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Na análise das relações Estado- Igrejas no período pós-independência, Eric Morier-Genoud defendeu que a política do regime da Frelimo visava pôr fim a uma suposta hostilidade da Igreja Católica para com as demais confissões religiosas, e acabar com uma espécie de monopólio detido por essa igreja.
Esses não constituíram os factores determinantes da política do regime para com as igrejas. Em 1975 não era discernível qualquer hostilidade entre as várias confissões religiosas, nem tão pouco as igrejas regiam-se por esquemas monopolistas. Bem antes do «25 de Abril», assistia-se a uma tentativa do regime vigente de atrair para a esfera de influência do poder colonial a vasta comunidade muçulmana, sendo de destacar o papel do governador-geral, Rebelo de Sousa, junto de líderes islâmicos do norte de Moçambique.
Hindus, protestantes e outras confissões religiosas actuavam livremente. Perseguidas no Malawi, as Testemunhas de Jeová encontrariam guarida em Moçambique durante a vigência da administração colonial.
Em suma, seria um contra-senso o regime da Frelimo pretender pôr fim a algo inexistente.
A questão de fundo foi outra, e tem necessariamente de ser vista à luz do projecto político do regime da Frelimo. Tratava-se de um projecto de índole totalitária, e projectos deste tipo não prevêem poderes paralelos.
Na óptica do regime, as igrejas constituíam um poder que era preciso
desmantelar, da mesma forma que se desmantelou o poder tradicional e o
poder da oposição, este último uma questão simples de resolver pois aqui
o regime, como que a demonstrar a complementaridade entre sistemas
totalitários, beneficiou da política do Estado Novo de não permitir na
colónia qualquer actividade à margem da União Nacional/ANP.
Efectivamente, o que o regime pôs em prática, como, aliás, ele próprio assim o definiu, foi um «combate» contra as igrejas, visando, em última instância, a erradicação das religiões no país, tidas como «sequelas das sociedades tradicional-feudal e colonial-capitalista», sociedades essas que também deviam ser desmanteladas e das suas cinzas surgiria o «homem novo» e um «sociedade nova» – sociedade arregimentada, em que o partido no poder permeava tudo e em que todos teriam de ter um «pensamento comum».
Um «combate» que não esperou pelo 3° Congresso dessa formação política, mas que foi desencadeado logo nas primeiras semanas a seguir à independência.
O título da «Circular» emitida pelo Comissariado Político Nacional da Frelimo em Outubro de 1975, era por demais explícito: «Combate Popular Organizado contra Estandartes do Imperialismo».
Os «estandartes» estavam claramente identificados na «Circular» – seitas religiosas e missionários – e aos cidadãos o documento prevenia de forma clara e contundente: Deviam compreender que frequentar ou cumprir as palavras desses missionários é estar a trabalhar contra Moçambique, é estar a servir as potências imperialistas. (1)
Um mês após a independência, o regime procedeu ao confisco de bens pertencentes às igrejas. Para dar ao acto um cunho legal, socorreu-se do eufemismo nacionalizações para assim legitimar a violação de um direito fundamental, o da propriedade. Em 1978, houve a intenção do regime de levar até às últimas consequências a sua acção combativa. Depois de ter privado as igrejas de meios para poderem funcionar, o regime restringiu a construção de novos templos com o argumento de que se devia dar prioridade à construção de escolas, hospitais e fábricas. A publicação e distribuição de literatura religiosa foram igualmente coarctadas. No contexto do «combate», o regime impôs restrições a quem quisesse cursar teologia, determinando que apenas poderiam matricular-se quem tivesse cumprido o Serviço Militar Obrigatório, e prestado serviço no aparelho de Estado, caso fossem provenientes de escolas oficiais. Em tudo isso não se vislumbrava o mais ténue dos sinais de que se tratava de uma intenção do regime em nivelar ou equilibrar as relações entre confissões religiosas.
Será que o «combate» movido contra as igrejas foi de facto um desenvolvimento positivo, como defende Eric Morier-Genoud? Certamente que a mesma opinião não é partilhada por crentes que em Naisseko ficaram com os membros superiores inutilizados por acção de cordas embebidas em água e sal, apenas por não abdicarem da sua confissão religiosa.
Nem por esses, nem por padres humilhados em Unango, nem tão pouco por sacerdotes arrastados das suas dioceses em Cuamba, Tete e Manica e em muitas outras partes do país, hoje dados como desaparecidos.
(1) O texto integral da «Circular» assinada pelo Comissário Político Nacional da Frelimo, Armando Emílio Guebuza, está disponível na edição do jornal «Notícias» de 17 de Outubro de 1975 pp 2,5.
Canal de Moçambique – 15.08.2012
Efectivamente, o que o regime pôs em prática, como, aliás, ele próprio assim o definiu, foi um «combate» contra as igrejas, visando, em última instância, a erradicação das religiões no país, tidas como «sequelas das sociedades tradicional-feudal e colonial-capitalista», sociedades essas que também deviam ser desmanteladas e das suas cinzas surgiria o «homem novo» e um «sociedade nova» – sociedade arregimentada, em que o partido no poder permeava tudo e em que todos teriam de ter um «pensamento comum».
Um «combate» que não esperou pelo 3° Congresso dessa formação política, mas que foi desencadeado logo nas primeiras semanas a seguir à independência.
O título da «Circular» emitida pelo Comissariado Político Nacional da Frelimo em Outubro de 1975, era por demais explícito: «Combate Popular Organizado contra Estandartes do Imperialismo».
Os «estandartes» estavam claramente identificados na «Circular» – seitas religiosas e missionários – e aos cidadãos o documento prevenia de forma clara e contundente: Deviam compreender que frequentar ou cumprir as palavras desses missionários é estar a trabalhar contra Moçambique, é estar a servir as potências imperialistas. (1)
Um mês após a independência, o regime procedeu ao confisco de bens pertencentes às igrejas. Para dar ao acto um cunho legal, socorreu-se do eufemismo nacionalizações para assim legitimar a violação de um direito fundamental, o da propriedade. Em 1978, houve a intenção do regime de levar até às últimas consequências a sua acção combativa. Depois de ter privado as igrejas de meios para poderem funcionar, o regime restringiu a construção de novos templos com o argumento de que se devia dar prioridade à construção de escolas, hospitais e fábricas. A publicação e distribuição de literatura religiosa foram igualmente coarctadas. No contexto do «combate», o regime impôs restrições a quem quisesse cursar teologia, determinando que apenas poderiam matricular-se quem tivesse cumprido o Serviço Militar Obrigatório, e prestado serviço no aparelho de Estado, caso fossem provenientes de escolas oficiais. Em tudo isso não se vislumbrava o mais ténue dos sinais de que se tratava de uma intenção do regime em nivelar ou equilibrar as relações entre confissões religiosas.
Será que o «combate» movido contra as igrejas foi de facto um desenvolvimento positivo, como defende Eric Morier-Genoud? Certamente que a mesma opinião não é partilhada por crentes que em Naisseko ficaram com os membros superiores inutilizados por acção de cordas embebidas em água e sal, apenas por não abdicarem da sua confissão religiosa.
Nem por esses, nem por padres humilhados em Unango, nem tão pouco por sacerdotes arrastados das suas dioceses em Cuamba, Tete e Manica e em muitas outras partes do país, hoje dados como desaparecidos.
(1) O texto integral da «Circular» assinada pelo Comissário Político Nacional da Frelimo, Armando Emílio Guebuza, está disponível na edição do jornal «Notícias» de 17 de Outubro de 1975 pp 2,5.
Canal de Moçambique – 15.08.2012
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