by Esaúú Cossa on Thursday, 20 September 2012 at 20:54 ·
Carta Aberta ao Moçambicano-5 (A Justiça)
“ Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo” – Mahatma Gandhi
Na senda das cartas anteriores, esta surgiu como uma espécie de autocrítica, um acotovelar ao meu, ao teu, ao nosso estômago, esta carta eu dedico ao princípio basilar de qualquer nação a justiça, porque este desiderato não é um capricho, não é um sonho, é um direito inalienável.
Não começo esta proeza sem deixar de inspirar-me numa frase célebre de Robert J. Samuelson, “Nos negócios e na maioria das actividades o conjunto de leis e normas não pode substituir inteiramente o julgamento humano sobre o que é certo e errado”.
Esta carta vem a ribalta pelos últimos eventos ligados a reforma que se apregoa no sector da Administração da Justiça (as jornadas científicas promovidas pela Procuradoria Geral da República, a semana do Advogado que foi brindada por uma série de reflexões que teve o seu ponto alto no 1º Congresso para a Justiça), entre outros eventos que espevitaram este pequeno desabafo.
O primeiro a fazer é analisar epistemológicamente o objecto, Justiça - o termo vem (do latim iustitia, por via semi-erudita), de maneira simples, diz respeito à igualdade de todos os cidadãos. É o princípio básico de um acordo que objectiva manter a ordem social através da preservação dos direitos em sua forma legal (constitucionalidade das leis) ou na sua aplicação a casos específicos da sociedade (litígio).
O problema deste desiderato, deste valor de cariz natural é a sua concretização, e isto é a escala global, mas por razões claras, importa reflectir sobre a aplicação da mesma em Moçambique, porque as pessoas reclamam na socapa, nas casas de banho, em bares, cafés, mas são poucos, que se atrevem a expurgar com isenção o estágio da justiça em Moçambique.
A justiça em Moçambique enfrentou vários momentos, uns felizes outros infelizes, o mais importante, não importa com que paradigma olha-se para a mesma, é que ela evoluiu em termos gerais, mas tudo que evolui, vem acompanhado nos seus galhos de espinhosas realidades que acabam gangrenando para os seus frutos.
Em primeiro acto, disseco o primeiro pecado trintão que vemos cometendo, que é relativo a reforma legal, entendo que este pecado prende-se com o facto de não conseguirmos libertar-nos das amarras que nos prendem ao quadro jurídico-legal herdado e aceite compulsivamente do período colonial, continuam em vigor no País diversos diplomas legais seculares, sendo o mais flagrante o Código Penal de 1886, ou seja, um Código do século XIX, que regula de forma deficitária e muitas vezes simplesmente não regula as realidades jurídico criminais do século XXI, a pergunta aqui é para todos: O que falta para elaborarmos e aprovarmos um Código Penal iminentemente moçambicano?
Com medo da pergunta morrer solteira atrevo-me a responder com a inocência de um aprendiz, vontade e coragem, estes simples adjectivos emprenham no seu conteúdo as respostas aos nossos anseios, conheço a massa e a nata dos juristas, antropólogos, sociólogos, médicos e outros quadrantes da sociedade civil que organizados podiam, podem e poderão proceder a uma alteração destes diplomas legais seculares, sem o constrangimento de ferir susceptibilidades.
Em segundo acto, disseco o segundo pecado adolescente que vemos cometendo, que é relativo ao acesso a justiça, entendo que este pecado prende-se com o facto de ao longo da história termos categorizado o seu acesso, sendo que a partir da década 90, ficou claro com adesão da economia de mercado que teríamos uma justiça para os pobres defendida na sua maioria pelo IPAJ e LDH; outra para a classe média (trabalhadores minimamente assalariados) pelos Advogados em início de carreira; e outra para classe média alta (os novos ricos) que seria defendida pelos Advogados com experiência renomada na praça. Ao impormos categorias para aceder-se a justiça, nunca teremos uma sociedade igualitária, pelo que urge a criação de condições para que não existam defensores da justiça de primeira, de segunda e de terceira estripe.
Em terceiro e último acto, disseco o último pecado infantil que vemos cometendo, que é relativo ao formalismo na administração da justiça, entendo que este pecado prende-se com o facto de existir enraízado um sentimento de que a máquina judiciária tem de ser burocrática, excessivamente formalista, lenta e dispendiosa, este pecado encontra-se devidamente codificado nos vários diplomas legais que expressamente ou tácitamente mantêm esta solenidade dos procedimentos que é privilegiada num claro desprezo pela emergência da resolução dos litígios.
Ao longo dos anos tentamos a tudo custo fugir da autoria dos mesmos, por via da culpabilização do outro, para os Magistrados o problema se prende com os Advogados, para os Advogados com os Magistrados, para o cidadão com este grupo elitista que se considera detentor do direito de fazer justiça, de dizer o que é justo e injusto, numa visão exilada de grupos de interesses, o problema esta em fazer um trabalho conjunto, juntar no mesmo espaço todos quadrantes devidamente representados e redigir um documento com força de parecer jurídico oficial dos 10 pecados da justiça em Moçambique e apresentar de forma clara e desinibida as formas de resolução dos mesmos.
Estes três pecados são em meu entender os mais flagrantes, existem outros, mas se começarmos por confessar estes e expiarmo-nos dos mesmos já estaremos com uma milha cumprida na prossecução de um Estado de Justiça Social.
