quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Parece que finalmente em Moçambique alguém reconhece ninguém ter morrido no ataque ao CHAI

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ZAMBEZE - 09.09.2004
Salomão Moyana
Ensina-nos a História da Frelimo que no desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, na noite do dia 25 de Setembro de 1964, foram mortas, pelo menos, duas pessoas, nomeadamente o Chefe do Posto Administrativo Colonial de Chai e o sentinela que guarnecia a residência do Chefe do Posto.
Alberto Joaquim Chipande, o autor do primeiro tiro dado no Chai naquela noite, tem vindo a afirmar e a reafirmar o que os livros da Frelimo ensinam sobre as consequências do primeiro tiro rumo à libertação.
Porém, hoje, quarenta anos depois, tudo indica que essa história do primeiro tiro não está lá muito bem contada, ou, pelo menos, não parece haver consenso sobre as consequências desse primeiro tiro, a julgar pela recente pesquisa levada a cabo pelo ARPAC (Arquivo de Património Cultural), instituição do Estado subordinada ao Ministério da Cultura.
De acordo com essa pesquisa, baseada em 35 entrevistas a pessoas “idosas e nativas de Chai” durante o ataque dos guerrilheiros da Frente de Libertação de Moçambique “nenhuma pessoa foi morta”.
“Uma semana depois do ataque, houve sim, uma morte. Tratou-se do cunhado do Chefe do Posto que, quando regressava do rio Messalo à busca de água de viatura, caiu numa emboscada” , refere o documento do ARPAC citado pela última edição do jornal “Horizonte”publicado na cidade de Pemba.
Quando esse relatório do ARPAC foi apresentado num seminário em Pemba, no passado dia 31 de Agosto, a reacção de alguns antigos combatentes foi de previsível fúria: “É uma grave ofensa histórica afirmar que no ataque de Chai ninguém morreu no dia 25 de Setembro de 1964. Esse relatório é medíocre e superficial pintado com aparentes cores políticas contemporâneas tendentes a deturpar a verdadeira história do povo moçambicano”.
Dentre as 35 pessoas entrevistadas pelo ARPAC figura o então cozinheiro do Chefe do Posto de Chai, identificado pelo único nome de Amade, o qual afirmou, igualmente, que o seu patrão não morreu naquele ataque.
Independentemente das lacunas que possa ter, a pesquisa do ARPAC tem o mérito de indagar uma “verdade absoluta”, um tabú da nossa História. Ao trazer à ribalta novos dados que questionam a história oficial, o ARPAC está a iniciar uma longa e penosa jornada ao passado recente, acto esse capaz de levar os moçambicanos mais corajosos a fazer outras e mais profundas indagações sobre muitas inverdades históricas tidas como “verdades absolutas”.
É oportuno que as revelações do ARPAC vieram num período em que se procura reflectir sobre os últimos quarenta anos da nossa História, oportunidade que os cientistas sociais moçambicanos deveriam aproveitar para vasculhar os arquivos coloniais a fim de constatar se no dia 25 de Sdetembro de 1964 teria morrido no Chai o respectivo chefe do Posto. Pensamos que se trata de uma verdade fácil de constatar, uma vez que os portugueses registavam os óbitos dos seus funcionários públicos.
O que não podemos aceitar é passarmos a vida a ensinar factos duvidosos aos nossos filhos para, quarenta anos depois, dizermos que “parece que as coisas não são bem assim”.
Isso é uma pesada responsabilidade académica mas também política de quem, deliberadamente, conta uma “História conveniente” só para aumentar a sua alegada heroicidade.
Factos são factos e não devem ser ficcionados. Factos devem ser recolhidos e contados como factos. Uma coisa é factos, outra coisa é a sua interpretação. Não se deve dizer que alguém morreu quando está vivo. Nem se deve dizer que está vivo quem morreu.
Contar a verdade dos factos não diminui a heroicidade nem mérito de quem fez a luta de libertação nacional. Antes pelo contrário, a verdade engrandece o mérito e a heroicidade dos combatentes.
Por outro lado, devemos saber reagir a novos dados históricos. Não devemos ter, sempre, uma atitude corporativa e clubista de que quem conta uma versão diferente é porque “visa deturpar a história do povo moçambicano”, como se tal História fosse um conjunto de dogmas imutáveis. A História, seja ela do povo moçambicano ou do povo chinês, é uma construção social permanente e nunca uma coisa acabada e fechada, propriedade de um clube dos bem entendidos. A História é propriedade do povo e é o povo que está a dizer que no Chai não morreu ninguém no dia 25 de Setembro de 1964, o que põe em causa a versão “conveniente” que foi difundida ao longo dos últimos quarenta anos.
Qual é o papel e a função daqueles doutores em História que estão no Ministério dos Antigos Combatentes? Arranjar argumentos “científicos”para validar convicções individuais de cada dirigente que conta a “sua história de libertação nacional”? Ou questionar, analisar criticamente e sistematizar os dados históricos factuais sobre o processo de libertação nacional?
Já o livro sobre Uria Simango, baseado em entrevistas de alguns combatentes ainda vivos, constitui uma dura bofetada na cara dos nossos historiadores da libertação nacional, os quais antes deste livro nunca disseram que Uria Simango não foi aquilo que se dizia que tinha sido.
Acreditamos que os novos dados sobre o Chai venham a catalizar um necessário debate público com vista a encontrarmos a verdade sobre a nossa História. Isso é tão necessário quanto urgente para que da longa desinformação passemos à informação correcta aos cidadãos a fim de os capacitar a participar conscientemente no processo público de tomada de decisões.
Esse é o objectivo supremo do sistema democrático!
Nota: Fotos tiradas pelo responsável deste blog, durante um "banja" algum tempo depois do ataque.
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