29.09.2012 - 11:08 Por António Marujo
O Papa não interfere no julgamento nem no veredicto do caso que envolve o seu mordomo (Foto: Alessandro Bianchi/Reuters)
Manipulado por outros cuja identidade se desconhece ou convicto de estar a agir em nome de Deus, porque o Papa "não estava a ser correctamente informado" do que se passava à sua volta. O ex-mordomo de Bento XVI, Paolo Gabriele, 46 anos, pai de três filhos, começou hoje a ser julgado no Vaticano por furto qualificado de documentos privados, cujas cópias passou à imprensa. O informático Claudio Sciarpelletti, acusado de ser cúmplice de Gabriele, será também julgado.
O julgamento teve início na manhã deste sábado e não se sabe se durará dias ou acaba hoje. Ao Vaticano, convém que o caso seja apreciado o mais rápido possível, para pôr um ponto final no caso da divulgação dos documentos privados do Papa, que tanto mal-estar causou na Cúria Romana nos primeiros meses do ano.
Mesmo assim, a especulação pode não acabar: o jornalista Gianluigi Nuzzi, autor do livro Sua Santidade - Os Documentos Privados de Bento XVI, reuniu cartas, textos e documentos que mostram um ambiente de conflitos, pequenas traições, maledicência e lutas pelo poder, mesmo entre cardeais (o livro será publicado em Portugal em Novembro).
Para alguns, os documentos e as intrigas que eles revelam mostram que está em causa a sucessão de Bento XVI. Para outros, é o papel do cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, que está no centro. Bertone, dizem vozes anónimas e observadores do Vaticano, tem chamado pessoas da sua confiança para diversos cargos de responsabilidade e vários outros dirigentes da Santa Sé não verão isso com bons olhos.
Apesar de Gabriele ter dito aos investigadores policiais que agiu por sua conta e risco, Gianluigi Nuzzi garante que há mais umas vinte pessoas, de diferentes organismos do Vaticano, implicadas no caso. No decorrer dos interrogatórios, Gabriele referiu, recorda a AFP, o seu interesse pelos serviços secretos. E afirmou: "Pensava que na Igreja esse papel era precisamente o do Espírito Santo, do qual eu me sentia um infiltrado".
A mesma agência cita dois relatórios psicológicos que fazem um diagnóstico demolidor do ex-mordomo: o psicólogo Tonino Cantelmi fala de uma "grave doença psicológica caracterizada pela inquietação, a tensão, a cólera e a frustração"; já Paolo Roma refere uma personalidade "frágil com aspectos paranóicos que escondem uma profunda insegurança pessoal e um desejo insatisfeito de consideração e afecto".
O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, admitiu, também citado pela AFP, que "ninguém, nem mesmo os magistrados, evocou uma motivação económica" para os actos do ex-assistente pessoal do Papa. Apenas razões "morais", afirmou.
Citado pela Reuters, Giovanni Giacobbe, um perito no direito do Vaticano, disse que o mordomo afirmou também aos investigadores que um "choque poderia colocar a Igreja de novo no caminho certo".
O Papa, que terá ficado bastante chocado com o comportamento do homem que era quase sempre a primeira e a última pessoa a vê-lo diariamente, não interfere no julgamento nem no veredicto, esclareceu Giacobbe. Mas pode tomar uma iniciativa em qualquer fase do processo. E pode mesmo ter um gesto de clemência, acrescentou o especialista. Certo é que, de acordo com o regulamento geral da Cúria Romana aprovado em 1999 pelo Papa João Paulo II, quem cometa actos graves de indisciplina e insubordinação apenas pode esperar o despedimento do emprego que exerça no Vaticano.
O julgamento decorrerá na pequena sala do tribunal do Vaticano, que será ainda mais exígua para este julgamento invulgar. Normalmente, são ali apreciados uns 30 casos por ano, a maior parte de pequenos delitos, como furtos feitos na Praça de São Pedro. A sala, descreve a AFP, está situada atrás da abside da Basílica de São Pedro. O edifício em cor ocre, descrito como "um pouco triste", alberga a sala decorada à maneira do século XIX, presidida por um crucifixo na parede.
Paolo Gabriele, que se sujeita a uma pena entre alguns meses e oito anos de prisão, de acordo com o El País, por roubo agravado, pode não comparecer perante os três juízes leigos do Vaticano. Sujeito a prisão domiciliária desde final de Julho, a alternativa é fazer-se representar pelo advogado.
