Houve pessoas que não acataram as decisões do II Congresso
Em
1962, Feliciano Gundana chega a Tanzania e filia-se à União Nacional
Democrática de Moçambique (UDENAMO). Como chega à Frelimo?
A
Frelimo é o resultado dos três movimentos que existiam na época,
nomeadamente, UDENAMO, MANU e UNAMI. Portanto, a Frelimo é uma fusão
destes três movimentos que existiam. Aqueles que chegaram antes da
Frelimo, naturalmente, pertenciam aos outros movimentos de libertação ou
a nenhum movimento.
Como é que foi estabelecido o contacto entre estes três movimentos para a constituição da Frelimo?
O
contacto foi estabelecido pelos membros e pelos dirigentes, porque
quando a UDENAMO sai da Rodésia do Sul para Tanganhica, a maior parte
dos membros queria que o movimento se organizasse melhor. Militantes
foram enviados para Gana, para formação ideológica, no tempo de Kwame
Nkrumah. Entretanto, esses militantes, mais tarde, não se deram bem com a
direcção da UDENAMO, regressaram para Tanganhica. Por isso mesmo,
divididos como estávamos, a existência de muitos movimentos enfraquecia a
libertação do país. A preocupação era procurar todas as formas para
unir os moçambicanos, e alguns tiveram contactos com o Dr. Eduardo
Mondlane, quando estava ainda nos Estados Unidos da América. Primeiro,
ele veio a Moçambique com a família (esposa e filhos).
Como é que Eduardo Mondlane chega à Frelimo?
Quando ele vem a Moçambique, já tinha o plano de
se juntar ao movimento de libertação, porque, depois de ter estado em
Moçambique, quando regressa ao Estados Unidos, faz o trabalho que fazia
nas Nações Unidas, o que não permitia movimentação, muito menos
contactar os movimentos de libertação, e, portanto, procura trabalho na
Universidade de Siracusa, como professor. Depois disso, naturalmente, já
tinha mais facilidade para se movimentar e ausentar-se. No mês de Maio,
chega a Dar-es-salaam, onde manteve contactos com vários combatentes,
que viviam lá em vários campos cedidos pelo governo de Tanganhica.
Manteve encontros individuais com grupos, para ter informações frescas
sobre a situação de Moçambique. Igualmente, teve contactos com os
dirigentes dos movimentos de libertação que existiam lá, nomeadamente, a
UDENAMO e a MANU. Ele já conhecia o presidente Nyerere, conheceu-o
durante a ida de Nyerere às Nações Unidas, onde trabalharam juntos.
A
UDENAMO é descrita como sendo o movimento que tinha mais notoriedade no
período que antecedeu à criação da Frelimo. Quem eram os membros da
UDENAMO?
Os
membros da UDENAMO são vários, e muitos hoje já não estão entre nós.
Mas destacam-se o próprio presidente da UDENAMO, Adelino Guambe; Fanuel
Maxuzha, vice-presidente; Calvino Machaieie, secretário-geral; entre
tantos outros que estavam no campo de refugiados, que participaram nesse
movimento.
Relativamente
à constituição da Frelimo como frente de libertação, Jaime Nkamba diz
que o dia 25 de Junho de 1962 foi das eleições na Frelimo, mas a mesma
havia sido constituída em Acra, em Fevereiro de 1962. Confirma esta
afirmação?
A
Frelimo não foi constituída em Acra. A Frelimo foi constituída em
Dar-es-salaam, entretanto, antes do 25 de Junho de 1962, teve lugar em
Acra uma conferência dos combatentes da liberdade, e os membros da
UDENAMO foram convidados, nomeadamente, o Adelino Guambe. Nessa altura,
já decorria o trabalho de preparação da própria conferência constituinte
da Frelimo, e, por outro lado, aqueles que foram para a Acra já tinham
participado nessas reuniões. Portanto, a conferência constituinte teve
lugar após o regresso desses membros.
Mas foi em Acra onde se criou o nome Frelimo...
