Escrito por Jorge Pereira Jardim
Na imagem: Kremlin
Novo satélite soviético
A independência processou-se sem brilho nas cerimónias e sem autêntico entusiasmo popular no país. Tudo se circunscreveu aos actos oficiais e à organizada concentração popular no estádio que não alcançou as dimensões e a vibração de acto celebrados sob o regime colonial. Fez-se notar a ausência dos chefes de estado que mais haviam apoiado a "Frelimo" na sua luta e o Malawi, ostensivamente, nem sequer foi convidado.
Em contrapartida, estava presente, em lugar de destaque, o Dr. Álvaro Cunhal, na sua qualidade de secretário geral do partido comunista português. Isso foi devido à insistência de Marcelino dos Santos e tinha significado muito especial, uma vez que não constitui segredo a estreita ligação do Dr. Cunhal com Moscovo. Ninguém se esquece que foi um dos raros chefes comunistas ocidentais a apoiar a brutal intervenção que esmagou a rebelião de Praga.
Aos chineses não passou despercebido o que representava esta singular deferência para com o chefe comunista português. As dúvidas com que pudessem ficar desapareceriam ao ouvirem os discursos proferidos ou ao lerem os textos programáticos que foram sendo publicados.
Quando a nova (e feia) bandeira da República Popular de Moçambique foi içada no mastro da soberania, passava a União Soviética a dispor de mais um satélite.
A independência, tão duramente conquistada pelos nacionalistas moçambicanos, fora roubada à nascença.
Governo da minoria
Na imagem: Bandeira da República de Moçambique
A "Constitução" do novo estado é, do primeiro ao último artigo, um perfeito modelo de marxismo-soviético. Na mais pura linha das democracias-populares, o Comité Central da "Frelimo" (auto-designado como suprema autoridade da nação) assim o decidiu e reservando para si todos os poderes.
Sem qualquer esboço de consulta ao povo, uma minoria impôs a sua vontade a nove milhões de pessoas. Com total despudor nem se deram ao incómodo de praticar arremedo de legitimação democrática.
Razão tivera eu nas minhas apreensões ao ler o "acordo Samora Machel-Melo Antunes". O que aconteceu estava lá previsto ou, pelo menos, tinha-se deixado o caminho aberto para isso.
Foi este processo neo-colonialista que o primeiro-ministro português, presente nas cerimónias, classificou, emocionadamente como honrosa libertação de um povo. Não é estranhável que nesse pendor se tenha rebaaixado, servilmente, a pedir perdão para um passado em que abundavam razões de orgulho para qualquer português.
Tinha de ser Vasco Gonçalves a fazê-lo. Assim traía, mais uma vez, o "Programa do MFA" a cuja comissão directora presidira quando foi elaborado.
Desonrou a farda que, sem convicção, vestira.
Insultou a memória dos que, com a mesma farda, tinham caído para sempre e os tantos outros que sofreram na carne as mutilações de guerra. Paradoxalmente, haviam de vir de Samora Machel as palavras de apreço pelos que tinham sabido bater-se e de desprezo merecido pelos covardes que o não fizeram.
O guerrilheiro corrigiu o "general".
Ainda tinha lampejos dos tempos em que fora combatente. Iriam, porém, desaparecendo com a doutrinação que o cercava e o converteu, de soldado, em moleque dos novos senhores.
Na tal "Constituição" ainda se previa uma assembleia representativa, cuja escolha se acautelava para que o povo não pudesse intervir. Nem essa foi posta em funcionamento até hoje, com quase um ano volvido sobre a falsa independência. A única explicação viável é a de saberem que, mesmo no restrito campo dos dirigentes, o descontentamento alastra correndo paralelo com a frustração.
Estado policial
A perseguição a tudo quanto pudesse representar capacidade de pensar e, eventualmente, de discordar, passou a ser feroz. Nesse procedimento decapitador de um país não houve qualquer discriminação racial. Todos foram igualmente abrangidos.
As nacionalizações começaram exactamente pelas profissões liberais e com esse propósito. Médicos, advogados, engenheiros e professores saíram do país às centenas, deixando o vazio desejado e de que a população foi a grande vítima.
