03/07/2012
O CASO “ANGOCHE” NÃO MORREU
*Rui Araújo
É um dos maiores mistérios da História de Moçambique.
A 23 de Abril de 1971, o cargueiro português “Angoche” partiu do porto de Nacala com destino a Porto Amélia (Pemba), mas nunca chegou ao destino. O navio foi encontrado abandonado (em chamas) no Canal de Moçambique três dias depois pelo petroleiro panamiano Esso Port Dickson. A tripulação - 23 homens – e um passageiro desapareceram.
O “Angoche” foi alvo de explosões e de um incêndio, mas a carga militar (designadamente 100 bombas inertes de 50 Kgs da Força Aérea por tuguesa) não ficou danificada. Ninguém reivindicou até hoje a sabotagem do costeiro.
Há 21 anos, iniciei a investigação jornalística do caso “Angoche”. E parei.
Há duas semanas, resolvi regressar ao assunto por causa de um velho amigo, Phillip Knightley. Esse prestigiado jornalista, meu parceiro do International Consortium of Investigative Journalists, passou 25 anos a tentar entrevistar Kim Philby. Ano após ano, durante 25 longos anos, Phillip pedia uma entrevista ao espião, que se encontrava na URSS, e todos os anos recebia, invariavelmente, a mesma resposta negativa. Quando o repórter lhe solicitou a entrevista pela 26ª vez, o outro acedeu. Conclusão: as circunstâncias mudam, as pessoas mudam, e, no fim de contas, um “não” nunca é definitivo – pelo menos, em matéria de jornalismo.
Restam-me, portanto, mais seis anos de trabalho antes de dar esta investigação por tempo perdido. Criei mesmo um blogue para o efeito:
A Imprensa ( incluindo a estrangeira) atribuiu na altura a autoria da sabotagem do barco a organizações como a Frelimo, ARA (o próprio Joaquim Chissano menciona em Dar-Es-Salaam ao jornal The Star, de Joanesburgo – 11/5/1971 – esta organização próxima do Partido Comunista Português), LUAR (próxima dos socialistas), a PIDE/DGS e a países como a Tanzânia, União Soviética e China. E ainda há quem defenda, hoje, que há tripulantes do “Angoche” vivos que residem, designadamente em Moçambique.
Factos: ninguém apresentou até hoje qualquer prova fundamentada do ocorrido, mas muitos jornalistas (e não só) ousaram tirar desde o primeiro dia explicações rocambolescas e conclusões apressadas.
Pessoalmente, não escrevi uma única linha sobre o tema. É mais moroso, mas prefiro os factos. Teimo em persistir, encontrar respostas, descobrir dados factuais, recusando do mesmo modo a facilidade: recorrer a teses maquiavélicas precipitadas e a teorias da conspiração baseadas, por vezes, em meros boatos sem qualquer consistência. O rigor é essencial.
Passados 41 anos, o manto de silêncio sistemático e generalizado em torno do “Angoche” surpreende. E deve interpelar-nos a todos – moçambicanos e portugueses – na perspectiva da promoção nossa memória colectiva. A mentira e os silêncios cúmplices e cobardes nunca resolveram coisa alguma, começando pela (má) consciência. É mais do que tempo de narrar a realidade dos factos.
É precisamente isso que me move: promover a História. E é isso mesmo que creio ter conseguido realizar nos meus dois últimos livros de non-fiction (“O Diário Secreto que Salazar não leu” e “O Império dos Espiões” – ambos publicados pela Oficina do Livro, em Lisboa) sobre a espionagem em território português durante a Segunda Guerra mundial. Moçambique ocupa, aliás, um papel importante na área das informações. Levei 36 meses a compilar informação nos arquivos nacionais de vários países sobre a guerra secreta travada pelos beligerantes em Moçambique, mas obtive resultados inéditos e decididamente relevantes. Terei todo o prazer em partilhá-los, aliás, com os leitores do Nacalense.
Hoje, procuro testemunhos (formais ou informais) e documentos (incluindo fotografias!) sobre o “Angoche”. Os detalhes – os pormenores – mais insignificantes podem revelar-se essenciais.
