sábado, 29 de setembro de 2012

Agostinho Neto teria sido assassinado pelos Russos

 
Luanda - Uma declaração pública sobrelevou-se a todas as outras durante as celebrações deste ano do Dia do Herói Nacional, instituído com a data do nascimento de Agostinho Neto:

a filha do velho presidente, a médica Irene Neto (que ocupa um dos vice-ministérios das Relações Exteriores), admitiu, ao falar a uma estação de rádio de Luanda, a possibilidade do líder angolano ter falecido em resultado de envenenamento.

Irene Neto falou em «abundantes indícios» sugerindo que o pai, Agostinho Neto, não morreu de causas naturais. Estratagemas artificiais teriam encurtado o seu ciclo de vida. Pela primeira vez, desde o desaparecimento de Agostinho Neto, há 28 anos, uma declaração pública evoca a possibilidade do líder revolucionário angolano ter sucumbido a uma conspiração destinada a eliminá-lo da cena política angolana, numa afirmação, além do mais, valorizada por ter partido de uma fonte simultaneamente ligada ao círculo familiar do velho presidente e aos meios institucionais angolanos.

A admissão dessa funesta possibilidade no Café da Manhã da Luanda Antena Comercial (Lac) de terça-feira não teve, entretanto, o cunho de uma declaração oficial, embora seja isso o que hoje se afigura mais necessário para a compreensão da política angolana dos últimos 30 anos: declarações oficiais do actual Governo e do partido que naquele Setembro fatídico de 1979 personificava o Estado, o Mpla, que façam luz sobre o que se passou, como uma vez perguntou Severino Carlos neste jornal, «naquela mesa de operações em Moscovo».

Agostinho Neto morreu ao submeter-se a um operação exigida por alegadas complicações no fígado detectadas em Moscovo por médicos inscritos da Academia de Ciências da antiga Urss. Efectivamente, as autoridades instituídas com o apoio do partido de que Neto era o presidente não só evitaram o rigor nas suas «démarches» para esclarecer a morte do seu «líder incontestável», como não foram a reboque das suspeitas públicas que se levantaram e, também, não aproveitaram o alento dado ao assunto pelos escritos publicados por um velho general da espionagem soviética, Kgb. Com o seu incompreensível silêncio e sua inaceitável apatia, as autoridades angolanas transformaram a questão em mais um dos muitos tabus do Governo e das instituições estatais angolanas. Estamos, então, num processo, porque contínuo, de escamoteamento da verdade. E não de uma verdade qualquer, mas da verdade histórica, porque é ela que nos haverá de permitir ligar os pontos históricos que possibilitarão aos angolanos a obtenção das explicações para a sua existência.

Há indicações de que Agostinho Neto tentou, dez anos antes de José Eduardo dos Santos, uma aproximação com a Unita. São Vicente, prestigiado economista e escritor de temas económicos e sociais angolanos, di-lo num dos seus vários livros, dando, ainda, o subsídio necessário de que para essa negociação haver sido indigitado um dos mais carismáticos dirigentes do Mpla da época, o agora deputado Mendes de Carvalho. E Sao Vicente não deve estar longe da verdade: Gerald Bender, professor universitário nos Estados Unidos há muitos anos dedicado aos assuntos angolanos, fez num dos jornais ligado à equipa que agora edita o Semanário Angolense (teria sido no Angolense?), uma revelação diferente, mas que conduz à mesma percepção de que Agostinho Neto pretendia uma aproximação com a Unita destinada a parar com a guerrilha ainda embrionária do antigo movimento rebelde. Escrevendo pelo próprio punho, Gerald Bender declarou ter sido abordado por Lúcio Lara, que tinha recebido incumbências directas de Neto, para estabelecer uma aproximação entre o Governo angolano e a administração norte-americana logo após à suposta intentona golpista de 1977.

Ao que se diz, a tentativa de golpe de Estado de 1977 teria sido engendrada por sectores radicais de esquerda no seio do Mpla, sendo apoiada, pelo menos, pelo embaixador soviético naquela altura acreditado em Luanda.