Na imagem: os "Campos de Extermínio ou Campos da Vergonha"
As prisões arbitrárias sucederam-se e nos campos de trabalho os detidos são tratados com requintes vexatórios e de brutalidade. O transporte de muitos desses milhares de infelizes faz-se em camiões de gado (e com tal indicação inscrita no exterior das viaturas) para impedir a identificação por algum curioso inconveniente. Mas aconteceu que um desses camiões teve de ser aberto (e sabe-se onde tal aconteceu) quando uma mulher branca deu à luz inesperadamente e soltou os normais gritos da maternidade que os guardas não conseguiram calar. Viu-se então, de que "gado" se tratava e houve organismos internacionais que do caso tomaram conhecimento. O escândalo foi abafado.
Poucos detalhes desta actuação policial, destinada a espalhar o terror e forçar a saída dos indesejáveis "reaccionários", têm sido divulgados pela imprensa, apesar de não faltarem (em Portugal e nos países limítrofes de Moçambique) testemunhos que poderiam ser usados. Os moçambicanos e portugueses continuam a sair do país, aos milhares, por todas as formas que conseguem. Alguns houve que até foram perseguidos, já dentro do território sul-africano, por milicianos armados que procuravam interceptá-los. Dezassete dos perseguidores foram presos pela polícia da República da África do Sul.
Os aviões da TAP e das outras companhias aéreas enchem-se com fugitivos em Johannesburg, Salisbúria, Blantyre e, até, Lusaka. Quem tiver dúvidas pode informar-se junto do pessoal do aeroporto de Lisboa e dos tripulantes da TAP que têm realizado esses voos. Não faltam histórias dramáticas para conhecer.
Enquanto que os excessos da "PIDE" ocupavam páginas inteiras dos jornais, raros são aqueles que manifestam interesse pelas incomparáveis monstruosidades cometidas pela "SNASP" ("Serviço Nacional de Segurança Popular"). Esta "SNASP" é responsável unicamente perante o presidente Samora Machel, conforme se prescreve no artigo 9.º da lei que promoveu a sua constitução. (...)
Na imagem: Kremlin
Novo satélite soviético
A independência processou-se sem brilho nas cerimónias e sem autêntico entusiasmo popular no país. Tudo se circunscreveu aos actos oficiais e à organizada concentração popular no estádio que não alcançou as dimensões e a vibração de acto celebrados sob o regime colonial. Fez-se notar a ausência dos chefes de estado que mais haviam apoiado a "Frelimo" na sua luta e o Malawi, ostensivamente, nem sequer foi convidado.
Em contrapartida, estava presente, em lugar de destaque, o Dr. Álvaro Cunhal, na sua qualidade de secretário geral do partido comunista português. Isso foi devido à insistência de Marcelino dos Santos e tinha significado muito especial, uma vez que não constitui segredo a estreita ligação do Dr. Cunhal com Moscovo. Ninguém se esquece que foi um dos raros chefes comunistas ocidentais a apoiar a brutal intervenção que esmagou a rebelião de Praga.
Aos chineses não passou despercebido o que representava esta singular deferência para com o chefe comunista português. As dúvidas com que pudessem ficar desapareceriam ao ouvirem os discursos proferidos ou ao lerem os textos programáticos que foram sendo publicados.
Quando a nova (e feia) bandeira da República Popular de Moçambique foi içada no mastro da soberania, passava a União Soviética a dispor de mais um satélite.
A independência, tão duramente conquistada pelos nacionalistas moçambicanos, fora roubada à nascença.
Governo da minoria
Na imagem: Bandeira da República de Moçambique
A "Constitução" do novo estado é, do primeiro ao último artigo, um perfeito modelo de marxismo-soviético. Na mais pura linha das democracias-populares, o Comité Central da "Frelimo" (auto-designado como suprema autoridade da nação) assim o decidiu e reservando para si todos os poderes.
Sem qualquer esboço de consulta ao povo, uma minoria impôs a sua vontade a nove milhões de pessoas. Com total despudor nem se deram ao incómodo de praticar arremedo de legitimação democrática.