O caso suscita inúmeras dúvidas:
- Quem o fez o quê, quando, como e porquê?
- Qual o destino dos tripulantes e do passageiro?
- Quem beneficiou com a operação de sabotagem?
- Qual a explicação para ninguém ter reivindicado a acção?
- Qual a razão que levou um dos membros da tripulação a adiar em cima da hora a viagem prevista e a pedir a sua substituição?
- Qual a razão que levou um militar português a proferir anonimamente ameaças a um jornalista de um vespertino de Lourenço Marques na Primavera de 1971 para que cessasse a investigação?
- Como explicar o facto de a PIDE/DGS não ter chegado a qualquer conclusão?
- Qual a razão que levou o governo de Portugal a não acusar ninguém?
- A “jangada ” (usada exclusivamente para efeitos de pintura) encontrada depois do desaparecimento dos tripulantes pertencia ou não ao “Angoche”?
Quem sabe se amanhã ou daqui a 6 anos, o mistério “Angoche” não se resumirá, afinal, a ficção sem que se saiba o que aconteceu de facto?
Até lá, podem dar uma vista de olhos pelo blogue http://cargo-angoche.blogspot.pt/
e, se tiverem elementos, não hesitem em contactar-me: 2360294@gmail.com
*Rui Araújo integrou a equipa do programa “Grande Reportagem” da RTP – foi o primeiro jornalista português a entrar em Timor depois da invasão indonésia. Em 1987, efectuou a investigação sobre a participação portuguesa no caso Irangate para a cadeia de televisão CBS News.
Colaborou com as agências noticiosas ANOP e UPI, as rádios RFI e TSF, os semanários Expresso e O Jornal, os jornais Público e Libération, e as revistas Grande Reportagem (de que é co-fundador), Visão, etc. Foi provedor do leitor do jornal Público. Tem dez prémios de jornalismo. É jornalista do International Consortium of Investigative Journalists, TVI e colaborador do semanário francês LE POINT.
O NACALENSE – 04.07.2012
É um dos maiores mistérios da História de Moçambique.
A 23 de Abril de 1971, o cargueiro português “Angoche” partiu do porto de Nacala com destino a Porto Amélia (Pemba), mas nunca chegou ao destino. O navio foi encontrado abandonado (em chamas) no Canal de Moçambique três dias depois pelo petroleiro panamiano Esso Port Dickson. A tripulação - 23 homens – e um passageiro desapareceram.
O “Angoche” foi alvo de explosões e de um incêndio, mas a carga militar (designadamente 100 bombas inertes de 50 Kgs da Força Aérea por tuguesa) não ficou danificada. Ninguém reivindicou até hoje a sabotagem do costeiro.
Há 21 anos, iniciei a investigação jornalística do caso “Angoche”. E parei.
Há duas semanas, resolvi regressar ao assunto por causa de um velho amigo, Phillip Knightley. Esse prestigiado jornalista, meu parceiro do International Consortium of Investigative Journalists, passou 25 anos a tentar entrevistar Kim Philby. Ano após ano, durante 25 longos anos, Phillip pedia uma entrevista ao espião, que se encontrava na URSS, e todos os anos recebia, invariavelmente, a mesma resposta negativa. Quando o repórter lhe solicitou a entrevista pela 26ª vez, o outro acedeu. Conclusão: as circunstâncias mudam, as pessoas mudam, e, no fim de contas, um “não” nunca é definitivo – pelo menos, em matéria de jornalismo.
Restam-me, portanto, mais seis anos de trabalho antes de dar esta investigação por tempo perdido. Criei mesmo um blogue para o efeito:
A Imprensa ( incluindo a estrangeira) atribuiu na altura a autoria da sabotagem do barco a organizações como a Frelimo, ARA (o próprio Joaquim Chissano menciona em Dar-Es-Salaam ao jornal The Star, de Joanesburgo – 11/5/1971 – esta organização próxima do Partido Comunista Português), LUAR (próxima dos socialistas), a PIDE/DGS e a países como a Tanzânia, União Soviética e China. E ainda há quem defenda, hoje, que há tripulantes do “Angoche” vivos que residem, designadamente em Moçambique.
