quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Kissinger admite que errou em Angola

O jornal brasileiro " Folha de S.Paulo", publicou uma reportagem sobre a participação americana na história recente de Angola. A matéria é feita com base no livro do ex-secretário de Estado dos EUA - Henry Kissinger e assinada por Elio Gaspari um dos mais competentes jornalista do Brasil ilustra com clareza a posição dos EUA com relação aos três movimentos que lutaram pela independência de Angola, pensamos com a divulgação desta matéria ajudar você a conhecer a história possivel de Angola.
Em livro de memórias, ex-secretário de Estado dos EUA elogia política brasileira para o país africano Kissinger admite que errou em Angola
ELIO GASPARI
Colunista da Folha de S.Paulo - Foram necessários 24 anos e as memórias do ex-secretário de Estado norte americano Henry Kissinger para se confirmar que na crise angolana de 1975, quando o Brasil e os EUA passaram por período de inéditas divergências, o Itamaraty estava fazendo o certo e Washington, bobagens. Em seu livro "Anos de renovação", Kissinger dedica um capítulo à crise ocorrida em 1976. Nela, os EUA tentaram impedir que o MPLA do médico Agostinho Neto assumisse o governo independente de Angola. Conta como foi enganado pelo presidente de Zâmbia, Kenneth Kauda, como acreditou em quem não devia (a CIA) e duvidou de quem sabia (os africanistas do Departamento de Estado). Reconhece uma actuação desastrada e elogia o chanceler brasileiro da época, Azeredo da Silveira. Admite até que lhe faltou tempo para tratar direito do assunto. Silveira, que era chamado de esquerdista em panfletos militares, já morreu. Morreu também o artífice da política do Brasil na África, o embaixador Ítalo Zappa. O reconhecimento do êxito só chegou a um diplomata. Aos 73 anos, aposentado, Ovídio de Mello vive no Leblon. Por causa de Angola foi desterrado para a Tailândia e a Jamaica. Sofreu 90 preterições, até que o presidente José Sarney o promoveu a embaixador. Não reclama do passado, mas da abulia diplomática do presente.
CRONOLOGIA
Entenda o que aconteceu:
Em Abril de 1974, caiu em Portugal a ditadura cinquentenária fundada pelo professor Oliveira Salazar e começou a desmoronar o império colonial de Lisboa. Angola, a mais rica das suas três colónias africanas, tinha 6 milhões de habitantes e era o maior produtor mundial de diamantes.
Lá, três organizações disputavam o poder:
- O Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), forte na capital, na intelectualidade e no Partido Comunista Português. Tinha o apoio da URSS e era liderado pelo médico Agostinho Neto.
- A Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), de Holden Roberto, aparentado com Joseph Mobutu, governante do Zaire. Forte no norte. Recebia ajuda da CIA.
- A União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), comandada por Jonas Savimbi. A sua base estava no Sul. Tivera apoio da China e viria a ter o da África do Sul.
Adiante, com a ajuda das memórias de Henry Kissinger, uma cronologia do que aconteceu em Angola de Janeiro a Dezembro de 75.
Janeiro
Portugal assina o Acordo de Alvor com as três facções angolanas. Marca-se a independência para 11 de Novembro.
Kissinger pergunta ao Departamento de Estado: Qual dos três grupos de Angola atende melhor aos interesses dos EUA?
A CIA pede um reforço de US$ 300 mil para a FNLA. Vinham dando US$ 100 mil por ano. Resolve também ajudar a Unita.
O chanceler Azeredo da Silveira manda o ministro Ovídio de Mello para Angola, representando o Brasil junto às três facções angolanas. Ovídio, que estava em Londres, reúne-se com Agostinho Neto na Tanzânia, Holden Roberto no Zaire e Savimbi no interior de Angola.
Março
O MPLA recebe armas russas. A FNLA ataca um quartel do MPLA em Luanda. Começa a guerra civil. Ovídio fixa-se em Luanda. Importa um telex, porque não havia.
Abril
A CIA diz a Kissinger que a FNLA vai ganhar a briga. O subsecretário de Estado para Assuntos Africanos, Nathaniel Davis, reclama da ajuda dada à FNLA e à Unita.
O presidente de Zâmbia, Kenneth Kaunda, reúne-se na Casa Branca com o presidente Gerald Ford e Kissinger. Diz que o seu governo, bem como os do Zaire, da Tanzânia e de Moçambique, favorecem a ideia de promover a união da FNLA com a Unita para derrotar o MPLA. Eles acreditam.
Maio
Agostinho Neto se encontra, no Congo, com o primeiro chefe da missão militar cubana, Flavio Bravo. Combate-se em Luanda.
Junho
O ministro da Defesa da África do Sul, Piet Botha, entrega ao primeiro-ministro Vorster um plano de acção para Angola. Kissinger manda dois emissários ao Zaire. Eles voltam dizendo que a coligação Unita/FNLA pode ganhar.
Julho
