quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O FIM! MOÇAMBIQUE ATIRADA, PRECIPITADAMENTE, PARA O "ABISMO"

Ela irá sofrer o seu holocausto. Traída pelo próprio Portugal, por alguns dos seus próprios filhos, será entregue de uma maneira traiçoeira, miserável e cruel.
Minha querida Moçambique!
Eis que chega mesmo o seu Apocalipse. Passavam-se já dez anos de guerra e o terrorismo já pouco aparecia. Ele em nada afectava o seu andamento. O Comando Supremo anunciava que o terrorismo estava acabado.
De Lisboa começaram a chegar notícias de que Moçambique ia ser entregue a um dos movimentos empenhados na sua independência, a Frelimo. Mas a que propósito? Se havia outros movimentos empenhados no mesmo e que para isso também lutavam, porque só à Frelimo iam ser entregues os destinos de Moçambique? As maquinações para esse desfecho repentino tinham sido feitas na sombra e até já vinham de longe.
Um pequeno grupo que se apercebera da traição procura tomar medidas para alertar o povo moçambicano da tragédia eminente e fazer ver isso ao Governo em Portugal. Em Lourenço Marques, toma de assalto o Rádio Clube e emana para toda a Província um alerta que a electriza.
Como nos últimos anos os salários foram sempre aumentando, uma percentagem enorme de negros já possuía os seus rádios. Facilmente contrabandeados da Rodésia e do Malawi, era-lhes facílimo adquirirem-nos.
Calculava-se em perto de meio milhão o número de rádios lá dentro. Ávidos de notícias e propagandas, juntavam-se aos magotes para as ouvir.
A não ser uns poucos traidores, míseros tartufos e oportunistas internos, ninguém, pode dizer-se, ninguém, concordava que os seus destinos fossem entregues a esse partido, que já se mostrava absolutamente comandado pela Rússia. O acordo de Lusaca não estava ainda totalmente assinado. Estava, sim, por alguns que atraiçoaram Moçambique e que a seguir atraiçoariam quase todo o Ultramar Português. Quando se diz quase é porque faltou Macau que, de momento, não interessava à China, e os Arquipélagos da Madeira e dos Açores. Este último, como estava hipotecado aos Estados Unidos da América não seria entregue com tanta facilidade, pois na verdade qualquer destes dois arquipélagos foram na mesma "colonizados”.
Apela-se então angustiosamente para um General que, como chefe supremo da nossa Pátria, esteve nesse posto o tempo suficiente para que a traição se consumasse e, como é óbvio, foi pouco. Ele subscreveu o miserável Acordo de Lusaca. Acordo, rendição, tratado, venda, chamem-lhe o que quiserem: rigorosamente, o documento mais traiçoeiro e covarde de que os portugueses foram vítimas em toda a sua história. Há quem diga que esse movimento foi idiota, que, para ter efeito, devia ter sido feito mais cedo. É muito fácil ser-se estratega de café. Ele falhou. Tinha que falhar. A traição, bem planeada, já vinha de muito atrás, teve uma virtude: alertou o Mundo, sobretudo este Mundo Ocidental cego sobre o futuro a que a África Austral se condenava.
Dava a impressão de que o nosso exército tinha sido miseravelmente derrotado, quando isso não acontecera. Pelo que diz o Dr. Marcelo Caetano no seu livro, "O 25 de Abril e o Ultramar", vê-se que já havia artistas para esta grande farsa.
Logo a seguir, o chefe da Frelimo, Samora Machel, badalava aos quatro ventos, que tinha derrotado o exército português. Meu Deus! Ao que chegaste, querido Portugal! Os teus próprios filhos a apunhalarem-te por todos os lados. Em Lourenço Marques aquele grito de angústia é calado.
Segue-se uma carnificina horrorosa. Milhares e milhares de portugueses, que o foram até esse dia, são selvaticamente chacinados - portugueses de todas as raças. Mas o exército, esse exército ido da Metrópole, já virava costas. Deve-se a uns poucos militares dos comandos, pára-quedistas, grupos especiais, fuzileiros navais que agiram, por conta própria e a muitos civis, a carnificina não ter sido maior. Começava a informação a ser controlada com todos os requintes para intro­duzir novas ideologias e, sobretudo, o ódio contra o português, o branco, que tinha de ser acusado como opressor, escravizador, colonialista e imperialista, para a seguir sofrer toda a casta de humilhações a que o ser humano pode ser sujeito. De que resultou essa carnificina? Hábeis agitadores tinham levado a ideia de que o Rádio Clube estava nas mãos dos "opressores" brancos. Era necessário toma-lo. A Frelimo era agora quem mandava. Abaixo os brancos! Morte aos brancos! Viva a Frelimo!
Mais de duzentos mil negros, habitavam à volta de Lourenço Marques. Então um número incalculável, armado de catanas, facas, ferros e armas começam a convergir de todos os lados e com um objectivo: chegar ao centro da cidade, ao Rádio Clube, matar todo o branco que lhe apareça à frente. E foi a chacina. Eles não chegariam ao centro da cidade, mas o saque, os incêndios, os crimes atingiram proporções terríveis. Foram três dias de horror naquela bela cidade.