Factos: ninguém apresentou até hoje qualquer prova fundamentada do ocorrido, mas muitos jornalistas (e não só) ousaram tirar desde o primeiro dia explicações rocambolescas e conclusões apressadas.
Pessoalmente, não escrevi uma única linha sobre o tema. É mais moroso, mas prefiro os factos. Teimo em persistir, encontrar respostas, descobrir dados factuais, recusando do mesmo modo a facilidade: recorrer a teses maquiavélicas precipitadas e a teorias da conspiração baseadas, por vezes, em meros boatos sem qualquer consistência. O rigor é essencial.
Passados 41 anos, o manto de silêncio sistemático e generalizado em torno do “Angoche” surpreende. E deve interpelar-nos a todos – moçambicanos e portugueses – na perspectiva da promoção nossa memória colectiva. A mentira e os silêncios cúmplices e cobardes nunca resolveram coisa alguma, começando pela (má) consciência. É mais do que tempo de narrar a realidade dos factos.
É precisamente isso que me move: promover a História. E é isso mesmo que creio ter conseguido realizar nos meus dois últimos livros de non-fiction (“O Diário Secreto que Salazar não leu” e “O Império dos Espiões” – ambos publicados pela Oficina do Livro, em Lisboa) sobre a espionagem em território português durante a Segunda Guerra mundial. Moçambique ocupa, aliás, um papel importante na área das informações. Levei 36 meses a compilar informação nos arquivos nacionais de vários países sobre a guerra secreta travada pelos beligerantes em Moçambique, mas obtive resultados inéditos e decididamente relevantes. Terei todo o prazer em partilhá-los, aliás, com os leitores do Nacalense.
Hoje, procuro testemunhos (formais ou informais) e documentos (incluindo fotografias!) sobre o “Angoche”. Os detalhes – os pormenores – mais insignificantes podem revelar-se essenciais.
O caso suscita inúmeras dúvidas:
- Quem o fez o quê, quando, como e porquê?
- Qual o destino dos tripulantes e do passageiro?
- Quem beneficiou com a operação de sabotagem?
- Qual a explicação para ninguém ter reivindicado a acção?
- Qual a razão que levou um dos membros da tripulação a adiar em cima da hora a viagem prevista e a pedir a sua substituição?
- Qual a razão que levou um militar português a proferir anonimamente ameaças a um jornalista de um vespertino de Lourenço Marques na Primavera de 1971 para que cessasse a investigação?
- Como explicar o facto de a PIDE/DGS não ter chegado a qualquer conclusão?
- Qual a razão que levou o governo de Portugal a não acusar ninguém?
- A “jangada ” (usada exclusivamente para efeitos de pintura) encontrada depois do desaparecimento dos tripulantes pertencia ou não ao “Angoche”?
Quem sabe se amanhã ou daqui a 6 anos, o mistério “Angoche” não se resumirá, afinal, a ficção sem que se saiba o que aconteceu de facto?
Até lá, podem dar uma vista de olhos pelo blogue http://cargo-angoche.blogspot.pt/
e, se tiverem elementos, não hesitem em contactar-me: 2360294@gmail.com
*Rui Araújo integrou a equipa do programa “Grande Reportagem” da RTP – foi o primeiro jornalista português a entrar em Timor depois da invasão indonésia. Em 1987, efectuou a investigação sobre a participação portuguesa no caso Irangate para a cadeia de televisão CBS News.
Colaborou com as agências noticiosas ANOP e UPI, as rádios RFI e TSF, os semanários Expresso e O Jornal, os jornais Público e Libération, e as revistas Grande Reportagem (de que é co-fundador), Visão, etc. Foi provedor do leitor do jornal Público. Tem dez prémios de jornalismo. É jornalista do International Consortium of Investigative Journalists, TVI e colaborador do semanário francês LE POINT.
O NACALENSE – 04.07.2012
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18/03/2010
Tertúlia Fim do Império: Olhares Militares(3)
Na tertúlia “Fim do Império”, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras, promovida pelo núcleo local da Liga dos Combatentes e pela Câmara Municipal de Oeiras.
