Por Egidio Guilherme Vaz Raposo ·
Dizer que este ou aquele vai morrer, é uma antevisão que de princípio nunca falha. De facto, todos nós morreremos um dia. Mas dizer que “este ou aquele pode morrer ou ser assassinado a qualquer momento” é de facto sedutor e pode parecer uma grande capacidade de antevisão numa situação como a nossa. Aos que antevêem a morte de Dhlakama à qualquer momento em virtude dos últimos acontecimentos, a estes só posso recomenda-los uma boa graduação de óculos e duas colheres de WONGO (cérebro em língua Sena).
Não é nem profícuo muito menos inteligente matar Dhlakama neste momento, até porque não está claro se estamos em plena guerra, agitação político-militar ou pura manipulação. Esta agitação pode também estar a ser combustibilizada do interior da Frelimo, ou das Forças armadas ou dos serviços de segurança, coisa que em estudos de segurança não espantaria a ninguém. Pode também ser resultado da perca do controlo de Dhlakama sobre seus homens, em virtude da perca do que chamo por “capacidade redistributiva”, factor que mitigou consideravelmente a sua voz e legitimidade no seio da ala militar. E pode também ser reflexo da instrumentalização da violência no âmbito do processo sucessório dentro da Frelimo, visando encostar a actual elite dirigente sobre a parede e retirá-la a influência na decisão sobre o futuro dirigente. Lembre-se que este tem sido dos principais nós de estrangulamento de entre os membros e dirigentes da Frelimo nos dias que correm.
Uma análise que se quer sensata sobre o momento em que vivemos não deveria esquecer todos processos negociais falhados e a própria solução de guerra encontrada, que muito se ancorou na co-optação de líderes da Renamo em detrimento da solução genuína da questão militar. Nunca foi segredo que a Renamo tinha homens armados a mais, contrários aos números previstos nos Acordos de Roma. O governo nunca agiu no sentido de resolver este problema. E isto já dura há 20 anos. Pelo contrário, sempre que a Renamo levantasse este assunto o governo achou-o extemporâneo (se bem que legalmente razoável). Mas então, era para estes homens acabarem como? Voltarem sozinhos as casas? Desmobilizarem-se sozinhos?
A outra questão prende-se com a partidarização das instituições públicas incluindo as forças armadas. Consciente disto, o governo sempre agiu no sentido de manter uma significativa réstia partidária estratégica nas hostes militares e, principalmente leais a direcção do partido para fins estratégicos ao contrário da desejavel despartidarização das FADM. Infelizmente este processo foi acompanhado pela precoce desmobilização ou reforma dos oficiais anteriormente pertencentes a Renamo. De facto, a questão militar tem contornos sinuosos, principalmente num momento em que vivemos a paz e que do ponto de vista orçamental, tem vindo a perder primazia e comparação aos serviços de informação e segurança e da polícia.
A questão eleitoral, apesar de afigurar-se de importância instrumental, é de facto acessória. A solução passa seguramente por dois pontos, quanto a mim, incontornáveis
1. Restituir o poder redistributivo de Afonso Dhlakama para que seja capaz de voltar a ganhar legitimidade e controle sobre seus homens. O que mais me preocupa é o facto de a liderança governamental nunca ter levado a sério as declarações de Dhlakama quando diz que os seus homens acham que “ele come sozinho” com a Frelimo. Não quero com isso dizer que ele tem razão ou esteja a mentir, mas este facto é sintomático da fraqueza do poder redistributivo, perdido ao longo dos últimos 10 anos. Se bem que este seja uma solução-aspirina do ponto de vista da sustentabilidade, ela constitui uma rampa de lançamento para de forma paulatina e séria se chegue ao consenso em relação a questão de reinserção das forças residuais de Dhlakama no que tange a (a) reinserção nas forças de defesa e segurança ou (b) desmobilização e integração no sistema de previdência do combatente ou (c) subsidio ad-infinitum destes, sem necessariamente passarem para nenhum dos lados.
2. Rever a questão eleitoral: a composição de membros da CNE e eventualmente outros órgãos de administração eleitoral coloca os partidos da oposição numa posição desvantajosa em relação ao partido no poder. Urge uma reflexão sobre o sentido e utilidade da proporcionalidade na composição dos órgãos de administração eleitoral. Se se pretende colocar políticos representantes partidários nos órgãos de administração eleitoral, então devem ser em número igual. Ou por outra ninguém poe lá os pés. Da forma como está, não há justiça eleitoral. Os partidos não partem em mesmas condições para a eleição. Não é por acaso que todos concorrentes a presidência da República recebem um valor igual para o subsídio das despesas eleitorais. Foi pensando na igualdade de circunstâncias e oportunidades que assim se decidiu.
O corolário lógico destas soluções a terem que ser materializadas ainda neste ano implica a não realização das eleições autárquicas.
Matar Dhlakama seria cobardia por parte de quem não quer solucionar o problema de forma sustentável. Porque depois dele, poderão surgir outros, tantos e dispersos. Ademais, os que assim pensam estão despojados de comandos analíticos sóbrios e estão despojados da consciência histórica.
DICA: Pensar que Dhlakama está em Santunjira, Gorongosa é outra ingenuidade típica dos iniciados, que pensam que ele opera como se de um campaigner (pregador, não “Pregadori du Dezertu”) se tratasse.
DICA 2: É importante que se saiba que a guerra ainda não começou. E não vai começar. O que está acontecer é o conjunto de manifestações de instabilidade que dão coerência ao estado anómico que vivemos. Descontentamento generalizado; vertigens do carvão, gás e sucessão; concentração do poder; pobreza e partilha de recursos.
Dica 3: A popularidade do governo moçambicano é tão baixa que uma eventual guerra declarada pelo governo pode ter efeitos adversos e eventualmente levar ao golpe de estado. Se calhar seja isto o que os arautos da dita “solução angolana” querem.
Dica 4: A próxima manifestação pela Paz deve ser em Muxungwe, já que lá de acordo com informação oficial, está seguro. Isto teria efeito catalítico não só directamente sobre o povo que padece da nudez – as camisetes e capulanas iriam ajudar a mitigar este efeito – como também provaria com actos do estado de paz que vivemos.
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