No fim, em valas abertas por “bulldozers” seriam enterrados milhares de corpos horrivelmente mutilados, marcando a primeira consequência do Acordo de Lusaca. Nesse confronto, a maioria dos mortos seriam negros. Na caminhada para a cidade matavam os brancos que iam encontrando, incendiavam-lhes as casas, saqueando lojas e armazéns. Completamente embriagados, desvairados e desorganizados ainda chegaram bem dentro, mas foram violentamente sustidos.
Mas os agitadores, porém, continuavam o seu trabalho. Tinham morrido muitos negros: à volta de dois mil. Agora tinha de ser dada uma lição aos brancos, foi o 21 de Outubro! Na baixa da cidade um grupo de comandos responde a tiros aos insultos e vexames que elementos da Frelimo proferiram atingindo mesmo a Tropa. Estava lançado o rastilho! Milhares de negros bloqueiam todas as saídas da cidade; dá-se novamente o assalto a lojas e casas. Começam a chegar carros que levam e trazem quem trabalha na cidade: Começara a matança. Desprevenidos, carros e camionetas de passageiros vêm cair numa ratoeira que jamais previam. Obrigados a parar, não deixam que os passageiros saiam. São virados e incendiados.
Quando, num carro, ao longe, os ocupantes pressentiam a armadilha em que cairiam, paravam e saíam numa tentativa vã de salvação. Eram imediatamente perseguidos por uma multidão em fúria, e massacrados impiedosamente.
Um amigo meu, o velho Tomás, a quem chamavam o Vovô Tomás, dos Serviços Meteorológicos, onde trabalhava, muito bom homem e muito querido por todo o pessoal, foi agarrado quando regressava do aeroporto, do serviço, e depois de bem seguro por meia dúzia de facínoras, outros meteram-lhe um ferro de construção, muito afiado, do ânus à garganta, tendo morrido aos gritos lancinantes, perguntando porque lhe faziam aquilo. "Porquê? Porquê?" No fim, meteram-no no próprio carro onde ficou carbonizado.
Mulheres de qualquer idade e raparigas, mesmo miúdas, eram levadas para o meio do capim e violentadas, algumas até à morte, por feras humanas, que nelas despejavam o ódio selvagem e lúbrico de que estavam possuídas. As poucas que sobreviveram, ficaram patetas para toda a vida.
Morreram assim com uma barbaridade diabólica, portugueses, brancos, cujo número é difícil de calcular. Há famílias que jamais saberão dos seus entes queridos. Ainda àqueles que conseguiram desmantelar a primeira grande investida contra a cidade, outra vez se deve a não ter ido mais longe esta nova carnificina. Quando milhares de negros se preparavam de novo para invadir a cidade, um punhado de portugueses, daqueles que não se fez história, mas provando a raça, reunidos e um tanto organizados à última hora, fez-lhes frente e dispersou-os. Mas os habitantes da cidade são tomados de terror. Os que podem, começam a dirigir-se para o cais, onde, navios, alguns portugueses, mas a maioria estrangeiros, são ocupados por indivíduos desvairados. Estes, largam, superlotados e, muita daquela gente é evacuada para Durban, havendo quem tivesse seguido para a  Índia. Ainda eram as consequências imediatas de Lusaca!
Mas antes, bastante antes deste sinistro acordo, uma companhia de infantaria, lá para o Norte, rende-se vergonhosamente a meia dúzia de Frelimos e é obrigada por essa meia dúzia a atravessar o Rio Rovuma, prisioneira, sendo logo a seguir visitada pelo chefe da Frelimo que lhe chama restos miseráveis de um exército imperialista, que ele tinha derrotado. Operadores habilmente manipulados, filmam esta vergonha que a seguir é projectada em todos os cinemas de Moçambique e do Mundo. Pelo Chire, na Zambézia, onde os terroristas nunca tinham conseguido pôr os pés, entrava um grupo chefiado por Bonifácio Gruveta, um dos bons guerrilheiros da Frelimo, uns vinte homens, dão meia dúzia de tiros e instalam-se. Pronto! A Zambézia estava ocupada!
Do nosso exército, havia uma companhia em Milange e outra no Chire.
E quem escreve estas linhas, porque voava nessas regiões, é uma testemunha desgraçada e infeliz do que havia de acontecer.
Por detrás de tudo já havia traição.
Os altos comandos desviam para o Chire uma companhia de Fuzileiros navais que, à primeira vista, irá dar ânimo à que lá estava e reforçá-la. Qual!