Gerald Ford se encontra com o líder soviético Leonid Brejnev em Helsinque e não tocam no caso angolano. Uma missão militar cubana volta a Havana. Fidel Castro está preocupado com a defesa do petróleo de Cabinda, explorado pela americana Gulf Oil. Prepara-se em Havana um plano de contingência para entrar em Angola.
Davis insiste com Kissinger pela solução africana. Kissinger diz que não pode deixar os russos botarem o pé em Angola. Davis insiste, dizendo que é tarde e não há como bater o MPLA e pede demissão.
Kissinger manda um emissário ao Zaire com US$ 1 milhão e a promessa de mais US$ 6 milhões.
Descola dos EUA o primeiro avião com armas para a FNLA.
Agosto
A África do Sul move tropas para a fronteira sul de Angola, sob o pretexto de defender a hidroeléctrica de Cunene. O MPLA expulsa as outras facções de Luanda.
Ovídio recomenda ao Itamaraty que em Novembro se reconheça o MPLA. Blinda as janelas de sua casa.
A CIA, que já conseguira autorização para gastar mais US$ 14 milhões em Angola, pede um novo reforço de US$ 10 milhões.
Robert Stockwell, chefe da força da CIA para Angola, encontra dois brasileiros nas tropas da FNLA. Um, jornalista (nome de código Falstaff), estivera na folha da CIA. O outro, fardado, diz que é oficial do Exército. (Kissinger diz que usou mercenários portugueses e brasileiros.) As tropas sul-africanas, apoiando a Unita, entram em Angola. É a Operação Savana.
Setembro
Ovídio fica sem suprimentos. Come carne de cachorro e legumes que plantou no quintal.
Kissinger reclama que o dinheiro da CIA vem sendo liberado burocraticamente. Tinha pouco tempo para cuidar da crise angolana.
Ovidio passa dez dias no Brasil. Sustenta que se deve reconhecer o MPLA.
Outubro
Mobutu pede armas à CIA para atacar Cabinda.
Kissinger insiste: se os EUA deixarem a URSS entrar em Angola, vão dar uma demonstração de fraqueza. Atacado pela FNLA ao norte e pela Operação Savana ao sul, o MPLA teme a invasão de Luanda.
A CIA regista o movimento de 20 aviões russos pousando no Congo-Brazzaville, levando 200 blindados e 20 mil rifles.
A CIA informa a Washington que há apenas 100 ou 150 conselheiros militares da África do Sul com as tropas da Unita que entraram em Angola. Hoje, Kissinger reconhece que essa informação estava errada ou era falsa.
Novembro
Dia 4 - A Varig fecha o seu escritório em Luanda. Ovídio fica sem mala diplomática e sem jornais brasileiros. Informa-se pela BBC.
Dia 5 - A CIA diz a Kissinger que a guerra está ganha pela UNITA/ FNLA e, portanto, pelos EUA.
Dia 7- O cônsul americano deixa Luanda. Despede-se de Ovídio dizendo que o reconhecimento do Brasil para o MPLA está certo.
Dia 6 - Geisel resolve reconhecer o MPLA. Zappa diz a Azeredo da Silveira que esse foi o maior feito da diplomacia brasileira nos últimos 30 anos.
Dia 9 - Chega a Ovídio o telegrama do Itamaraty, autorizando que ao primeiro minuto do dia 11 ele se apresente ao governo de Luanda.
Dia 10 - O embaixador russo na Guiné diz a Moscovo que aviões cubanos pediram escala em Conacri, a caminho de Angola. O chanceler soviético Andrei Gromiko não sabe de nada. Quando os russos descobrem que é uma força expedicionária, não conseguem pará-la.
Os portugueses deixam Angola.
Tropas cubanas usando foguetes russos dissolvem a coluna da FNLA que ia entrar em Luanda. (Há um mistério nesse combate. Ele pode ter ocorrido antes do dia 11. Nesse caso, as baterias de foguetes teriam sido operadas por cubanos que já estavam em Angola. Kissinger não toca nesse ponto.)
Dia 11- Um batalhão de elite cubano começa a descer em Luanda. É a Operação Carlota.
Dia 13 - Ovídio é acusado de ter reconhecido o MPLA sem autorização. Já está decidida a sua remoção de Luanda. Discute-se em Brasília o nome do substituto. Kissinger denuncia, pela primeira vez, a presença de cubanos em Angola.
Fim do mês - O Itamaraty determina a Ovídio que se afaste do governo angolano. Ovídio protesta.
Dezembro
O "The New York Times" denuncia as actividades da CIA contra o MPLA. Azeredo da Silveira reúne-se com Kissinger em Nova York. O secretário reclama da posição brasileira e ele lhe diz que em Angola o Brasil segue a sua própria política. O Senado americano proíbe operações clandestinas da CIA em Angola. A África do Sul retira suas tropas. O Itamaraty retira Ovídio de Luanda. Ele volta a Londres e, em Junho, é removido para a Tailândia, onde fica cinco anos.
Entretanto, durante o mesmo período da ditadura militar no Brasil :
" O episódio específico que mais me chamou a atenção foi a participação directa do mesmo grupo de extermínio no golpe organizado pela CIA para derrubar o governo do MPLA em Angola, com viagem secreta em avião da FAB (Força Aérea Brasileira)."
In
http://correiodobrasil.com.br/memorias-de-uma-guerra-suja-e-a-participacao-da-midia-no-apoio-a-ditadura/456768/

1 comentário:

Anónimo disse...

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