O caso traduz uma distinção jurídica relevante, já que é apreciado por juízes não eclesiásticos e decorre no Estado da Cidade do Vaticano e não na Santa Sé - entidade regida juridicamente pelo direito canónico. O caso do assistente pessoal de Bento XVI será apreciado ao abrigo do Código Penal italiano de 1889, que é ainda utilizado pelo Vaticano. Alguns dos documentos divulgados por Gianluigi Nuzzi são cartas do arcebispo Carlo Viganò, actual núncio do Vaticano nos Estados Unidos e ex-número dois do Governatorato do Estado do Vaticano (o "ministério da Administração Interna"). Viganò queixava-se da corrupção, favores e clientelismos de vários responsáveis do Vaticano e dizia que "nunca" pensara encontrar "uma situação tão desastrosa", dando a entender que Bertone teria pelo menos fechado os olhos a factos graves.
Mesmo assim, a especulação pode não acabar: o jornalista Gianluigi Nuzzi, autor do livro Sua Santidade - Os Documentos Privados de Bento XVI, reuniu cartas, textos e documentos que mostram um ambiente de conflitos, pequenas traições, maledicência e lutas pelo poder, mesmo entre cardeais (o livro será publicado em Portugal em Novembro).
Para alguns, os documentos e as intrigas que eles revelam mostram que está em causa a sucessão de Bento XVI. Para outros, é o papel do cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, que está no centro. Bertone, dizem vozes anónimas e observadores do Vaticano, tem chamado pessoas da sua confiança para diversos cargos de responsabilidade e vários outros dirigentes da Santa Sé não verão isso com bons olhos.
Apesar de Gabriele ter dito aos investigadores policiais que agiu por sua conta e risco, Gianluigi Nuzzi garante que há mais umas vinte pessoas, de diferentes organismos do Vaticano, implicadas no caso. No decorrer dos interrogatórios, Gabriele referiu, recorda a AFP, o seu interesse pelos serviços secretos. E afirmou: "Pensava que na Igreja esse papel era precisamente o do Espírito Santo, do qual eu me sentia um infiltrado".
A mesma agência cita dois relatórios psicológicos que fazem um diagnóstico demolidor do ex-mordomo: o psicólogo Tonino Cantelmi fala de uma "grave doença psicológica caracterizada pela inquietação, a tensão, a cólera e a frustração"; já Paolo Roma refere uma personalidade "frágil com aspectos paranóicos que escondem uma profunda insegurança pessoal e um desejo insatisfeito de consideração e afecto".
O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, admitiu, também citado pela AFP, que "ninguém, nem mesmo os magistrados, evocou uma motivação económica" para os actos do ex-assistente pessoal do Papa. Apenas razões "morais", afirmou.
Citado pela Reuters, Giovanni Giacobbe, um perito no direito do Vaticano, disse que o mordomo afirmou também aos investigadores que um "choque poderia colocar a Igreja de novo no caminho certo".
O Papa, que terá ficado bastante chocado com o comportamento do homem que era quase sempre a primeira e a última pessoa a vê-lo diariamente, não interfere no julgamento nem no veredicto, esclareceu Giacobbe. Mas pode tomar uma iniciativa em qualquer fase do processo. E pode mesmo ter um gesto de clemência, acrescentou o especialista. Certo é que, de acordo com o regulamento geral da Cúria Romana aprovado em 1999 pelo Papa João Paulo II, quem cometa actos graves de indisciplina e insubordinação apenas pode esperar o despedimento do emprego que exerça no Vaticano.
O julgamento decorrerá na pequena sala do tribunal do Vaticano, que será ainda mais exígua para este julgamento invulgar. Normalmente, são ali apreciados uns 30 casos por ano, a maior parte de pequenos delitos, como furtos feitos na Praça de São Pedro. A sala, descreve a AFP, está situada atrás da abside da Basílica de São Pedro. O edifício em cor ocre, descrito como "um pouco triste", alberga a sala decorada à maneira do século XIX, presidida por um crucifixo na parede.
Paolo Gabriele, que se sujeita a uma pena entre alguns meses e oito anos de prisão, de acordo com o El País, por roubo agravado, pode não comparecer perante os três juízes leigos do Vaticano. Sujeito a prisão domiciliária desde final de Julho, a alternativa é fazer-se representar pelo advogado.
O caso traduz uma distinção jurídica relevante, já que é apreciado por juízes não eclesiásticos e decorre no Estado da Cidade do Vaticano e não na Santa Sé - entidade regida juridicamente pelo direito canónico. O caso do assistente pessoal de Bento XVI será apreciado ao abrigo do Código Penal italiano de 1889, que é ainda utilizado pelo Vaticano. Alguns dos documentos divulgados por Gianluigi Nuzzi são cartas do arcebispo Carlo Viganò, actual núncio do Vaticano nos Estados Unidos e ex-número dois do Governatorato do Estado do Vaticano (o "ministério da Administração Interna"). Viganò queixava-se da corrupção, favores e clientelismos de vários responsáveis do Vaticano e dizia que "nunca" pensara encontrar "uma situação tão desastrosa", dando a entender que Bertone teria pelo menos fechado os olhos a factos graves.
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