Os componentes da companhia que já lá estava, andavam pelo mato, com bandeiras brancas à procura de terroristas para pedirem, não sabia eu bem o quê! Os da companhia de Milange faziam o mesmo. Eu contactava diariamente com todos. Levo, no meu avião, de Quelimane para o Chire, dois Capitães que, a mando dos altos comandos, iam ver o que lá se passava, fazer um inquérito. Lá aterrámos e, chegados ao quartel, mesmo ao lado da pista, fomos recebidos por dois oficiais dos Fuzileiros Navais. Essa companhia, dada a desmoralização, aparecia-me também como um espectro miserável do nosso Exército. Quase duzentos homens, a maioria desfardados, deambulavam por aquele grande quadrado, apáticos a tudo. Para reunir a companhia de infantaria, que era o objectivo, passaram-se horas. Então, simples observador que também já tinha sido soldado, começo a suspeitar que algo de muito grave haveria por detrás de tudo. No meu tempo um traidor era sumariamente fuzilado. Por fim, lá formou a companhia na parada do Quartel. Aquilo, de tropa não tinha nada. A maioria apresentava-se em calções e sem camisa. Era tempo quente. Calçados de sapatilhas desportivas, eram um escárnio ao exército. Mas lá formaram. Um dos tais Capitães que eu levara, falou, mas de que maneira! Que tinha vindo ali para se inteirar do comportamento da companhia, pois havia notícias de que ela se recusava a com­bater. Que estava ali a companhia de Fuzileiros Navais, chegada três dias antes para a reforçar, e que não havia qualquer justificação para a atitude que eles estavam a tomar, o que podia ter gravíssimas consequências. O homem, que me parecia algarvio, falou, falou e eu, colocado meia dúzia de passos atrás, só notava na cara da rapaziada sorrisos irónicos, que ainda mais me baralhavam. Até que ponto chegaria a sinceridade daquele Capitão? O que estava a acontecer ali não passava de uma farsa. O Alferes mais antigo, como aquilo já durava há muito, percebendo que a rapaziada se preparava para destroçar, virar as costas ao Capitão, falou também alto e em bom som: "Olhe,  meu Capitão! Aqui a guerra acabou! Não há mais guerra, façam o que quiserem. Acabou!"
Julgava eu que dali resultaria uma reacção enérgica de quem tanto falara, mas fui logo surpreendido pela maneira suave como ele deu ordem para destroçar. Já eram mais que horas para se comer qualquer coisa. E lá fomos, eu, os dois Capitães e os Oficiais da companhia de Infantaria, todos Alferes. Eu notava que naquela fase final não havia Capitães de carreira à frente das companhias. Só milicianos.
Depressa se comeu uma boa caldeirada daquele peixe "pende" do Rio Chire. No fim, sentados, o Capitão puxa da sua pasta de inquérito e, um por um, foi questionando todos os oficiais. Fosse pelo caminho que fosse, no fim ele obtinha sempre uma resposta firme e concreta: “Acabou a guerra! Não fazemos mais guerra!"
Único civil no meio daquela tropa, comecei a sentir-me francamente mal disposto. Resolvi levantar-me e ir lá para o fundo da sala, onde havia um mapa, e disfarçar, fingindo calcular rumos e distâncias, mas a minha cabeça era um turbilhão. Lá para cima, em Milange, andava o Capitão miliciano, claro, e os Oficiais, atrás do Bonifácio Gruveta, a pedir paz. Ali, era o que estava a ver. O que se passaria por detrás de tudo isto? O Capitão levanta-se e diz para os Oficiais: "Vocês fizeram afirmações muito graves, mas uma vez que as fizeram, eu aconselho-vos a que as mantenham sempre, senão será muito pior. Têm de manter o que disseram!" Ainda mais baralhado fiquei. Virou-se então para o outro Capitão, o que nos tinha acompanhado e disse: "O que diz o camarada a isto?" Este levanta-se e eu jamais poderei esquecer a resposta. Porque éramos amigos, esperava que algo de concreto saísse dali e saiu: "Merda! Merda! Merda!" Foi esta a sua resposta!
Foi assim que para mim acabou o exército na minha querida Zambézia, foi assim que acabou o nosso exército ! Era o fim. Regressamos a Quelimane e, dali, os dois Capitães seguiriam para a Beira, a dar contas, e eu, para o Gurué. No dia seguinte passaria por Milange. Vergonha das vergonhas! O Bonifácio Gruveta tinha mandado colocar duas minas anti-carro na estrada Milange-Quelimane, que tem trezentos e oitenta quilómetros e avisaram: "Não passa carro nenhum por essa estrada, nem pela de Milange/Gurué, duzentos quilómetros, nem Milange/Mopeia, outros duzentos quilómetros. Assim ficou toda aquela área isolada durante um mês. Só eu, de avião, nunca deixaria de fazer as ligações, sobretudo com Quelimane, onde estava a sede do Governo do Distrito da Zambézia, A resposta do nosso exército era deambular agora por toda a parte, com bandeiras brancas, pedinchando paz! Começam então a aparecer descaradamente Frelimos. Frelimos? Sim. Grupos de vadios que se diziam Frelimos, que assaltavam as lojas e exigiam roupas, botas, tudo o que fosse de vestir e de comer. A maioria das roupas, nas lojas, eram de caqui. Então, com umas calças ou calções, qualquer daqueles vadios, a maioria criminosos, se dizia Frelimo. Começa a desgraça de todos os comerciantes. Deitavam mão a qualquer carro, fosse de quem fosse. Saqueiam tudo. Em vez de fugirem de uma situação desgraçada que lhes foi criada, sem o saberem, há portugueses que fazem frente, procurando defender o que era seu, seguido de anos e anos de maiores sacrifícios por aquele mato. Esses eram barbaramente abatidos - homens, mulheres e crianças!