- Uma saudação muito especial para o Prof. Dr. Artur Anselmo, meu professor e orientador no Curso de Ciências da Informação da UCP, no início dos anos 90. Quero aqui recordar, que foi igualmente este ilustre mestre da Língua Portuguesa, que apresentou, na Biblioteca Municipal de Lisboa (Galveias/Campo Pequeno) o meu livro “Marcello e Spínola; a Ruptura; As FA.s e a Imprensa na Queda do Estado Novo Portugal 1973-1974, que tinha sido o meu trabalho de fim de curso. Tal ocorreu há já quase 16 anos.
- Agradecimento a todos os presentes …
Questões Prévias
Antes de entrar propriamente no conteúdo do livro que hoje é alvo de debate nesta tertúlia, quero referir três questões prévias.
A primeira tem a ver com a data em que, por coincidência, hoje nos encontramos (3.ª 3.ª feira do mês).
Como devem estar recordados em 16 de Março de 1974 (já lá vão 36 anos), verificou-se a arrancada frustrada da coluna das Caldas da Rainha, para Lisboa, esperando que outras Unidades do Norte do País o fariam igualmente. Alguns dos envolvidos estão aqui presentes…
12/03/2010
Tertúlia Fim do Império: Olhares Militares(2)
2o Encontro, 16 MAR (3ª F), 15h: Combater em Moçambique, guerra e descolonização, 1964-1975, do coronel Manuel Bernardo, com o autor e professor doutor Artur Anselmo.
Aproveito transcrever desta obra:
Operação Angoche
(…)
Resumindo, em princípio, a operação poderá ter tido três componentes:
1. Um núcleo da ARA/PCP que, no cais de Nacala, terá colocado os engenhos explosivos no navio Angoche, em conivência com tripulante(s).
3. De acordo com os dados avançados por António Vaz, outros indícios retirados dos arquivos e confidências de Orlando Cristina, mais tarde liquidado pelos serviços secretos sul-africanos, terá havido conivência de elemento(s) da tripulação, afecto à ARA/PCP e em colaboração com o núcleo desta organização em Nacala, no controlo do pessoal de serviço à torre de comando, na montagem dos engenhos explosivos e no corte intencional da antena rádio antes da aproximação do submarino actuante.
23/04/2006
O Caso do Navio ANGOCHE - Faz hoje 35 anos que aconteceu
Uma versão:
ÓSCAR CARDOSO- CRIADOR DOS FLECHAS
.....
"Ingressei em miúdo na Mocidade Portuguesa, quando tive de ingressar. Fi-lo, curiosamente, quando estudava no Colégio Moderno, do Dr. João Soares. Mais tarde entrei para a Legião Portuguesa e frequentei o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Interrompi o curso para fazer o serviço militar na Índia. Depois fui para a Guarda Nacional Republicana até que, em 1965, entrei para a PIDE. Na estrutura da PIDE, Barbieri Cardoso era inspector superior. Mas depois apareceu São José Lopes, um homem com grande influência em Angola, e era necessário dar-lhe outra situação para compensar o bom serviço que tinha feito. Então, nomearam-no inspector superior do Ultramar. Entretanto, havia na PIDE um indivíduo muito mais antigo do que o Dr. São José Lopes, o inspector Coelho Dias, que era subdirector, e que também queria ser inspector superior. Criaram-se assim os lugares de subdirector-geral para Barbieri Cardoso, de inspector superior do Ultramar para São José Lopes e de inspector superior do Continente para Coelho Dias. Havia uma divisão de tarefas entre os três. A PIDE tinha muito boas relações com todas as polícias e serviços secretos do seu género na Europa e no mundo. É conhecida a ligação de Barbieri Cardoso aos serviços secretos franceses, dirigidos pelo conde Alexandre de Marenches. Mas dávamo-nos bem com todas as polícias congéneres e também com os americanos da Central Intelligence Agency (CIA). Operávamos muito em África, através de informadores, sobretudo nos países vizinhos de Angola, Moçambique e Guiné. Por exemplo, havia informadores na Tanzânia em ligação a Oscar Kambona, o chefe da oposição a Julius Nyerere. Mas o controlo era feito através de Lisboa, pela secção central na António Maria Cardoso, chefiada por Álvaro Pereira de Carvalho. Tínhamos de facto bons informadores em África, onde os nossos serviços faziam um trabalho sobretudo de intelligence, em colaboração estreita com os militares.
