Perseguição religiosa
Também
sem qualquer discriminação, Samora Machel desencadeou ofensiva contra
todas as confissões religiosas. Nenhuma parece ter escapado.
Na imagem: Meca
Em
insulto sem precedentes o ditador moçambicano entrou na mesquita
sagrada da Ilha de Moçambique, sem se descalçar. Humilhou os "che",
perante muitos fiéis maometanos congregados para receber o novo
presidente. Não perdoava que os devotos de Meca (que somam ao redor de
três milhões de crentes em Moçambique) se recusassem a aderir às
doutrinas marxistas de que se convertera em arauto.
O contraste
com a tolerância portuguesa ficou patente para toda essa gente. Recordam
os tempos em que o governador-geral (Baltazar Rebello de Sousa)
participava publicamente nas suas orações e a eles se dirigia, com
respeito ecuménico, durante as solenidades que decorriam das prescrições
do Profeta.
Os cristãos não-romanos tiveram igual sorte.
Leia-se
o jornal sueco "Expressen" que, pela pena de Eric Sjoequist, denuncia a
perseguição sofrida. A este se juntou o médico-missionário escandinavo,
Dr. Koorsning, para descrever como milicianos invadiram os templos, as
escolas e os hospitais e obrigaram a tudo abandonarem, sob a ameaça das
armas. Os missionários estrangeiros, que tantas vezes tinham tomado a
defesa da "Frelimo", foram acusados de serem agentes do imperialismo e
de entravarem a marcha da revolução.
Creio, no entanto, que a
seita religiosa que directamente mais sofreu foi a das "testemunhas de
Jehovah". Dezenas de milhar (as melhores estimativas cifram-nos em 400
000) tinham procurado refúgio em Moçambique depois de serem perseguidos
nos territórios vizinhos, especialmente no Malawi, por se recusarem a
participar em qualquer actividade política. Percorri muitos desses
campos de refugiados, estabelecidos pelas autoridades portugueses, em
laboriosos trabalho de identificação (como cônsul do Malawi) para
impedir que criminosos comuns com elas se misturassem, beneficiando da
protecção que lhes era concedida em base humanitária.
Não tive
quaisquer dificuldades. Encontrei sempre a melhor colaboração dos
portugueses e dos refugiados. Entre estes encontravam-se médicos,
engenheiros, advogados e abastados comerciantes.
O Malawi, mesmo
não reconhecendo a seita, apreciava o filantrópico procedimento
português e colaborou nas facilidades solicitadas para a saída de
famílias ou bens, enquanto que o seu governo partilhava nos encargos com
o sustento dessa gente.
Com o advento de Samora Moisés Machel
tudo foi revirado repentinamente. E sabia-se que os guerrilheiros da
"Frelimo" haviam utilizado os campos de refugiados para neles se
abrigarem ao serem perseguidos pelas tropas portuguesas. Tinha
acontecido isso na Angónia, em Milange e em Nova Freixo.
À ponta
da baioneta os desgraçados foram obrigados a cruzar a fronteira para
serem entregues às autoridades vizinhas. Os que tentaram escapar-se para
permanecer em Moçambique foram tratados com incrível violência. Recebi
cartas de membros da seita ccom quem tinha feito amizade, relatando as
mortes, as feridas e fracturas graves ou os abusos sexuais. Calcula-se
que mais de 3 000 pessoas foram friamente eliminadas. O próprio governo
do Malawi, que os perseguira, apiedou-se deles e ofereceu-lhes abrigo
contra tais excessos.
Na imagem: Jehovah
Mesmo
assim, mais de dez mil "testemunhas de Jehovah" encontram-se hoje, em
condições sub-humanas, em campos de trabalho nos distritos da Angónia e
de Milange.
A Igreja Católica também não se eximiu à perseguição.
Em
documento circulado pelo partido, foi acusada de actuação
contra-revolucionária que procura obstaculizar a marcha da
democracia-popular. Referiu-se a necessidade de "separar do Vaticano a
Igreja de Moçambique" e (até mesmo!) de alterar a liturgia e as orações.
O
Bispo de Nampula, um dos mais activos frelimistas do período colonial,
foi restringido à zona do seu paço e notificado, por um cipaio, da
decisão das autoridades de não lhe consentirem que pregasse na catedral.
Os
bispos moçambicanos que sempre encontravam fórmulas, ainda que vagas,
de criticar as autoridades portuguesas nos seus comunicados públicos e
de as afrontar nos relatórios para Roma parecem remetidos a silêncio
envergonhado.
O que terá acontecido aos missionários espanhóis
tão largos no falar em defesa do seu povo cristão? Que é feito da voz de
D. Eurico Noronha (respeitado Bispo de Vila Cabral e depois transferido
para Sá da Bandeira) que se ofereceu para advogado dos padres-marxistas
do Macuti, conforme carta que me escreveu?
Porque se calou, também, a Igreja Católica?
Impressiona
a forma como desapareceu a coragem ao eminente Núncio Apostólico em
Lisboa que tão presto era em denunciar as prepotências portuguesas.
Igualmente
o Padre Hastings, denunciador dos massacres do Wiryamu, cala-se quando
hoje se cometem verdadeiros e comprovados genocídios em Moçambique, que
excedem tudo o que de imaginoso sobre as atrocidades portuguesas relatou
em plena primeira página do respeitável "The Times" de Londres.
Na imagem: D. António Ferreira Gomes (Bispo do Porto)
Nem
o Bispo do Porto, tão fértil no apoio às acusações contra a guerra
colonial, tem hoje uma palavra de caridade para as centenas de milhares
de cristãos que penam em Moçambique uma das mais violentas perseguições
religiosas que os tempos modernos conheceram.
Onde estão as cartas pastorais e as homilias versando o tema "Paz e Justiça"?
Há em tudo isto um silêncio cúmplice.
Ou há uma vergonhosa falta de coragem.
Como
excepção confortadora pode apontar-se a figura admirável do Arcebispo
de Braga, Primaz das Espanhas, que se ergue com personalidade ímpar
dizendo as coisas pelos seus nomes. Mesmo depois dos vexames sofridos na
sua dignidade de homem e de sacerdote impecável que até sabe perdoar.