Outros fogem, levando o que têm no corpo. Por toda a parte acontece o mesmo. Dada a propaganda incutida através de anos, chegava a altura em que eles impune­mente podiam actuar com o seu ódio selvagem. Os brancos, contra quem tinha sido assanhada toda a propaganda, estavam desgraçados. O Exército, único sustentáculo que ainda podia evitar aquela situação, desaparecera. Nos próprios carros do exército, os vândalos iriam depois continuar toda a série de tropelias. "Sai portu­guês de merda! Sai branco de merda! Vai para a tua terra!" E foi assim que a Zambézia praticamente se despovoou daqueles tantos portugueses que há muitíssimos anos para lá tinham ido trabalhar e não oprimir, nem escravizar, como a propaganda fazia crer.
Uns morreram, outros conseguiram sair, mas sempre ficariam alguns que terão de se sujeitar a viver miseravelmente em tais condições. Por toda a Moçambique acontecia o mesmo.
Mas é fácil avaliar-se a razão da situação tão repentina e trágica criada àquelas centenas de milhar de portugueses. Note-se sempre que, bem antes da assinatura do tal acordo, o exército se portava daquela maneira infame. Era tudo segredo!
O negro apercebeu-se e toma força, sabendo-se senhor absoluto de toda aquela Moçambique, onde, para oito milhões que é o seu número, somente trezentos mil brancos estão a mais - os tais opressores com que é preciso acabar. “Atirem-nos aos tubarões”!  Este incitamento até vinha da Metrópole. De frisar que muitos daqueles negros não concordavam com esta situação, mas não tinham outra alternativa, senão eram também eliminados.
A seguir, o Reverendo Uria Simango, chefe de outro partido pró-independência, era traiçoeiramente preso no Malawi, levado para Milange e dali, infelizmente num avião nosso, da minha Companhia, pelo colega Marques, para Metwara, do lado de lá do Rio Rovuma, na Tanzânia, onde algozes da Frelimo o esperavam e lhe deitaram a mão! As últimas notícias que tive da Joana Simeão, outra chefe de movimento pró-independência, que usava óculos com lentes fortíssimas foi que, meia louca, sem óculos, porque lhos arrancaram, só com uma tanga, porque a querem assim meia nua, por ali anda - ou andava - até que a morte a liberte de mais sofrimentos, no campo de concentração da Gorongoza.
Mas foi sobretudo um triste e desgraçado fim para esta geração de portugueses que, por infortúnio, o teve que sofrer.
Juntou-se tudo: a traição, a morte, a humilhação, famílias desfeitas e misérias.
Quando acabará isto?
Entretanto, da Metrópole, os responsáveis por tudo bradavam para o Mundo que se estava a realizar uma descolonização exemplar!
Será que esses homens esperam chegar até ao fim da vida impunes? Será que só o peso que sentem na consciência, se é que a têm, constituirá a pena a pagar?
Este Portugal, de história tão maravilhosa que, por elevados ideais, se expandiu pelo mundo, marcando uma posição ímpar em toda a História Universal, viu-se de repente reduzido às dimensões da sua fundação, mas com uma população imensamente superior. Para onde irão amanhã os portugueses com mais aptidões para o trabalho? Para onde?
Estava eu entre os milhões de portugueses que acreditavam que aquela Moçambique, em espantosa evolução em todos os domínios, se transformaria nas décadas seguintes num dos países mais felizes do Continente Africano. Dispunha de todas as condições para isso, todas as raças que a ocupavam se entendiam e cada vez melhor. Fora, de todos os territórios de África, da África Austral, aquele onde houvera menos racismo e esse pouco, com o tempo, acabaria. O Acordo de Lusaca incendiou o racismo! Logo a seguir a propaganda redobrou: "Acabar com os opressores portugueses, colonialistas, imperialistas!” Para o negro esse opressor era o branco, português. Existiu então um governo de triste memória, que mediou entre a data da assinatura e a entrega.
Roma caíu entre orgias e bacanais!
Moçambique cairia, seria entregue, por um governo que parecia querer mostrar ao Mundo que todos os portugueses, mesmo os que lá estavam radicados, não passavam de uns covardes. Esse Governo desarmou todos os portugueses, que foram brutalmente obrigados a entregar qualquer arma que possuíssem e ai do que fosse apanhado com alguma! Ficaram assim indefesos e sujeitos a tudo.