Foi precisamente através da nossa rede na Tanzânia que soubemos o que se tinha passado com o navio Angoche. O navio Angoche levava material para a nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material explosivo, bombas para os aviões, etc., e creio que ia para Porto Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea. Foi uma operação executada por soviéticos, o que nos foi possível confirmar pelas análises que fizemos dos vestígios encontrados no barco. A primeira pessoa que fez a investigação a bordo do Angoche foi o inspector Casimiro Monteiro. Verificou que as armas não estavam lá. A tripulação foi levada para Nachingwea e depois, penso eu, terá sido aniquilada. Penso que iam no Angoche à volta de vinte e três pessoas. Mais de metade eram africanos, de Moçambique, e os outros europeus. O navio não era de passageiros mas levava um passageiro a bordo, a quem se deu uma boleia, o que era estranho. Houve uma outra coisa curiosa: a mudança, à última hora, do radiotelegrafista. O radiotelegrafista que era para ir resolveu não ir. Pode ter sido uma mera coincidência, mas é curioso que assim tenha sido. Na nossa opinião, tratou-se de uma operação soviética, feita em colaboração com o Partido Comunista Português. Fala-se que houve oficiais da Marinha, hoje oficiais generais, que estariam envolvidos nisso. Houve também o estranho caso de uma rapariga que foi "suicidada" na cidade da Beira e que estava ligada aos meios esquerdistas da Marinha portuguesa. Esta versão dos factos constou dos nossos relatórios na altura. Tínhamos um relatório secreto sobre o Angoche que desapareceu da sede da DGS, na Rua António Maria Cardoso, depois do 25 de Abril. Foi um dos processos que desapareceram. O caso estava a ser investigado....
Bruno Oliveira Santos, Histórias secretas da PIDE/DGS (p. 401-402)
NOTA:
A última notícia relacionada com o navio "Angoche" tive-a de Fernando Taborda, o último administrador português de Quionga:
"Saiba o povo português que, em Março de 1974, foi descoberta, na foz do Rovuma, uma baleeira do navio "Angoche", com insígnias começadas por NA confirmada pelo cabo de mar de Palma e que, sobre ela, nunca me foi dada resposta à circular que mandei para a Capitania de Porto Amélia."
In Quionga, meu amor
UMA ACHEGA:
NAVIO “ANGOCHE”
No dia 23 de Abril de 1971 - faz hoje 35 anos - o navio "Angoche" foi assaltado em alto mar, na costa de Moçambique, quando ia em viagem para o Norte.
Os 22 tripulantes foram levados para a Tanzânia e assassinados em Nachingwea, uma base da Frelimo.
Supõe-se que o assalto tenha sido feito por meios navais soviéticos, talvêz um submarino e foram encontradas manchas de sangue no navio, o que prova que foi usada violência contra os tripulantes.
O jornal "Notícias" de Lourenço Marques foi impedido pela Comissão de Censura de divulgar qualquer informação, o mesmo acontecendo com os jornais de Lisboa.
O jornal "Star" de Joanesburgo, que era vendido na esquina do "Continental", em Lourenço Marques, começou a referir-se ao assunto a partir da última semana desse mês de Abril de 1971. As informações eram poucas e as suposições eram muitas. "Diz-se", "fala-se", "supõe-se"...
O mesmo acontecia com a Rádio Brazaville e a Rádio RSA de Joanesburgo, que transmitiam em português. Ou com as emissões em inglês da BBC e da Voz da América. Todas escutadas por mim em Onda Curta.
Nunca ouvi a Rádio Moscovo e a "Voz da Frelimo" (através da Rádio Tanzânia) referirem-se ao assunto em Abril/Maio de 1971, apesar de eu as escutar todos os dias para o efeito.
Ainda hoje permanece o mistério sobre o que teria contecido aos tripulantes e a um provável passageiro, que viajavam a bordo do navio "Angoche".
Só 3 dias depois, a 26 de Abril de 1971, o navio foi abordado pelas autoridades coloniais portuguesas, pelo que houve quem se interrogasse em Moçambique se não teria sido tempo demais para dar pela falta de um navio daquele tamanho e com uma carga daquela natureza.