Razão tivera eu nas minhas apreensões ao ler o "acordo Samora Machel-Melo Antunes". O que aconteceu estava lá previsto ou, pelo menos, tinha-se deixado o caminho aberto para isso.
Foi este processo neo-colonialista que o primeiro-ministro português, presente nas cerimónias, classificou, emocionadamente como honrosa libertação de um povo. Não é estranhável que nesse pendor se tenha rebaaixado, servilmente, a pedir perdão para um passado em que abundavam razões de orgulho para qualquer português.
Tinha de ser Vasco Gonçalves a fazê-lo. Assim traía, mais uma vez, o "Programa do MFA" a cuja comissão directora presidira quando foi elaborado.
Desonrou a farda que, sem convicção, vestira.
Insultou a memória dos que, com a mesma farda, tinham caído para sempre e os tantos outros que sofreram na carne as mutilações de guerra. Paradoxalmente, haviam de vir de Samora Machel as palavras de apreço pelos que tinham sabido bater-se e de desprezo merecido pelos covardes que o não fizeram.
O guerrilheiro corrigiu o "general".
Ainda tinha lampejos dos tempos em que fora combatente. Iriam, porém, desaparecendo com a doutrinação que o cercava e o converteu, de soldado, em moleque dos novos senhores.
Na tal "Constituição" ainda se previa uma assembleia representativa, cuja escolha se acautelava para que o povo não pudesse intervir. Nem essa foi posta em funcionamento até hoje, com quase um ano volvido sobre a falsa independência. A única explicação viável é a de saberem que, mesmo no restrito campo dos dirigentes, o descontentamento alastra correndo paralelo com a frustração.
Estado policial
A perseguição a tudo quanto pudesse representar capacidade de pensar e, eventualmente, de discordar, passou a ser feroz. Nesse procedimento decapitador de um país não houve qualquer discriminação racial. Todos foram igualmente abrangidos.
As nacionalizações começaram exactamente pelas profissões liberais e com esse propósito. Médicos, advogados, engenheiros e professores saíram do país às centenas, deixando o vazio desejado e de que a população foi a grande vítima.
Na imagem: os "Campos de Extermínio ou Campos da Vergonha"
As prisões arbitrárias sucederam-se e nos campos de trabalho os detidos são tratados com requintes vexatórios e de brutalidade. O transporte de muitos desses milhares de infelizes faz-se em camiões de gado (e com tal indicação inscrita no exterior das viaturas) para impedir a identificação por algum curioso inconveniente. Mas aconteceu que um desses camiões teve de ser aberto (e sabe-se onde tal aconteceu) quando uma mulher branca deu à luz inesperadamente e soltou os normais gritos da maternidade que os guardas não conseguiram calar. Viu-se então, de que "gado" se tratava e houve organismos internacionais que do caso tomaram conhecimento. O escândalo foi abafado.
Poucos detalhes desta actuação policial, destinada a espalhar o terror e forçar a saída dos indesejáveis "reaccionários", têm sido divulgados pela imprensa, apesar de não faltarem (em Portugal e nos países limítrofes de Moçambique) testemunhos que poderiam ser usados. Os moçambicanos e portugueses continuam a sair do país, aos milhares, por todas as formas que conseguem. Alguns houve que até foram perseguidos, já dentro do território sul-africano, por milicianos armados que procuravam interceptá-los. Dezassete dos perseguidores foram presos pela polícia da República da África do Sul.
Os aviões da TAP e das outras companhias aéreas enchem-se com fugitivos em Johannesburg, Salisbúria, Blantyre e, até, Lusaka. Quem tiver dúvidas pode informar-se junto do pessoal do aeroporto de Lisboa e dos tripulantes da TAP que têm realizado esses voos. Não faltam histórias dramáticas para conhecer.
Enquanto que os excessos da "PIDE" ocupavam páginas inteiras dos jornais, raros são aqueles que manifestam interesse pelas incomparáveis monstruosidades cometidas pela "SNASP" ("Serviço Nacional de Segurança Popular"). Esta "SNASP" é responsável unicamente perante o presidente Samora Machel, conforme se prescreve no artigo 9.º da lei que promoveu a sua constitução. (...)