Esaú G. Cossa
“ Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo” – Mahatma Gandhi
Na senda das cartas anteriores, esta surgiu como uma espécie de autocrítica, um acotovelar ao meu, ao teu, ao nosso estômago, esta carta eu dedico ao princípio basilar de qualquer nação a justiça, porque este desiderato não é um capricho, não é um sonho, é um direito inalienável.
Não começo esta proeza sem deixar de inspirar-me numa frase célebre de Robert J. Samuelson, “Nos negócios e na maioria das actividades o conjunto de leis e normas não pode substituir inteiramente o julgamento humano sobre o que é certo e errado”.
Esta carta vem a ribalta pelos últimos eventos ligados a reforma que se apregoa no sector da Administração da Justiça (as jornadas científicas promovidas pela Procuradoria Geral da República, a semana do Advogado que foi brindada por uma série de reflexões que teve o seu ponto alto no 1º Congresso para a Justiça), entre outros eventos que espevitaram este pequeno desabafo.
O primeiro a fazer é analisar epistemológicamente o objecto, Justiça - o termo vem (do latim iustitia, por via semi-erudita), de maneira simples, diz respeito à igualdade de todos os cidadãos. É o princípio básico de um acordo que objectiva manter a ordem social através da preservação dos direitos em sua forma legal (constitucionalidade das leis) ou na sua aplicação a casos específicos da sociedade (litígio).
O problema deste desiderato, deste valor de cariz natural é a sua concretização, e isto é a escala global, mas por razões claras, importa reflectir sobre a aplicação da mesma em Moçambique, porque as pessoas reclamam na socapa, nas casas de banho, em bares, cafés, mas são poucos, que se atrevem a expurgar com isenção o estágio da justiça em Moçambique.
A justiça em Moçambique enfrentou vários momentos, uns felizes outros infelizes, o mais importante, não importa com que paradigma olha-se para a mesma, é que ela evoluiu em termos gerais, mas tudo que evolui, vem acompanhado nos seus galhos de espinhosas realidades que acabam gangrenando para os seus frutos.
Em primeiro acto, disseco o primeiro pecado trintão que vemos cometendo, que é relativo a reforma legal, entendo que este pecado prende-se com o facto de não conseguirmos libertar-nos das amarras que nos prendem ao quadro jurídico-legal herdado e aceite compulsivamente do período colonial, continuam em vigor no País diversos diplomas legais seculares, sendo o mais flagrante o Código Penal de 1886, ou seja, um Código do século XIX, que regula de forma deficitária e muitas vezes simplesmente não regula as realidades jurídico criminais do século XXI, a pergunta aqui é para todos: O que falta para elaborarmos e aprovarmos um Código Penal iminentemente moçambicano?
Com medo da pergunta morrer solteira atrevo-me a responder com a inocência de um aprendiz, vontade e coragem, estes simples adjectivos emprenham no seu conteúdo as respostas aos nossos anseios, conheço a massa e a nata dos juristas, antropólogos, sociólogos, médicos e outros quadrantes da sociedade civil que organizados podiam, podem e poderão proceder a uma alteração destes diplomas legais seculares, sem o constrangimento de ferir susceptibilidades.
Em segundo acto, disseco o segundo pecado adolescente que vemos cometendo, que é relativo ao acesso a justiça, entendo que este pecado prende-se com o facto de ao longo da história termos categorizado o seu acesso, sendo que a partir da década 90, ficou claro com adesão da economia de mercado que teríamos uma justiça para os pobres defendida na sua maioria pelo IPAJ e LDH; outra para a classe média (trabalhadores minimamente assalariados) pelos Advogados em início de carreira; e outra para classe média alta (os novos ricos) que seria defendida pelos Advogados com experiência renomada na praça. Ao impormos categorias para aceder-se a justiça, nunca teremos uma sociedade igualitária, pelo que urge a criação de condições para que não existam defensores da justiça de primeira, de segunda e de terceira estripe.
Em terceiro e último acto, disseco o último pecado infantil que vemos cometendo, que é relativo ao formalismo na administração da justiça, entendo que este pecado prende-se com o facto de existir enraízado um sentimento de que a máquina judiciária tem de ser burocrática, excessivamente formalista, lenta e dispendiosa, este pecado encontra-se devidamente codificado nos vários diplomas legais que expressamente ou tácitamente mantêm esta solenidade dos procedimentos que é privilegiada num claro desprezo pela emergência da resolução dos litígios.
Ao longo dos anos tentamos a tudo custo fugir da autoria dos mesmos, por via da culpabilização do outro, para os Magistrados o problema se prende com os Advogados, para os Advogados com os Magistrados, para o cidadão com este grupo elitista que se considera detentor do direito de fazer justiça, de dizer o que é justo e injusto, numa visão exilada de grupos de interesses, o problema esta em fazer um trabalho conjunto, juntar no mesmo espaço todos quadrantes devidamente representados e redigir um documento com força de parecer jurídico oficial dos 10 pecados da justiça em Moçambique e apresentar de forma clara e desinibida as formas de resolução dos mesmos.
Estes três pecados são em meu entender os mais flagrantes, existem outros, mas se começarmos por confessar estes e expiarmo-nos dos mesmos já estaremos com uma milha cumprida na prossecução de um Estado de Justiça Social.
Esaú G. Cossa