Só a verdade interessa
Tenho
exacta noção das responsabilidades que assumo com o que escrevo. Estou
disposto a responder por elas. Num regime de liberdade garantida, não
deixaria de estar presente no país cujos governantes acuso.
Como isso tardará em ser possível terei de me conservar no exílio.
Quanto
ao livro (editado quase que simultaneamente em mais de um país) não
haverá manejos policiais que entravem a sua divulgação. Prevejo que o
tentem mas não lhes auguro êxito.
Pelo que pessoalmente me diz
respeito, estou certo de se intensificar a campanha de que tenho sido
alvo desde que o Gen. Costa Gomes conseguiu ir tomando conta dos
poderes. Tenho vivido há dois anos nesta situação. Já me habituei e já
aprendi a defender-me.
Creio que voltarei a ser acusado de
hipotéticos delitos comuns, com o objectivo de se exercerem novas
pressões diplomáticas sobre os países que me abriguem. Até pode
acontecer que provem, de repente, com improvisado rigor jurídico, o que
não foram capazes de inventar durante os dois anos em que sujeitaram
toda a minha vida a devassa rigorosa. Bem insisti, por todos os meios,
para que as conclusões do inquérito anunciado fossem tornadas públicas.
Dirigi ao Presidente da República a última exposição em 23 de Outubro de
1975.
Mas nada do que contra mim agora "provem" alterará a posição do problema que têm de enfrentar.
Admitindo
que pudesse ser verdade tudo aquilo de que me venham a acusar (e não
posso, sequer, prever o que seja) e que daí resultasse a evidência de eu
ser o mais abjecto monstro do universo, o que fica de pé é saber se
falo verdade, neste livro, ou não.
Se falo verdade é isso que importa.
Não
têm de tentar destruir o livro. Não interessa que procurem eliminar a
pessoa, renovando a ordem de me abater que foi dada em 1974.
O que têm é de provar que menti.
Porque se me acusarem de mentir, têm de provar a acusação.
Perante Deus e os homens
Nestas últimas páginas creio ter resumido, concretamente, o que ao longo deste livro fui provando.
O juízo final só pode ser um.
A
"descolonização original" constitui premeditado crime de traição, ao
serviço dos interesses de uma potência estrangeira, conduzido
metodicamente e agravando a honra das Forças Armadas que foram
ardilosamente manipuladas ou iludidas.
O Gen. Francisco da Costa Gomes foi o implacável e frio chefe do bando que executou essa acção.
A
ele pertence a responsabilidade por dezenas de milhar de mortes, por
centenas de milhar de desalojados e por milhões de pessoas escravizadas.
É culpado pelos sofrimentos, pelos vexames e pelos roubos de que tantos foram vítimas.
É culpado pela desonra que atingiu Portugal.
Não insulto nem ofendo.
Apenas digo a verdade que muitos podem confirmar.
Acuso serenamente e sem ódio.
Porque serenamente e sem ódio terá de ser julgado.
Todos os crimes do Gen. Costa Gomes foram praticados estando no activo como oficial do Exército Português.
As penas estão previstas no Código de Justiça Militar.
Nem escapará a esse julgamento dos homens e nem ao do juízo final.
Construiremos o Moçambique Novo
Não é por teimosia.
Não é só por acreditar no que desejo.
Tenho procurado ser realista e não correr atrás de aventuras.
Confio em que ainda seja possível que Moçambique se converta em terra de moçambicanos e deixe de ser colónia de intrusos.
Os desmandos, os abusos e os crimes avizinham-se do seu fim.
Surgem
movimentos nacionalistas redentores, cresce a resistência por toda a
parte e as gentes procuram conquistar o que lhes foi negado por uma
minoria que desprezam: a liberdade de viver sem terror e a independência
de disporem de si próprios.
"Frelimo" chegou a ser, para muitos, a palavra mágica que representava a esperança de se realizarem anseios de justiça.
"Frelimo" é, hoje, nome odiado por milhões de moçambicanos, depois de tudo quanto em seu nome foi cometido.
Em ambas as vezes se errou.
Não podemos praticar, na desilusão, o exagero que cometemos na esperança.
Na "Frelimo" estão muitos que sentem como todos nós sentimos.
É
grande o número dos seus militantes valorosos que já sofreram a
perseguição, o internamento, a tortura e a morte. Não transige, não
concorda e não serve os implacáveis colonialistass que adominam. Esses
bons nacionalistas também se sentem espoliados daquilo pelo que tantos
irmãos seus deram a vida.
É dentro de Moçambique que se haverá de erguer o clamor imparável da revolta. Não é de fora que isso se poderá realizar.