Usou-se o clásico raciocínio do "Motivo, Meios e Oportunidade" para tentar peceber o que se tinha passado:
- Motivo e Oportunidade: a Frelimo e a União Soviética, porque o "Angoche" transportava material de guerra;
- Meios: apenas a União Soviética, porque a Frelimo não tinha meios navais para um assalto em alto-mar.
Por motivos óbvios estratégicos e porque um acto de pirataria contra um navio mercante civil não honra particularmente quem o pratica, a URSS nunca falou no assunto.
Quatro anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril em Lisboa, desapareceu o relatório secreto sobre o assunto.
Assim se passaram 35 anos sem que a opinião pública tivesse tido o direito de saber o que se passou.
Haverá pessoas daquele tempo que sabem o que aconteceu ou que tiveram acesso ao relatório.
É tempo de quebrarem o silêncio!
SW
ÓSCAR CARDOSO- CRIADOR DOS FLECHAS
.....
"Ingressei em miúdo na Mocidade Portuguesa, quando tive de ingressar. Fi-lo, curiosamente, quando estudava no Colégio Moderno, do Dr. João Soares. Mais tarde entrei para a Legião Portuguesa e frequentei o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos. Interrompi o curso para fazer o serviço militar na Índia. Depois fui para a Guarda Nacional Republicana até que, em 1965, entrei para a PIDE. Na estrutura da PIDE, Barbieri Cardoso era inspector superior. Mas depois apareceu São José Lopes, um homem com grande influência em Angola, e era necessário dar-lhe outra situação para compensar o bom serviço que tinha feito. Então, nomearam-no inspector superior do Ultramar. Entretanto, havia na PIDE um indivíduo muito mais antigo do que o Dr. São José Lopes, o inspector Coelho Dias, que era subdirector, e que também queria ser inspector superior. Criaram-se assim os lugares de subdirector-geral para Barbieri Cardoso, de inspector superior do Ultramar para São José Lopes e de inspector superior do Continente para Coelho Dias. Havia uma divisão de tarefas entre os três. A PIDE tinha muito boas relações com todas as polícias e serviços secretos do seu género na Europa e no mundo. É conhecida a ligação de Barbieri Cardoso aos serviços secretos franceses, dirigidos pelo conde Alexandre de Marenches. Mas dávamo-nos bem com todas as polícias congéneres e também com os americanos da Central Intelligence Agency (CIA). Operávamos muito em África, através de informadores, sobretudo nos países vizinhos de Angola, Moçambique e Guiné. Por exemplo, havia informadores na Tanzânia em ligação a Oscar Kambona, o chefe da oposição a Julius Nyerere. Mas o controlo era feito através de Lisboa, pela secção central na António Maria Cardoso, chefiada por Álvaro Pereira de Carvalho. Tínhamos de facto bons informadores em África, onde os nossos serviços faziam um trabalho sobretudo de intelligence, em colaboração estreita com os militares.
Foi precisamente através da nossa rede na Tanzânia que soubemos o que se tinha passado com o navio Angoche. O navio Angoche levava material para a nossa Força Aérea, material sofisticado, essencialmente material explosivo, bombas para os aviões, etc., e creio que ia para Porto Amélia. Soubemos que o Angoche foi abordado em 23 de Abril de 1971 por um submarino da União Soviética e que os seus tripulantes foram levados para a Tanzânia, para a base central da Frelimo, Nachingwea. Foi uma operação executada por soviéticos, o que nos foi possível confirmar pelas análises que fizemos dos vestígios encontrados no barco. A primeira pessoa que fez a investigação a bordo do Angoche foi o inspector Casimiro Monteiro. Verificou que as armas não estavam lá. A tripulação foi levada para Nachingwea e depois, penso eu, terá sido aniquilada. Penso que iam no Angoche à volta de vinte e três pessoas. Mais de metade eram africanos, de Moçambique, e os outros europeus. O navio não era de passageiros mas levava um passageiro a bordo, a quem se deu uma boleia, o que era estranho. Houve uma outra coisa curiosa: a mudança, à última hora, do radiotelegrafista. O radiotelegrafista que era para ir resolveu não ir. Pode ter sido uma mera coincidência, mas é curioso que assim tenha sido. Na nossa opinião, tratou-se de uma operação soviética, feita em colaboração com o Partido Comunista Português. Fala-se que houve oficiais da Marinha, hoje oficiais generais, que estariam envolvidos nisso. Houve também o estranho caso de uma rapariga que foi "suicidada" na cidade da Beira e que estava ligada aos meios esquerdistas da Marinha portuguesa. Esta versão dos factos constou dos nossos relatórios na altura. Tínhamos um relatório secreto sobre o Angoche que desapareceu da sede da DGS, na Rua António Maria Cardoso, depois do 25 de Abril. Foi um dos processos que desapareceram. O caso estava a ser investigado....
