quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Eleições nos EUA: A mudança que não virá

Eleições nos EUA: A mudança que não virá

20/9/2012 12:58,  Por João Alexandre Peschanski - de Madison 8
Obama
Barack Obama, presidente dos EUA e candidato à reeleição
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez no dia 6 de setembro seu primeiro discurso oficial como candidato à reeleição e, apesar de ser um tema recorrente na primeira campanha, em 2008, a ideia que ele mudaria aspectos fundamentais do país desapareceu da ordem do dia. Há quatro anos, Obama se apresentou como o político da transformação, do slogan “Yes, We Can” [Sim, nós podemos], um seguidor do sonho do pastor e ativista político Martin Luther King Jr. Convicção ou mera retórica, a ideia de mudança mobilizou parte significativa da população, especialmente grupos sociais que tradicionalmente não se envolviam com eleições e não votavam. Muitos materiais de campanha estampavam, em letras maiúsculas, a palavra Hope [Esperança]. O candidato de 2012, apresentado na Convenção Nacional do Partido Democrata, em Charlotte, no sudeste dos EUA, se define como um governante realista, comprometido com a estabilidade econômica e social, disposto a manter o padrão atual nas relações internacionais. A frase mais emblemática do discurso do dia 6 foi: “Os tempos mudaram, e eu também”; o Obama que busca a reeleição é o político da continuidade ou, no principal slogan de sua campanha em 2012, do “Seguir adiante”.
Expressão da continuidade, Obama abriu espaço para que seu oponente, o republicano Mitt Romney, se tornasse simbolicamente o candidato da mudança. E isso é no mínimo curioso: Romney, político de carreira e membro da elite tradicional estadunidense, está associado à ala mais conservadora do Partido Republicano, próxima aos ex-presidentes George Bush e George W. Bush. A escolha de Paul Ryan como candidato a vice-presidente é evidência da aposta da chapa republicana em parecer uma novidade política. Apesar de ultraconservador, Ryan é um político dinâmico e jovem; ele tem 42 anos, mais de dez anos a menos do que a faixa etária média dos vice-presidentes estadunidenses até agora. Pelo menos por enquanto a aposta republicana parece estar dando certo: até um mês atrás, esperava- se uma vitória fácil de Obama; uma pesquisa realizada pela CNN entre 31 de agosto e 3 de setembro indicou, entretanto, um empate entre Romney e Obama, ambos com 48%, resultado que parece persistir até o momento.
O expressivo resultado dos republicanos até agora – um alerta para a possibilidade real de os neoconservadores voltarem a comandar a Casa Branca, por mais que a votação só ocorra em 6 de novembro – se deve à incapacidade do governo de Obama em criar as condições para minimizar ou reverter a crise econômica estadunidense, que se agravou a partir do crash financeiro de 2007. O empate entre os candidatos é ainda mais expressivo considerando que o democrata arrecadou quase o dobro de seu oponente, respectivamente US$ 348 milhões e US$ 193 milhões, e, nas eleições estadunidenses, aquele que arrecada mais geralmente tem vantagem nas pesquisas e ganha as eleições. Mantiveram-se no mandato de Obama as tendências gerais dos indicadores sociais: aumento da desigualdade econômica, altos níveis de desemprego, vulnerabilidade crescente dos estratos com renda baixa e média da população (falta de acesso a serviços básicos, despejos residenciais e falências de pequenas empresas), e sua campanha é afetada por esses resultados negativos.
A sociedade estadunidense é uma das mais desiguais dentre as nações desenvolvidas. De acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em junho, o nível de desigualdade econômica nos EUA só não é maior do que no Chile, no México e na Turquia dentre os 34 países que compõem o bloco. Como ilustrado abaixo, a
riqueza mediana da população seguiu uma taxa de queda entre 2001 e 2011; nesses dez anos, passou de 106 mil a 52,8 mil dólares. O empobrecimento da população estadunidense é ainda mais sentido pela pressão do desemprego, que se mantém alto – acima de 8,5% da população economicamente ativa desde 2009 . A parcela mais rica da população aumentou continuamente seu controle sobre a riqueza nos Estados Unidos: entre 2002 e 2010, a riqueza mediana dos 1% mais ricos aumentou em pelo menos 10 vezes. Em 2007, quando começou o crash financeiro, os 20% mais ricos aumentaram seu controle sobre a riqueza do país, que passou de 34,6% a 37,1%. Dentre os mais ricos, onde mais houve crescimento de riqueza foram os setores financeiros, cujas estratégias predatórias agravaram a crise econômica, e o Congresso. Em 2010, pelo menos 11% dos parlamentares estavam entre os 1% mais ricos do país; mais da metade dos deputados era composta por milionários e, de acordo com o gráfico abaixo, a mediana da riqueza do Parlamento cresceu ainda mais entre 2010 e 2011, o que aponta de maneira geral para uma maior desconexão entre a condição dos políticos e da população e pode indicar uma crise de representatividade.