A
ideia foi criada em Dar-es-salaam, porque é onde havia a maioria dos
membros; é onde as discussões da unificação dos movimentos tiveram
lugar. Quando foram a Acra não era para criarem a Frelimo, era para
participarem na conferência dos combatentes. Por isso, a Frelimo é
criada no dia 25 de Junho de 1962, numa conferência constituinte...
Feliciano
Gundana disse, este ano, que houve um grupo de pessoas que tentaram
desestabilizar e inviabilizar a unidade na criação da Frelimo para lutar
pela independência nacional. Quem eram essas pessoas. Que motivações
tinham para o efeito?
Não
sei se foi exactamente isso. O que existiu foi que para os grupos de
militantes que chegavam, a preocupação maior que eles tinham era ter um
movimento forte, capaz de enfrentar a máquina opressiva colonial. É por
isso que estavam preocupados com a existência de muitos movimentos.
Portanto, a questão da unificação dos movimentos era o problema que
preocupava os militantes que iam chegando.
Feliciano
Gundana também afirmou que a UDENAMO não queria a união com a UNAMI e
MANU, e tentou desestabilizar um grupo de 50 membros da Frelimo que iam
treinar na Argélia, alguns dos quais acabaram por desertar do movimento.
Eles pensavam que a Frelimo era um movimento para produzir dinheiro e
beneficiar os membros. Costuma-se dizer que não há fumo sem fogo. O que
os levava a pensar dessa forma?
Sim,
talvez é a sequência das coisas. O que teria dito nesse encontro tem
que ver com os acontecimentos após o I Congresso. Portanto, realiza-se o
I Congresso entre 23 e 28 de Setembro de 1962. Logo que terminou o
congresso, muitos dirigentes da UDENAMO abandonaram a Frelimo. Nessa
altura, o presidente Mondlane já tinha regressado aos Estados Unidos,
depois de ter passado por Argélia para contactar o governo argelino,
missão essa que incumbiu ao camarada Marcelino dos Santos, para a
Argélia receber e treinar os combatentes. Portanto, esses combatentes
deviam vir através de Dar-es-salaam, que era a sede da Frelimo.
Portanto, os membros da direcção da Frelimo que estavam em Dar-es-salaam
deviam garantir e segurar a organização e preparação dos que deviam ir
para Argélia.
Quais eram as razões dos desertores?
É
nesse âmbito que aqueles que desertaram, os membros da direcção da
UDENAMO, quiseram ir com os outros, incluindo aqueles que faziam parte
deste grupo que devia ir para Argélia, para os treinos militares.
Entretanto, essa questão, felizmente, não aconteceu, consegui-se
ultrapassar a tempo e salvar-se o grupo (...). Penso que foi isso que eu
disse.
Pode
dizer-se que o surgimento da Frelimo foi um parto à cesariana, na
medida em que muitos conflitos surgiram internamente (...) o que
culminou com o encerramento do Instituto Moçambicano e abertura do
Centro de Formação do Tunduro. Quais foram as razões que ditaram essas
tensões no seio da Frelimo aquando da sua criação?
O
Instituto Moçambicano foi encerrado em 1968 e a Frelimo foi fundada em
1962... mas é evidente que tinha que haver isso, porque mesmo onde há
duas pessoas há sempre opiniões diferentes, e as pessoas não conheciam
ainda as actividades que deviam realizar na frente nem sabiam qual devia
ser o comportamento, a atitude perante o trabalho, a actividade que
deviam realizar, e foram surgindo opiniões diferentes e contradições.
Portanto, a Frelimo foi fundada em 1962 e iniciou a implementação do seu
programa aprovado no Congresso, nomeadamente, criar todos os meios para
libertar o país, sabendo que o governo colonial tinha forças armadas,
forças secretas, que desenvolviam a guerra com Angola, e que não se
podia esperar que dessem a independência de bandeja. Portanto, enquanto
se preparava a obtenção da independência por meios pacíficos, a Frelimo
foi-se preparando militarmente. É por isso que, menos de seis meses
depois do Congresso, o primeiro grupo foi enviado para Argélia, para os
treinos político-militares. Portanto, isto significa que aquilo que
foram decisões do Congresso (criar todos os meios para a obtenção da
independência de Moçambique o mais rapidamente possível) foi
implementado pela direcção da Frelimo, logo que terminou o Congresso.
