Canal de opinião
por Noé Nhantumbo
Mascarada de democracia ensaia-se e concretiza-se em Pemba
Maputo (Canalmoz) - Com pompa e circunstância os moçambicanos são levados mais uma vez a assistir a um espectáculo de grandiosidade que na sua vida real não existe. Outros dirão que é mais um exercício de legitimação de uma liderança que já entendeu que sua sobrevivência com o actual status está intimamente ligada a sua posição no aparelho partidário ora em Congresso.
Quando se vai para um congresso de um partido com as “cartas” preparadas e na “manga” dos vistosos casacos que os delegados adquiriram nas vésperas, o espaço de manobra para os “ingénuos” e os aspirantes a posições de relevo no partido esfuma-se. A discussão essencial terá já sido feita e afirmar que não haverá surpresas em si não é uma surpresa. As chamadas alas ou os interlocutores de maior peso entenderam a devido tempo que suas desinteligências e contradições, suas inimizades e posições de interesse económico e financeiro conflituante não podem deitar tudo a perder.
Tudo indica que reinará tese de que “mais vale a pena aceitarmo-nos do que permitir que as clivagens se aprofundem e dêem oportunidade a que a oposição política tome conta do barco”.
Através de centralismo democrático pouco complacente com manifestações de independência de pensamento, num regime em que os membros juniores que são a grande maioria, sabem e sentem que sua opinião de nada vale a não ser para votar naquilo que foi previamente aprovado, a hipótese de se ter um congresso da Frelimo que traga novidades de vulto para a arena política nacional não se concretizará.
É deveras importante o que o congresso de Pemba traga à superfície. Seja o que for. Se por um lado que trouxer mais evidencias do esgotamento político ideológico só virá confirmar a tese de que a liberalização política e económica no país não combina com a essência da própria Frelimo. Há capitalistas no seio da Frelimo mas estes já entenderam que sua linha de acção vai chocar cada vez mais com uma Frelimo que quer continuar a controlar tudo e todos. Isso é resultado da génese destes moçambicanos que utilizaram as oportunidades que o regime ofereceu com o advento da economia de mercado. Uma vez “empoderados” começam a criar hábitos e comportamentos que fogem do controlo habitual no seu partido. As alas de que tanto se fala são uma das facetas que este combate revela para o público e ao mundo.
Moçambique encontra-se numa encruzilhada entre o aprofundamento de um poder de oligarcas, de uma pequena elite que soube ao longo dos últimos anos apropriar-se dos órgãos do partido Frelimo e com base neles criar as condições para um empoderamento económico sem paralelo na história do país.
As transições entre o partido e o governo têm acontecido a uma velocidade estonteante, intimamente relacionada com cada descoberta ou redescoberta de recursos minerais que se faça. Verifica-se uma mobilidade de quadros e de nomeações feitas por conveniência tudo visando garantir que se feche o círculo de interesses empresariais e de acesso à economia real.
Para facilitar o “empoderamento económico negro” os órgãos governamentais cumpriram na perfeição as instruções emanadas do partido governamental e chegou-se a uma situação em que os partidos da oposição e toda a sociedade civil já não têm instrumentos legais para confrontar-se com a oligarquia. Do e no Parlamento as portas embora escancaradas mas está tudo fechado a qualquer ordenamento legislativo que traga os dossiers mais importantes do país para a esfera e controlo público. Não há possibilidade de votar e fazer passar pacotes legislativos que coloquem os recursos naturais fora da órbita dos “dilapidadores”.
Por compreender muito bem as dinâmicas internas do poder, os parceiros internacionais, actuando numa perspectiva de realismo e de aproveitamento das fraquezas institucionais, conseguiram celebrar negócios e contratos altamente vantajosos. Moçambique, de país sem interesse por aí além, tornou-se rapidamente num “Eldorado”.
Na febre de acumulação de capital, de aquisição de status e poder socioeconómico muitos “camaradas” se viram estabelecendo relações antes impensáveis.
Com a abertura da economia começaram a verificar-se promiscuidades de todo o tipo e natureza. O crime ganhou novas dimensões e a administração da justiça viu-se sufocada tanto por processos como por alianças e infiltrações no seu aparelho. Sua acção tornou-se débil e manifestamente insuficiente. Houve e há número crescente de funcionários dos mais diversos níveis que enveredaram pela via da cultura do suborno e da extorsão para sobreviverem e alcançarem objectivos individuais. Cada um a sua maneira, tem-se visto inúmeros moçambicanos lucrando através de suas ligações ilícitas.
Não é por caso que as leis existentes não são aplicadas e no aparelho do estado registam-se ocorrência que tipificam a existência de redes de promotores de dilapidação do erário público. Tanto ao nível do procurement estatal como na administração e finanças do estado os rombos sucedem-se sem que as autoridades competentes manifestem interesse nem capacidade de agir com rigor e seriedade.
Os que são apanhados nas malhas da justiça apresentam-se sossegados pois sabem que o dinheiro acumulado servirá para garantir caução, liberdade condicional e continuação de gozo de privilégios.
É uma situação de tal modo enraizada que se tornou cultura “oficial”.
Parece que a palavra de ordem é “rouba mas nas cries embaraços aos camaradas”.
Uma democracia que não seja intimamente acompanhada com moral e ética acima de proclamações circunstanciais e de conveniência está condenada ao fracasso como o actual modelo tem dado a ver.
Com a sopa pré-cozinhada a ser servida em Pemba ao sabor de tambores e fanfarras dificilmente se pode esperar que o congresso dos “camaradas” tenha condições morais e éticas para uma discussão profunda e séria dos problemas nacionais. Há tanta coisa a proteger que decerto ninguém se atreverá a “abrir a tampa da panela” onde estão os “vermes” que corroem aquele partido e o país em consequência.
Domesticados e embrutecidos muitos ”camaradas” vão levantar as mãos e votar não em consciência mas em obediência de uma plataforma pré-estabelecida.
Muitos dos delegados ao congresso de Pemba sentem e sabem que correm perigo politicamente vital se quiserem apresentar ou manifestar algum protagonismo de maneira individual.
Será que a ala dos derrotados em Quelimane tentará se reerguer em Pemba?
Vamos esperar para ver… (Noé Nhantumbo)