Depois desceriam os Chefões da Frelimo, desde o Rovuma até ao Maputo, entre festas, discursos e banquetes sempre bem servidos e melhores regados. Eles traziam a Taça de vencedores, oferecida de qualquer maneira, já explicada. Cons­tatei, que de todos, o mais aberto, com quem conversei à vontade, ao contrário de outros, foi o Joaquim Chissano, mas nessa marcha por Moçambique abaixo, todos voariam comigo. Falei com todos. Tal como falava tempos atrás com oficiais do nosso exército - alguns responsáveis pela traição - dentro do meu avião, falava agora com estes. Auscultei-os a todos. O último com quem voei, foi com o Samora Machel, que a seguir seria o 1°. Presidente da República Popular de Moçambique. Mostrei-lhe tão bem quanto pude, as belas terras, as belas plantações de coco, sisal e chá que sobrevoamos e faziam parte das riquezas da Zambézia. Mostrei-lhe, lembro-me bem e ele devia lembrar-se também, se vivesse, as terras do Ile e de Namarrói que produziam a mandioca de mais fina qualidade de Moçambique e em quantidades fabulosas. O homem mostrava-se interessadíssimo e ávido de saber. Contudo, esquivava-se à conversa.
Mas, desde Marrupa, lá bem ao norte, por onde entrara, que as suas frases predilectas, nos seus longos discursos, eram: Abaixo o opressor colonialista! Abaixo o Imperialismo! E aquela massa do povo delirava.
Num banquete, na Morrumbala, onde não faltava nada, daqueles banquetes à velha Zambézia, notei que, comendo galinha, peru e um ou outro doce, ele só bebia água. Só no fim e porque uma senhora insistiu, bebeu um pequeno copo de vinho Clarete. O grande discurso seria a seguir no Campo de Futebol, com um enorme auditório e lá terminou, como todos os outros: "Abaixo! Abaixo! Abaixo!"
A uma conclusão eu ia chegando: a minha posição passava agora para a de opressor colonialista ou imperialista e a dele para a de "O Novo Imperador de Moçambique". Depressa, como muitos outros, veríamos e sentiríamos os efeitos de tais discursos, em que se baseava toda a propaganda da rádio levada a todos os cantos. O povo, na maioria inculto, bebia daquilo e vomitava ódio contra os portugueses. Eles eram os opressores colonialistas. Completamente desarmados, a tropa a cavar, absolutamente desamparados, como seria a vida a seguir?
O Luís, esse belo companheiro de toda aquela aviação, desistia de voar mais sobre Moçambique. Qualquer cretino se achava com sabedoria e poder para desfeitear profissionalmente fosse quem fosse, e também a ele, que tanto trabalhara. Mais de trinta mil horas ele tinha voado sobre Moçambique que tanto amava. Cansado e desiludido, voltou à Metrópole onde, a princípio teve de cavar batatas, para sobreviver, numa pequena quinta que o pai lhe deixara. Só mais tarde lhe seria atribuída uma reforma. As caminhadas que teve de fazer por esse labirinto burocrático, onde os que vieram de lá só encontravam resistência, ia dando com ele em doido. Em tempos tinha mandado de Portugal para Moçambique umas centenas de contos, herança do pai, e construíra na Matola, bem perto de Lourenço Marques, uma belíssima residência onde pensava acabar os seus dias. Essa casa foi-lhe roubada e nacionalizada pelo novo Governo.
O nosso último encontro, numa fugida que eu dei da Rodésia a Portugal, teve muito de alegria e muito de tristeza, ao recordar tudo aquilo. E ele, sempre e sempre ligado aos aviões e às possibilidades que eles proporcionam, chamou-me a atenção para esta juventude actual e para o muito que ela poderia fazer a favor deste povo infeliz, metendo aviões, claro, e então divagava: "Esta mocidade que estuda, sobretudo a que tem por finalidade a medicina ou o professorado tem uma oportunidade única de alcançar o objectivo de voar. A massa estudantil é hoje respeitada por qualquer destes governos, que queira subsistir. Que exijam desses Governos que o seu serviço militar seja prestado na arma da aviação. Em seis meses, faz-se um piloto. Não se compreende que até hoje os serviços médicos não cheguem ao cantinho mais escondido deste Portugal pequeníssimo, acontecendo o mesmo com os serviços de alfabetização. A gente só ouve falar em milhões e mais milhões a gastar para suprir esse mal! Pois com umas dezenas de pequenos e seguríssimos aviões, como há hoje, e são baratos e, não falemos já em helicópteros, amanhã os jovens médicos poderiam chegar a todos  esses cantinhos, juntando à alegria, que por força das circunstâncias, lhes dá a profissão que abraçaram, a alegria também de voar. Depois, com uma dúzia de pequenos aeródromos, umas faixas com umas centenas de metros, abertas ao longo de uma linha longitudinal deste pequeno rectângulo que se chama Portugal, puxando um pouco para o interior, pois o litoral sempre está mais bem servido, resolver-se-ia o problema de uma maneira alegre, simples e barata, que os grandes políticos querem resolver com os tais muitos milhões, sempre em tristes imitações de países que têm tentado resolvê-lo também, acabando tudo em fracasso.
Juntem o agradável ao útil! Voar e trabalhar!"
Será isto uma quimera?...