Refere-se
que logo após esse período, criaram-se duas alas no seio da Frelimo:
uma militar, que participava nos treinos em Nachingwea; e outra
política, que tinha uma vida mais faustosa em Dar-es-salaam. Concorda?
Sim,
mas o meu problema é a maneira como essas épocas todas são misturadas.
Como eu disse, aquilo que foram os programas, decisões tomadas no
Congresso, foram sendo implementadas. Foi aberto o Instituto Moçambicano
porque havia muitos e muitos jovens que não podiam ir aos treinos
militares e deviam continuar os seus estudos (...). Portanto, essa
questão que levantou não foi exactamente isso, porque as alas foram
criadas. Há um grupo que eu disse que desertou, porque não queria estar à
frente, tanto mais que muitas pessoas, incluindo a direcção da UDENAMO,
pensavam que a Frelimo seria uma Frente que não haveria de dissolver os
movimentos de libertação que existiam; a Frelimo havia de angariar
meios materiais e financeiros que seriam distribuídos proporcionalmente,
de acordo com as necessidades dos movimentos de libertação (...). Mas
quando se aperceberam que não era esse o objectivo dos outros membros da
direcção da Frelimo, acharam que não tinham espaço...
Por
que é que houve preferência por Mondlane na liderança da Frelimo,
quando existia, por exemplo, Adelino Guambe, que era o líder da UDENAMO,
um dos movimentos com mais notoriedade naquela altura?
O
voto foi secreto. Os membros decidiram aquilo que acharam que seria
melhor para a organização, para o país, sobretudo para a direcção da
luta. Guambe eles conheciam, sabiam o que tinha feito e o que era capaz
de fazer, e conheciam também as pontencialidades do Dr. Mondlane, então,
optaram por ele.
Lopes Tembe diz que Adelino Guambe tinha características de ditador. Concorda?
Sim,
eu disse há bocado que os militantes preferiram o Dr. Eduardo Mondlane,
tinham solicitado o Dr. Eduardo Mondlane para vir dirigir o movimento
de libertação. Portanto, já havia uma preparação prévia da escolha que
devia ser feita. Não só características de ditador, aconteceram muitas
outras coisas, como, por exemplo, o Guambe tinha declarado que tinha 15
mil homens para invadir Moçambique como presidente da UDENAMO. Na
altura, quando declarou, foi antes da aprovação da República da
Tanzania, e isso criou um grande embaraço na segurança da Tanzania. Isso
fez com que Guambe fosse expulso de Tanzania e só voltou a entrar na
altura que estava a preparar-se a criação da Frelimo.
Onde é que estava Feliciano Gundana no início da luta armada para libertação nacional?
A
luta armada inicia a 25 de Setembro de 1964. Eu havia estado na
Argélia, nos treinos militares, fui no primeiro grupo. Os treinos
começaram em Janeiro e terminaram em Maio. Eu acabei por ficar lá, com o
camarada Milagre Mabote, para recebermos os outros grupos. Ficámos lá
mais um ano e só regressámos em 1964. Estive em Kóngoè e, depois, nos
escritórios centrais, no Departamento de Segurança e Defesa.
Teve
treinos militares na Argélia, tal como revelou, mas, durante a luta de
libertação nacional, qual foi o contributo que teve? Em que frente
esteve neste processo?
