele era um
“companheiro de viagem” (comunista encapotado), e que seus artigos foram
citados de forma consistente, em Moscovo. Sem dúvida, os artigos eram
muito bons, e os soviéticos tinham ainda menos acesso a África que os
articulistas ocidentais. Longe de ser suave sobre os comunistas,
Davidson foi acusado durante o julgamento por traição de László Rajk na
Hungria em 1949 de ser um agente do serviço secreto britânico, como
aliás tinha sido.
Davidson
foi resgatado pelo Daily Herald (1954-1957) e depois retomado por Hugh
Cudlipp no Daily Mirror (1959-1962). Incentivado a ter interesse
nas actividades do Mirror na Nigéria, Davidson fez viagens regulares
anualmente para a África oeste, central e de leste, à beira da independência do colonialismo. Assim se viu profundamente mergulhado história não escrita de África.
Para
um homem de família com três filhos pequenos, isso não era uma
profissão ideal. Era pouco atraente, mal paga e significou longos
períodos longe de casa. Davidson já não era um jornalista, mas não era
também um académico com título. Sua esposa, Marion Young, com quem se
casou durante a guerra – e que tinha também trabalhado nos serviços de
contra-intelegência na Itália - de alguma forma manteve as suas vidas juntos.
Os livros começavam agora a aparecer. O autodidacta Davidson tinha um estilo de prosa elegante, lidando confortavelmente com os factos e ficção. Ele escreveu cinco novelas e mais 30 outros livros. Estes eram principalmente sobre a história africana, e, os seus textos clássicos
estão ainda em uso em manuais escolares na África Oriental e Ocidental.
Davidson entusiasmou-se pelo fim do colonialismo britânico e as
perspectivas do pan-africanismo na década de 1960, e escreveu
abundantemente e com o calor sobre o Gana recém-independente, e o seu
líder, Kwame Nkrumah. Ele trabalhou por um ano na Universidade de Acra,
em 1964.
Mais
tarde, ele envolveu-se na reportagem das guerras de libertação nas
colónias da África portuguesa, nomeadamente em Angola, Moçambique, Cabo
Verde e na Guiné-Bissau. Seguindo os passos do grande jornalista Henry
Nevinson, que tinha relatado a partir de Angola, em 1905, ele fez uma
viagem épica a pé meio século depois que o levou para as zonas
libertadas do leste de Angola com o Movimento Popular para a Libertação
de Angola . O MPLA tornou-se governo com a independência em 1975, e o
epicentro da luta da Guerra Fria em África.
Ao
longo dos anos, as campanhas de propaganda da CIA em favor do movimento
principal rival do MPLA, a UNITA, liderada por Jonas Savimbi e ajudada
pelas invasões secreta do regime do apartheid, muitas vezes tropeçaram
nas versões antagónicas elaboradas
por Davidson. Era lendário o seu desprezo pelo jornalismo convencional
que tinha engolido a linha ocidental sobre Angola. Na Rodésia, também,
os equívocos dos media britânicos e a conivência da África do Sul para com o regime branco não tinham crítico mais contundente do que Davidson.
Na
década de 1980, com a maioria das guerras de libertação africanas agora
ganhas - excepto na África do Sul - Davidson voltou grande parte da sua
atenção para questões mais teóricas sobre o futuro do Estado-nação em
África. Ele permaneceu um apaixonado defensor do pan-africanismo. Em
1988 ele fez uma longa e perigosa viagem para Eritreia, escrevendo uma
defesa convincente do direito dos nacionalistas à independência da
Etiópia, desferindo um ataque eloquente
sobre o líder revolucionário do coronel Mengistu e do regime que havia
derrubado Haile Selassie. Davidson foi convidado à Havana para discutir a
longa guerra entre a Etiópia e a Eritreia, após os cubanos se terem
envolvido no que entendiam ser a mais recente revolução em África. Ele
estava irritado com o entusiasmo pessoal de Fidel Castro para Mengistu, e
pelo grande número de tropas cubanas enviadas para ajudá-lo na sua
guerra de fronteira contra a Somália - apesar de não lutarem na
Eritreia. Davidson não expressou surpresa por Cuba ter assumido um novo discípulo africano, mas ele manteve a sua própria opinião desfavorável de Mengistu.
A
viragem para um governo repressivo na Eritreia feita pelos seus amigos
na liderança do país, quando outros líderes a quem tinha conhecido de
perto foram presos em Asmara, foi uma reprise triste
de uma trajectória política semelhante, que ele havia testemunhado em
Angola pós-independência. Ele não gostava de falar sobre estes assuntos,
mas ele não disfarçava a sua decepção. Os críticos da direita foram
rápidos em condenar as tomadas de posição iniciais que ele tinha feito
sobre essas revoluções que não deram certo, e até mesmo alguns de seus
amigos gostariam de ter visto mais debate.
Em
1984, Davidson iniciou uma nova carreira na televisão, fazendo sobre
África, uma série de história em oito partes para o Channel 4. Foi excelente na tela, trazendo para um público amplo, inesperadamente, uma
visão da África distante dos clichés habituais de fome-corrupção que o
incomodavam tanto. A sua versão alternativa da realidade africana chegou
mais longe e mais profunda do que ele imaginava possível. Ele continuou
a escrever, produzindo nomeadamente “O Fardo do Homem Negro: a África e
a Maldição do Estado-Nação (1992); uma colectânea de ensaios “Em Busca
de África (1994) e o seu último livro,”A África Ocidental antes da Era Colonial: A História até 1850 (1998)”.
Ele
recebeu títulos honoríficos e nomeações de várias universidades,
incluindo Edimburgo, Birmingham, Bristol, Manchester, Turim, no Gana e
na Califórnia, e também foi condecorado por Portugal e Cabo Verde pelos
seus serviços para a sua história. Além das suas medalhas militares, o
Estado britânico desinteressou-se cuidadosamente em reconhecer os seus talentos e o seu serviço.
Ele não deixou de aproveitar
a ironia de ser condecorado com grande calor em 2002 pelo
primeiro-ministro de Portugal – ele que tinha sido um activista contra o
regime fascista e muito fez para o deitar abaixo. E quando o governo de
Cabo Verde escolheu condecorá-lo em 2003, numa embaixada de Angola,
onde o embaixador era um proeminente ex-funcionário do seu antigo
adversário, a Unita, ele comentou secamente as surpreendentes
reconciliações, exigidas daqueles que vivem tempo suficiente para as presenciarem.
Basil deixa viúva Marion e filhos.
*Basil
Davidson Risbridger, historiador e militante, nascido em 9 de Novembro
1914 e falecido a 9 de Julho de 2010. Obituário originalmente publicano
no Guardian de Londres
SAVANA – 16-07-2010
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