Eu continuei a voar. A minha mulher ficava lá para trás, em casa e, embora não mo dissesse, notava, ao fim da tarde, quando voltava, que ela vivia cheia de temor. Possuíamos no campo da aviação uma Pousada com restaurante que, de repente, começou a ser frequentada por toda a casta de malandros, que queriam comer e beber de borla. O encarregado avisou-nos logo que era impossível aquilo continuar. Fechei-a imediatamente, alegando que era um encerramento provisório, para obras.
Aparecia-me à tarde o próprio comandante da Frelimo a exigir que abrisse, acompanhado pelo seu grupo, armado de pistolas metralhadoras e baionetas, para me intimidar. Até ali eu tinha sido, dada a minha vida e até porque era amigo de todos, das pessoas mais respeitadas da região.
Mas aquilo era gente que tinha vindo de toda a parte, inclusive da Tanzânia, e que não respeitava ninguém. Valeu-me ter conhecido o guerrilheiro que entrara pelo Chire, Bonifácio Gruveta, que já então governava a Zambézia e que deu ordens para não me aborrecerem, pois ele reconhecia-me como elemento útil, que não interessava sacudir. Continuei a sair todas as madrugadas para os meus voos. Puseram um grupo de dez frelimos de guarda ao campo da aviação, que grosseiramente revistavam as bagagens dos passageiros que partiam ou chegavam, à procura de armas.
Transformaram em quartel uma casa minha, que ocuparam sem qualquer cerimónia. Colegas meus, da minha Companhia Aérea, eram presos e vexados por toda a parte, onde aterravam. Mas eu já arranjara outro conhecido da Frelimo, lá em Quelimane, que era o braço direito do Bonifácio Gruveta e chefe militar da Zambézia, "comandante" Maquival. Procurava defender-me com mais esse conhecimento. Este seria mais tarde irradiado da Frelimo e metido num campo de reeducação. Quando planeei a minha fuga, ele, sem o saber, abriria as portas. Contactávamos muito e ele ganhou confiança absoluta em mim.
Numa tarde, quando cheguei, depois de todas as revistas, dirigia-me para casa quando fui abordado pelo chefe daquela guarda, naturalmente analfabeto, que me disse: "Não entras em casa, não. Está aqui uma bala que foi encontrada à tua porta. Tens lá armas com certeza. Vamos passar revista à tua casa". Eles distribuíam assim balas para comprometerem qualquer um. Não concordei. Vinha cansado e adoentado, queria descansar. Que passassem revista no outro dia, pois até iria trazer o Comandante Maquival e então todos podiam revistar tudo. O que eu fui dizer! Falar no Comandante Maquival! "Aqui não há comandantes. Comandantes somos todos nós. Quem manda agora é o povo. Vais abrir já a porta. Tens lá armas. Também és um colonialista". Esta conversa passava-se comigo cercado por dez homens irresponsáveis, com nove baionetas apontadas ao corpo, por todos os lados , já todos a berrar, apodando-me de reaccionário.
Era o primeiro passo, se não me acontecesse pior, para me levarem para o Quartel, onde estavam já vários amigos e porem-me com eles a cavar de manhã à noite, nos campos em volta. A minha mulher que, de perto, assistia a tudo sem nada poder fazer, aconselhou-me a que deixasse mesmo revistar a casa. "Quando acabar a revista a gente quer também falar contigo" - dizia-lhe o comandante. Mais de uma hora a revistar minuciosamente tudo e, como nada encontraram, largaram a casa e viraram as atenções para ela.
À volta da casa havia limpeza mas, lá para trás, como o terreno era grande, apareciam naturalmente ervas, capim, até um riozito que passava abaixo. Este chefezito era o protótipo de todos os que eu via ao passar em Milange, Tacuane, Chire, Mopeia, Morrumbala, Mocuba, Luabo, Chinde e por tantas outras terras que visitava constantemente - ele, com uma pistola, e os nove companheiros com pistolas metralhadoras russas, com baionetas. Todos, de uma maneira geral, analfabetos, mas com "slogans" metidos na cabeça, que tinham como finalidade, sempre, amedrontar e afugentar os poucos portugueses que teimavam em ficar na terra a que do coração se agarravam e não queriam deixar. Nós fomos desses. Tivemos depois que abandonar tudo, após trinta e dois anos passados só naquele maravilhoso Gurué!
"Mamã! (era dessa maneira que ele a tratava). Tens que pegar na enxada e capinar ali atrás, onde tem capim. Mamã também é povo e todo o povo faz a mesma coisa. Também tem que fazer latrina". Isto foi na altura em que houve uma ordem para se fazerem latrinas por toda a parte, um simples buraco bastante fundo no chão, com uma tábua em cima para se fazerem as necessidades e onde muitas crianças viriam a morrer afogadas no tempo das chuvas, pois aquilo não passava de autênticas ratoeiras onde elas caíam. Mas a arenga continuou e ele foi mesmo buscar uma enxada nossa que estava sempre à mão, e entregou-lha. "Compreendeu mamã? De amanhã em diante toca a capinar!” "Está bem, oh! Comandante !- dizia-lhe ela. "Está bem!" Daí para a frente, ou me acompanhava no avião ou se metia no carro mesmo antes de eu sair e ia para casa de amigos, lá na Vila, regressando a casa só quando eu chegava. Mas ele ficou furioso com essa atitude. As revistas aos aviões passaram a ser muito mais morosas e contundentes.