Como
eu disse, quando terminei os treinos, fiquei na Argélia e participei no
treinamento dos outros dois grupos que estiveram lá, como um dos
intérpretes de francês para português, porque o treino era dado em
francês. Portanto, fiquei eu e o Milagre Mabote. Acabei por ficar um ano
e três meses nos treinos militares. Quando regressei, estive no campo
de Kóngoè, campo de operação político-militar, e depois fui designado
pelo chefe do Departamento de Segurança e Defesa, Filipe Samuel Magaia,
para ir trabalhar com ele na área da defesa, concretamente no sector de
administração e finanças, no Departamento de Segurança e Defesa.
Aquando
da luta armada para a libertação nacional, vários brancos portugueses
aderiram aos ideais nacionalistas e filiaram-se à Frelimo. Como é que a
Frelimo conquistou a confiança destes brancos?
A
Frelimo conquistou a confiança desses camaradas por causa da justeza da
sua linha política. Portanto, as pessoas sabiam, quando aderiam à
Frelimo, qual é o trabalho a fazer; qual era o papel a desempenhar,
porque a Frelimo não só declarava que estava aberta a todos os
moçambicanos, sem distinção de raça, sexo, confissão religiosa, mas
praticava isso. É por isso que, naturalmente, todos viam que tinham
lugar na Frelimo. Quando se realizou o I Congresso, um dos documentos
que foi aprovado pelo congresso foram monções de apelo a todos os
moçambicanos para aderirem ao movimento.
Leo
Milas era um agente da CIA infiltrado para desestabilizar a Frelimo. A
dada altura, Eduardo Mondlane viaja e deixa Leo Millas com poderes para o
representar na organização. Quem era de facto Leo Millas? Qual era o
seu papel?
Não
foi exactamente a dada altura. Como eu disse, o Dr. Eduardo Mondlane,
depois de deixar as Nações Unidas, empregou-se na Universidade de
Siracusa, como professor, e veio ao Congresso. Era Professor ainda e,
quando termina o Congresso, ele volta aos Estados Unidos de América para
desfazer os seus contratos como Professor. Portanto, tinha-lhe sido
apresentado por Adelino Guambe o “moçambicano” Leo Millas, que estava na
América. Naturalmente, o movimento precisava de quadros para várias
tarefas e ele contactou Leo Millas para o deixar em Dar-es-salaam.
E qual foi o papel que ele tinha na organização?
(…)
o Leo Millas, foi descoberto mais tarde que na verdade não era
moçambicano, era um agente da CIA, e, portanto, estava a desestabilizar a
Frelimo, porque, quando chegou, tomou conta do Departamento de
Segurança e Defesa…
Por
que Mondlane ia confiar no Leo Millas para tomar conta de uma frente,
sendo ele um estrangeiro, um estranho, quando existiam outras figuras
internamente?
Sim,
mas a questão não era confiar em pessoas estranhas. Ele foi apresentado
por um moçambicano, aliás, Adelino Guambe era presidente da UDENAMO, e
esta já existia antes da Frelimo. Portanto, quando apresenta este
indivíduo, foi como se estivesse a apresentar tantos outros que foram
membros da UDENAMO, que, naturalmente, podiam aderir à Frelimo. Pensou
que fosse um moçambicano útil, que podia ajudar, participando no
movimento de libertação nacional. A questão não foi ele pegar num
estrangeiro e dar todas essas tarefas, não foi isso. Porque, além do Leo
Millas, havia muitos estrangeiros no Instituto Moçambicano, que eram
professores, e não exerciam nenhuma actividade política.
“Filipe Samuel Magaia foi barbaramente assassinado por um quadro da Frelimo”
Filipe
Samuel Magaia foi chefe do Departamento da Segurança e Defesa e teve
uma morte não muito clara. Refere-se que morreu em combate, levou um
tiro nas costas. Em que circunstâncias morreu, de facto, Filipe Samuel
Magaia?