Nesse contexto de desigualdade econômica crescente, houve pelo menos dois grandes focos de mobilização na sociedade estadunidense. Por um lado, o movimento Occupy Wall Street, que montou um acampamento-protesto no distrito financeiro de Nova York, se posicionou como a expressão dos 99% mais pobres contra os 1% mais ricos dos EUA. O movimento se colocou a favor de uma visão radicalmente igualitária e democrática de sociedade e seu apelo por justiça econômica ecoou internacionalmente. Por outro lado, diante da crise econômica fortaleceram-se grupos conservadores, organizados numa rede nacional chamada Tea Party, da qual Paul Ryan é um dos expoentes. Em entrevista à revista Contexts, a socióloga Marcy Westerling, que estudou a direita estadunidense, descreveu assim essa rede: “O Tea Party é um grupo dinâmico. Não é ligado a igrejas e não tem uma visão moralista restrita que caracterizou grupos e direita no passado. Basicamente, trata-se de um sistema de apoio para pessoas que estão assustadas com a incrível transformação que estão vivendo com a crise e que estão preocupadas com o futuro de seus filhos”. A mobilização conservadora, sob a égide do Tea Party, é o ponto de apoio social da campanha presidencial republicana, possivelmente mais vinculada a organizações populares do que a candidatura de Obama. Romney expressa o discurso da reação conservadora, que fustiga supostas ineficiências do Estado, defende uma liberalização econômica ainda mais acentuada e mais ações militares fora dos EUA para garantir os interesses políticos e econômicos do país.
A reação conservadora ganha força para as eleições de 2012 porque o governo Obama não apresentou realmente uma solução à crise econômica estadunidense. Tratou a crescente desigualdade como um fenômeno limitado, ligado a problemas na gestão da economia e da representação política. Mas, de fato, a crise é mais profunda, do modelo produtivo estadunidense, resultado da implementação do modelo neoliberal nas décadas de 1970 e 1980. De maneira resumida, esse modelo se caracterizou pelo ataque permanente à organização dos trabalhadores para diminuir a parte dos salários da renda nacional, o que levou a altos níveis de crescimento. Mas o enfraquecimento do trabalho organizado levou a constrangimentos na demanda de produtos, o que estimulou políticas de crédito e financeirização para dar conta do excedente gerado na crise. O capitalismo neoliberal adotado pelos EUA criou uma armadilha para si mesmo: ao decompor a base produtiva nacional reduziu as possibilidades de investimento, agravando uma tendência histórica de queda na taxa de lucro no agregado da produção, e fomentou um endividamento crescente. Na campanha de 2008, a esperança que Obama alimentou foi justamente abandonar o modelo neoliberal; mas no máximo seu governo tentou reformar aspectos desse modelo.
É certo que Obama pode não ter tido as condições políticas para fazer a mudança que, de maneira geral, seu eleitorado esperava. O legado dos governos anteriores, as amarras
institucionais e partidárias podem ter sido fortes demais para a mudança; mas, se é que de maneira honesta pretendia transformar a variedade de capitalismo estadunidense, não investiu na criação das condições necessárias para a mudança. Em especial, não investiu no fortalecimento dos sindicatos; como mostra o gráfico ao lado, em seu mandato a taxa de sindicalização da população economicamente ativa diminuiu.
Por mais que a principal central sindical do país, a AFL-CIO, seja uma aliada histórica dos democratas, Obama não aumentou seu poder econômico e político. Porque a assistência social e a legislação trabalhistas são mínimas nos EUA, os trabalhadores são mais vulneráveis do que na maioria dos países industrializados; os empregadores têm a capacidade de ditar de maneira geral os itens dos contratos de trabalho e têm um incentivo competitivo em manter o modelo neoliberal. O fortalecimento dos sindicatos teria sido então uma forma de estimular uma força política em defesa de um modelo mais produtivo de capitalismo, na medida em que uma transformação mais radical da sociedade parece estar fora do horizonte a curto e médio prazo. Além disso, os sindicatos são uma das principais formas de organizar solidariedades orgânicas na população e interesses políticos. O governo Obama, globalmente de continuidade com o modelo neoliberal vigente, atomizou ainda mais a população que, em 2008, poderia ter ajudado a mobilizar e organizar.
João Alexandre Peschanski é sociólogo e jornalista. Pesquisador da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), integra o comitê de redação de Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, publicada pela Boitempo Editorial. Trabalhou como editor do Brasil de Fato.

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