Tínhamos dois cães de grande estimação e, uma tarde quando chegámos, vimos que tinham vazado um olho a cada um, com as baionetas. Tornava-se impossível continuar assim. E então, decidi e planeei ir-me embora. Deixaria Moçambique, a Minha Zambézia, o meu Gurué, os meus amigos e iria. Bem! Para onde, eu não sabia ainda.
Eu tinha de salvar a própria pele, a da família e a de colegas que me quisessem acompanhar. Sabia que muitos, por circunstâncias diversas, não o poderiam fazer. Mas aos muitos que acreditavam naquilo, nos que batiam palmas por aquilo, que no íntimo pensavam vir a ser "gente grande", como por lá se dizia, para o que bastava colaborar, mesmo que tivessem de ser esbofeteados, ninguém se podia aventurar a dar um conselho.
Infelizmente, logo a seguir, alguns colegas, voando, seriam traiçoeira e miseravelmente abatidos nas regiões de Cabora Bassa e do Chimoio (Vila Pery), sofrendo mortes horrorosas, o que nada me surpreendeu, pois a esses eu tinha pessoalmente avisado que, pela força das circunstâncias, chegara a hora de abandonar a terra que todos nós amávamos.
Retirando três de uma frota que possuía mais de uma dúzia de aviões, que eram quantos voavam por aquele Norte de Moçambique, sob a bandeira da T.A.Z., que possuía também vários hangares e Oficinas de manutenção, cujo valor era altíssimo, a minha consciência estava tranquila, pois não roubava nada a Moçambique nem aos meus sócios.
Retirava o que era meu e para benefício, se isso viesse a ser possível, para quem a vida se tornara dificílima.
Por um então, o Mário Ramos, que fugira para a África do Sul, onde conseguira um emprego e viria a morrer logo a seguir num trágico desastre no avião que pilotava, a uns escassos quinze quilómetros do aeroporto de Durban, tendo lá deixado a viúva e dois filhos de dois e quatro anos numa situação desesperada, era necessário que alguém olhasse.
Tinha um filho, piloto como eu, que não podia ficar para trás. Por vontade dele, já tínhamos saído há mais tempo. Havia também um outro motivo forte: constava que no discurso de 7 de Abril de 1976, Samora Machel iria comunicar a nacionalização das crianças, e ele tinha já um filhito. A criação e educação foi também uma das grandes causas de muitas fugas que se verificariam em Moçambique.
Acertámos a largada para 6 de Abril, véspera do tal discurso.
Teríamos de resolver problemas de última hora, que foram resolvidos. Sairiam dois aviões “Islander”, de dez lugares cada um, na madrugada desse dia, rumo a Salisbury, na Rodésia, em beleza, sem que ninguém se tivesse apercebido disso. Tínhamos de afastar ou destruir aquele maldito grupo que não largava. Eles mesmo iriam dar o flanco.
Mas eu, que já expliquei vários desastres que tive na minha vida de piloto, omitindo mesmo outros de menor importância, não posso terminar, sem mostrar também como se ia dando o último que, não sendo eu um crente absoluto, quase sou levado a acreditar num milagre, pois tecnicamente ainda não consegui saber como me safei. Era um "dia  da Frelimo”, e o Administrador fez uma convocação obrigatória para uma capinação "histórica" no Gurué. Tinha de ir toda a gente! Resolvi não ir. Nunca tinha ido a nenhum comício, nem a uma capinação: a que propósito havia de ir naquele dia? Se ficasse em casa iam-nos buscar. Disse para a minha mulher: "Amanhã vamos para Quelimane. Não ficamos aqui". Pela manhã levantei voo num bimotor “Piper Aztec”. Fomos sobrevoar o local de capinação - e até era interessante. Estavam lá uns largos milhares de habitantes, tudo a capinar. Tinham começado às cinco horas da manhã. Segui normalmente para Quelimane, onde deparei com uma nevoeirada tremenda.