Eu
viajei com Filipe Samuel Magaia da Beira até Dar-es-salaam. Estive com
ele na Argélia, era o chefe do primeiro grupo, e, mais tarde, quando
voltei a Dar-es-salaam, trabalhei com ele no Departamento da Segurança e
Defesa. Ele, como chefe do Departamento da Segurança e Defesa, tinha
muitas missões operacionais para o interior do país, e, numa das vezes
que foi para lá, em 1966, porque na altura estava a preparar-se a
estrutura de direcção da luta armada, o Estado Maior, como muitos
quadros não conheciam o teatro das operações no interior do país,
achou-se que fosse bem organizar uma visita às zonas de combate, para as
pessoas se familiarizarem com a situação, antes da criação dessa
estrutura de direcção da luta de libertação nacional (…) então ele é que
dirigiu esse grupo de quadros que foi a Niassa. Já no regresso, foi
barbaramente assassinado por um elemento infiltrado, que era nosso
quadro.
Quem era esse elemento?
Lourenço Matola.
Havia razões para Filipe Samuel Magaia ser uma pessoa não grata no seio da Frelimo?
Que eu saiba, não.
Feliciano
Gundana participava nos órgãos de decisão da Frelimo, nos congressos,
nos comités centrais. Como é que explica a sucessão de Filipe Samuel
Magaia no cargo?
A
sucessão do Filipe Samuel Magaia é a sucessão dos outros também.
Portanto, o órgão é que decide, neste caso o Comité Central, quem deve
estar, quem não deve estar, quem deve fazer o quê, e o presidente
designou-me, apresentou-me ao órgão e este aprovou. E houve muitos
outros casos, este não foi o primeiro. Sucedeu na educação, assuntos
sociais, informação, passaram vários quadros por esses organismos.
Avançando
já para 1978, na altura em que decorreu o II Congresso, consta que este
terminou em alvoroço e puseram-se em fuga. O que aconteceu exactamente?
No
ano de 2008 celebraram-se 40 anos da realização do II Congresso, com
uma grande actividade político-cultural na província do Niassa. Muitos
não conheciam o lugar do II Congresso, tinham dúvidas, pensavam que era
Tanzania, mas viram que era Moçambique. Portanto, o II Congresso
terminou, os portugueses bombardearam depois do congresso terminar. O
próprio congresso realizou-se num clima bastante controverso dentro da
Frelimo, principalmente por causa da gestão das zonas libertadas e o
comércio devia realizar-se nessas zonas.
Que medidas este congresso tomou para estancar esta conflitualidade que existia no seio da Frelimo?
O
congresso foi realizado, realmente, num momento crucial do
desenvolvimento da luta de libertação nacional e já com zonas
libertadas. Era o primeiro congresso que tinha lugar em Moçambique, e,
portanto, na altura, a guerra já havia avançado; já havia zonas onde a
Frelimo dirigia e onde já tínhamos esses problemas de exploração do
homem pelo homem, sobretudo apoderarem-se dos produtos das cooperativas e
tudo mais. Durante a preparação do congresso, houve grupos que se
recusaram a ir ao congresso, porque queriam que o mesmo se fizesse em
Cabo Delgado, e há outros que, mesmo depois de se realizar o congresso,
não aceitaram acatar as decisões. Mas o congresso teve representação de
todo o país, todos os quadros estavam lá, não só nacionais, mas também
estiveram muitos convidados estrangeiros. O congresso tomou decisões
importantes, como desenvolvimento das zonas libertadas; a guerra
prolongada, porque alguns pensavam que se podia concentrar as forças na
província de Cabo Delgado, porque já tínhamos zonas libertadas,
proclamar a independência e, a partir dali, apoiar os outros. Essas
ideias todas ficaram derrotadas e prevaleceu a guerra prolongada;
consolidar a unidade e o papel do destacamento feminino, mas havia
grupos que estavam contra. Com efeito, depois do II Congresso, a guerra
avançou tanto.
A guerra foi mais intensa e teve muita participação das massas...
Sim, o inimigo multiplicou as acções contra o movimento.
Em
1969 morreu Eduardo Mondlane, primeiro presidente da Frelimo, e Samora
Moisés Machel o substituiu. Houve alguma diferença no modelo de luta e
gestão política do movimento nesta transição de poder?