Bruno Oliveira Santos, Histórias secretas da PIDE/DGS (p. 401-402)
NOTA:
A última notícia relacionada com o navio "Angoche" tive-a de Fernando Taborda, o último administrador português de Quionga:
"Saiba o povo português que, em Março de 1974, foi descoberta, na foz do Rovuma, uma baleeira do navio "Angoche", com insígnias começadas por NA confirmada pelo cabo de mar de Palma e que, sobre ela, nunca me foi dada resposta à circular que mandei para a Capitania de Porto Amélia."
In Quionga, meu amor
UMA ACHEGA:
NAVIO “ANGOCHE”
No dia 23 de Abril de 1971 - faz hoje 35 anos - o navio "Angoche" foi assaltado em alto mar, na costa de Moçambique, quando ia em viagem para o Norte.
Os 22 tripulantes foram levados para a Tanzânia e assassinados em Nachingwea, uma base da Frelimo.
Supõe-se que o assalto tenha sido feito por meios navais soviéticos, talvêz um submarino e foram encontradas manchas de sangue no navio, o que prova que foi usada violência contra os tripulantes.
O jornal "Notícias" de Lourenço Marques foi impedido pela Comissão de Censura de divulgar qualquer informação, o mesmo acontecendo com os jornais de Lisboa.
O jornal "Star" de Joanesburgo, que era vendido na esquina do "Continental", em Lourenço Marques, começou a referir-se ao assunto a partir da última semana desse mês de Abril de 1971. As informações eram poucas e as suposições eram muitas. "Diz-se", "fala-se", "supõe-se"...
O mesmo acontecia com a Rádio Brazaville e a Rádio RSA de Joanesburgo, que transmitiam em português. Ou com as emissões em inglês da BBC e da Voz da América. Todas escutadas por mim em Onda Curta.
Nunca ouvi a Rádio Moscovo e a "Voz da Frelimo" (através da Rádio Tanzânia) referirem-se ao assunto em Abril/Maio de 1971, apesar de eu as escutar todos os dias para o efeito.
Ainda hoje permanece o mistério sobre o que teria contecido aos tripulantes e a um provável passageiro, que viajavam a bordo do navio "Angoche".
Só 3 dias depois, a 26 de Abril de 1971, o navio foi abordado pelas autoridades coloniais portuguesas, pelo que houve quem se interrogasse em Moçambique se não teria sido tempo demais para dar pela falta de um navio daquele tamanho e com uma carga daquela natureza.
Usou-se o clásico raciocínio do "Motivo, Meios e Oportunidade" para tentar peceber o que se tinha passado:
- Motivo e Oportunidade: a Frelimo e a União Soviética, porque o "Angoche" transportava material de guerra;
- Meios: apenas a União Soviética, porque a Frelimo não tinha meios navais para um assalto em alto-mar.
Por motivos óbvios estratégicos e porque um acto de pirataria contra um navio mercante civil não honra particularmente quem o pratica, a URSS nunca falou no assunto.
Quatro anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril em Lisboa, desapareceu o relatório secreto sobre o assunto.
Assim se passaram 35 anos sem que a opinião pública tivesse tido o direito de saber o que se passou.
Haverá pessoas daquele tempo que sabem o que aconteceu ou que tiveram acesso ao relatório.
É tempo de quebrarem o silêncio!
SW