O controlador avisou-me que o nevoeiro era muito denso mas, eu, batido como estava com aquele aeroporto, pedi para tentar aterrar pelo sul, e fui autorizado, àminha responsabilidade. Fazia tantas vezes assim! Era mais uma. Fiz a primeira tentativa, que abortou. Fui fazer a segunda e então aconteceu-me o pior. Não muito longe da cabeceira da pista, passava o Rio dos Bons Sinais. A uma velocidade de cento e quarenta milhas, bato com o avião na água. Foi como que uma pedra que a gente atira a rasar a água e, ela bate, levanta, só indo mergulhar bem lá à frente. O altímetro e. nessa altura, não tínhamos mecânicos para verificar instrumentos, já quase todos tinham abandonado Moçambique - em vez de zero, marcava quinhentos pés. Eu ia com toda a atenção no rumo do rádio farol e à altitude, quando a minha mulher grita de repente e apavorada: "Água!" Instantaneamente puxei o manche, remeti motores e instantaneamente também, um grande estrondo e um grande estremeção. Ouvi os sinos de S. Bento a tocarem alegremente. Felizmente que eu ainda não tinha arreado o trem de aterragem. O avião batera na água! Fora para o ar, porque eu o puxara no tal ponto milagroso, e lá vamos nós através do nevoeiro, experimentando os comandos, que obedeciam, até ver o sol radioso lá por cima. Rumei para a direita, onde estava o mar, e dirigi-me para a praia do Farol da Olinda, onde através de tantos e tantos anos, tantas vezes aterrara, e lá fui, pela última vez, dizer adeus a areias onde penso nunca mais poder voltar. Com preocupação fiz descer o trem, que actuou bem. Deslizei cautelosamente por aquela praia fora. Saí do avião para ver o que lhe tinha acontecido. Apetecia-me afagá-lo, como fazia noutros tempos ao querido “Tiger”. O que tinha ele sofrido? Ao puxá-lo, devo ter-lhe dado uma pequena inclinação para o lado direito e, assim, desse lado, o hélice tinha entrado na água e estava levemente torto. Parte da blindagem, onde está uma boca que dá para a entrada de ar para o sistema de carburação, tinha desapa­recido, e daí para trás, o material, feito de uma espécie de fibra comprimida que parecia metal, estava todo esgaçado. A patilha, onde se põe o pé para subir à asa, desaparecera. Por baixo, o “aileron” e uma parte da barriga do avião, tudo esgaçado. A pancada tinha sido ali. De bicicleta, aparece-me um negro com um bocado de blindagem que se soltara no momento da aterragem. Ainda hoje me arrepio quando penso neste caso, pois não encontro explicação para ele. Dada a posição em que o avião bateu na água, apesar de eu o puxar, o embate, por pequeno que tenha sido, devia obrigá-lo a mergulhar, o que não aconteceu. Teria ele batido somente numa onda? Mas mesmo assim!...
No íntimo acredito que teria sido um fim digno para uma vida alegre dedicada aos aviões, que em breve teria de deixar para sempre.
Em análise, para mim era mais uma consequência do acordo de Lusaca.
Não concordei com tal traição e nunca me submeteria, mesmo que tivesse de pagar com a vida. Dali para a frente a solução era fugir.
Um belo dia à tarde, chego do meu voo, e a guarda do campo forma para me entregar uma carta. Era uma carta solene e reparei nos sorrisos de toda aquela malandragem. Era simples, muito mal escrita, mas compreendia-se o que eles queriam: "Patrão comandante Faria. Ouve bem isto. Nós precisamos de camas e colchões e tu tens muitos ali naquela casa. Dá a chave da casa, porque ela é nossa, é do povo. Não chateia, ouviste?" Depois vinha uma assinatura ilegível do tal chefe do Grupo. Disse-lhes que no dia seguinte daria resposta. Queriam a resposta imediatamente. Convenci-os que tinha de tirar de lá umas pequenas coisas e, depois, sim. Usei um processo que me foi sempre odioso. Mandei-lhes fornecer cerveja à vontade para eles adormecerem as ideias. O que eu queria era ganhar tempo.
No dia seguinte, cedo, segui para Quelimane, mas desta vez com o propósito firme de me encontrar com o Maquival, a quem dei a carta a ler e fui esclarecendo: "A continuar assim tenho que abandonar o Gurué. Pelo menos o avião passa para Quelimane e assim já não servirá tão bem aquela gente. Parece que é isso que eles querem!”...
O Maquival seguiu nessa mesma tarde comigo e a esse, eles tinham mesmo medo. É que ele, com a sua pistola, abatia logo quem o desrespeitasse. Não seria o primeiro a quem já o tinha feito, e eles sabiam-no. Mais: o Maquival deu ordens para que abandonassem imediatamente o campo de aviação, pois não havia necessidade de tal vigilância.
Tinha confiança em mim e nessa noite mesmo, eles recolheram ao Quartel! Estavam abertas as minhas portas!
Desconfiando de fugas de aviões, o governo obrigava o piloto que se deslocasse de um distrito para o outro, em voos fora das carreiras autorizadas, a munir-se de uma autorização emanada somente pelo Ministério que abarcava a aviação, em Lourenço Marques. O meu filho, mandou, de Quelimane, um pedido para fazer um voo na 2a. feira, dia 5, para o Gurué, onde ia buscar uns passageiros convidados para um casamento a realizar no Namialo, Distrito de Moçambique, perto do Lumbo, lá para o Norte, donde só regressaria na 4a. feira. E veio a autorização absolutamente legal, por mensagem aeronáutica. O resto foi simples e fácil. O objectivo seguinte era a Rodésia. Como seríamos lá recebidos, não sabíamos! Mas iríamos alegremente entregar-nos ao Destino.
Pior do que aquele Inferno que transformaram Moçambique, não podia haver.