Seja lá o que for, a verdade é que os esforços da liderança de Agostinho Neto para abandonar a sombrinha de Moscovo e direccionar o processo político angolano para o seu próprio caminho foram tantos, que podem ser narrados sob factos diferentes e sob uma relativa abundância de dados. Tanto é assim, que isso deu nas vistas em Moscovo, a capital do chamado Bloco Socialista que na «guerra fria» dividia o Mundo do Bloco Capitalista, onde se procurava manter países e regiões inteiras sob a «esfera de influência» de um socialismo beligerante e insaciável na sua procura por recursos económicos e financeiros.

E em Moscovo havia, para casos de defecção ou revisionismo ideológico, uma bitola que a literatura ocidental da «guerra fria» chamava a «mão de Moscovo», que consistia tanto no financiamento de guerras no estrangeiro para alargar a «esfera de influência» da defunta União Soviética, quanto na eliminação de lideres dissidentes em face dos dogmas ideológicos do leste.

A relação da morte de Agostinho Neto com a «mão de Moscovo» pode ter acabado infelizmente abonada, mais tarde, com o assassinato de Samora Machel, de Moçambique, tempos depois de ter declarado publicamente que «o socialismo não se constrói apenas com a ajuda do bloco socialista», aludindo à necessidade de uma aproximação com o ocidente. Quer dizer que as suspeitas dos angolanos mais lúcidos levam a apontar os dirigentes do velho regime soviético como responsáveis pela eliminação física de Agostinho Neto, quando ele tentou mudar o rumo dos acontecimentos que estabeleceram a guerra civil que perdurou por mais de duas décadas no nosso país. E tudo isso significa, também, que as coisas, toda a história de tragédia do povo angolano, teriam sido diferentes, se Neto não tivesse sido tão prematura e inesperadamente roubado da liderança do Estado e do processo político angolano.

O que se seguiu à efémera liderança de Agostinho Neto à frente dos destinos do Estado angolano foram anos da afirmação política do Presidente José Eduardo dos Santos, que não tinha nem a autoridade militante, nem o carisma, para convencer os sectores mais radicais do partido, nas costas de quem Neto ensaiava a aproximação à Unita, da necessidade da ruptura com o leste e de um entendimento com a guerrilha «savimbista». No seu processo de afirmação, José Eduardo dos Santos teria sido mesmo compelido a reprimir atitudes «netistas» exacerbadas, como as de Paiva Domingos da Silva, que teria iniciado a travessia pelo deserto em que se encontrava na altura da sua morte, depois da declaração proferida diante do novo Presidente da República, advertindo que ninguém deveria «tirar um só vírgula, naquilo que disse o mulaúla, camarada presidente doutor António Agostinho Neto».

No congresso de 1985, o afastamento da cúpula do partido de incondicionais de Agostinho Neto como Mendes de Carvalho e Lourenço José Ferreira «Diandengue», ou mais tarde, o «desterro» de Roberto de Almeida no Lubango, ou, ainda, de Bernardo de Sousa na China, tal como o confinamento de Lúcio Lara depois de arredado da direcção (para apenas citar alguns exemplos), podem ser considerados ataques directos contra o «netismo», no quadro da assumpção plena do poder e da afirmação da liderança de José Eduardo dos Santos.

Isso explica que para afirmar a sua liderança, José Eduardo dos Santos não poderia fazê-lo sob a sombra do «netismo» e isso pode explicar, também, porquê que foram tão displicentes as tentativas para esclarecer com os soviéticos primeiro, e agora com os russos, a morte do primeiro presidente angolano.

Levantar o fantasma de Neto denunciava, no passado, que a beligerância do Estado não era um dos desígnios que Neto aceitasse para o desenvolvimento do processo político angolano. Já mais recentemente, a figura de Neto passou a ser temido por poder desviar a política dos objectivos da nova liderança, por conduzir a comparações que a subalternizam sob o ponto de vista do carisma e da intelectualidade, por destapar os actuais défices de popularidade dos líderes do nosso processo político e por desqualificar os novos métodos de governação.

Pelo que, tudo o que se diz sobre Agostinho Neto nas jornadas anuais que celebram o Dia do Herói Nacional, quando se lhe chama «guia imortal» ou «líder incontestável» e se promete «seguir os seus ensinamentos» ou «preservar a sua memória», não passará de mero cinismo, até que se decida abordar a sua morte na mesma amplitude da sua dimensão política, que não foi atingida por nenhum outro líder político angolano até aos dias de hoje.

Fonte: SA

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