Todos
os movimentoss nacionalistas são dignos de encorajamento, quando não se
apresentem como capa de novos colonialismos. Quando sejam
autenticamente moçambicanos. Por isso, também a verdadeira "Frelimo"
nacionalista tem lugar nesse levantamento nacional que está próximo. Com
os seus quadros, com os seus soldados e com os postos de comando que
ocupam. O dever de todos os moçambicanos é o de estar prontos a
reforçá-los, distinguindo os irmãos dos "camaradas".
Na imagem: Carmo Jardim, em plano aéreo
Sobre
o sacrifício dos nossos mártires e sobre o sofrimento dos que tiveram
de abandonar a terra a que pertenciam, estou certo de que construiremos o
Moçambique Novo.
Onde se queime a bandeira da opressão para se
erguer a bandeira de Moçambique. Onde ninguém tenha de se envergonhar da
cor da pele e cada qual seja livre de praticar a sua religião. Onde as
tradições tribais sejam respeitadas no fortalecimento dos laços comuns
que cada vez mais nos unem. Onde voltemos a ser irmãos para deixarmos de
ser "camaradas".
Ninguém quer voltar para trás. Todos pretendíamos seguir em frente.
O
nosso exemplo multi-racial, em paz e harmonia, será a melhor arma para
destruir racismos que ainda nos rodeiam. Com o amor das novas gerações,
que têm de viver e confundir-se sem preconceitos, conseguiremos mais, do
que outros pretendem obter com o ódio e com as armas.
Os tiranos
não podem perdurar e, porque o sabem, tentam prolongar a ditadura
evitando que o Povo fale. Mas um povo não pode ser amordaçado. São
milhões de bocas a clamar por justiça e a exigir liberdade.
Não
se atrevem a perguntar-lhe a opinião. Não são capazes de fazer uma
eleição. Não ousam consentir a cada cabeça um voto porque sabem o que
todas as cabeças pensam. Não consentem o governo da maioria que para
outros dizem reclamar.
Os tiranos são do Maputo. Foram eles quem
escolheu o nome que lhes fica bem como apelido. O Povo não é Maputo. O
Povo é de Moçambique.
Os ditadores do Maputo, no seu desespero, espiam, perseguem e matam.
Todos sabemos os crimes que estão a cometer.
Não
percebem que por cada vítima que tombe aumentará o número dos
verdadeiros combatentes da liberdade. Abençoado seja o seu sacrifício e
que se converta no cimento indestrutível do Moçambique Novo.
Os
tanques russos não podem passar nas nossas picadas; as armas modernas de
nada servem contra as armas que não temos; a as nossas aldeias são
tantas que não há mercenários comunistas suficientes para as ocuparem.
Mas eles, que são poucos, podem ser alvo fácil para a resistência do
Povo, quando se desencadeie a sua revolta.
Por isso nunca se atreverão a ir mais longe. Já atingiram o máximo a que podiam chegar.
Daqui por diante só lhes resta recuar. Para embarcarem nos transportes de fuga que prepararam.
Nós seremos os que estão e os que voltam. Para fazer o governo da maioria dentro de Moçambique.
Regressarão
muitos, para todos nos ajudarmos. Para voltarmos a ter universidades,
escolas, hospitais, indústrias, portos, caminhos de ferro, estradas,
comércio e agricultura. Sobretudo para termos, finalmente, liberdade.
Para
isso contamos com a ajuda de todos. Sabemos que contamos com a
"Frelimo" nacionalista, que é tão moçambicana como nós o somos.
Confiamos na protecção dos soldados moçambicanos.
Surgem já raios de Sol a romper o fumo da queimada.
Em
breve veremos o céu que é azul. E essa será a cor da nossa bandeira. A
bandeira de Moçambique erguida pelo governo da maioria.
Sob essa bandeira espero ainda viver em Moçambique.
Tal
como eu, haverá muitos milhares que regressarão. Porque não sabem viver
noutra terra. Porque querem viver nessa a que pertencem.
Não
tornaremos a consentir que nos enganem, que nos dividam e que nos
escravizem. Os que queiram tentá-lo não terão lugar em Moçambique.
Aprendemos a conhecê-los. Eram só "camaradas", nunca foram nossos
irmãos.
O Povo poderá escolher. Por cada cabeça um voto. A pensar
cada um como quiser. O mundo ficará a saber o que queriam os
moçambicanos.
Neste livro contei uma história triste. Espero poder escrever outro a contar coisas diferentes.
Haverei de o fazer nesta terra em que quero viver e onde espero, um dia, vir a morrer.
Entretanto, a luta continua... E construiremos o Moçambique Novo (ob. cit., pp. 403-416).