Samora
foi eleito pelo Comité Central. A luta é um processo e a Frelimo tinha
estruturas. Portanto, o Congresso reuniu-se, elegeu o Comité Central, o
qual elegeu o Comité Político Permanente, Comité Executivo. São órgãos
do dia-a-dia, que dirigiam o processo de luta de libertação nacional.
Portanto, a Frelimo tinha o princípio da direcção colectiva; fazer com
que todos os quadros participassem no processo de tomada de decisões,
através de realização de reuniões contínuas dos órgãos...
Isso para dizer que a gestão foi a mesma?
Não se pode dizer que é mesma
ou diferente, porque ela está condicionada aos problemas, às situações
que aparecem em cada momento e, portanto, já o Presidente Samora, quando
foi eleito, tinha sido retomada a luta na província de Tete. Só a
retomada da luta na província de Tete é um problema, porque tinha que se
criar condições, assegurar que os materiais chegavam lá e assegurar que
a abertura da frente de Tete não fosse temporária, mas definitiva.
Portanto, são novos problemas que aparecem, que exigem uma direcção
capaz de assegurar que não haja paralisação de algumas tarefas, e o
Presidente Samora realizou as tarefas necessárias na fase em que foi
eleito.
Em
1977, a Frelimo organiza o III Congresso, o primeiro após a
independência, que tomou várias decisões que mudaram radicalmente a
orientação política da Frente de Libertação de Moçambique. Como é que
perceberam essas opções?
Em
1977, de 3 a 7 de Fevereiro, em Maputo, realizou-se o III Congresso da
Frelimo, e o mesmo proclamou a construção do socialismo, que a Frelimo
seguia a orientação marxista-leninista. Mas essas decisões não aparecem
por acaso. Durante o processo da luta de libertação nacional, com o
crescimento da Frelimo, essas ideias já existiam, tanto mais que ao
nível das próprias forças de populares de Moçambique já havia comités do
partido, da vanguarda. Portanto, a Frelimo já falava da exploração do
homem pelo homem. Já era evidente que a independência que se queria em
Moçambique era uma independência ao serviço de todos. Porque a luta de
libertação nacional era para libertar a terra e os homens; criar as
bases para o desenvolvimento do país. Daí que foi a consumação do
processo de crescimento da própria Frelimo e dos seus militantes, era
uma necessidade naquela fase.
O IV e o V congressos foram decisivos para o abandono da orientação política marxista-leninista. Foi pacífica esta transição?
Não
é o abandono, os congressos têm um papel importante, porque são
momentos em que se faz o balanço do trabalho realizado no intervalo
entre dois congressos. Nesse balanço, naturalmente, é para se valorizar
os aspectos positivos, o bom trabalho que foi realizado, e,
naturalmente, para assegurar que esses aspectos positivos possam
prevalecer, combatendo aquilo que foram os aspectos negativos. Quando se
chega ao IV Congresso, a Frelimo, nessa altura, 1983, sentia a
necessidade de que era preciso empenhar-se na produção. Antes mesmo do
congresso, o Presidente Samora lançou a ofensiva política
organizacional, que apontava que o Governo não pode ocupar da agulha, da
linha, da cebola, da batata, do fósforo. O Governo deve ocupar-se das
grandes questões, dos grandes problemas, e libertar essas áreas para os
outros realizarem. Quando chega o IV Congresso, as ideias já estavam
claras de que mesmo os membros do partido podiam produzir nas suas
machambas; podiam ter duas ou três pessoas para ajudar a produzir,
porque era preciso combater a fome, a pobreza. Mas não se abandonou o
socialismo nessa altura.
Em
que momento se abandonou, se no V Congresso já estávamos praticamente a
caminhar para a implementação do Programa de Reabilitação Económica?
Sim,
o V Congresso teve lugar em 1989. Já no V Congresso, havia vários
problemas por se resolver, o primeiro congresso que se faz após a morte
do Presidente Samora. Portanto, no percurso do IV para o V congresso
houve várias transformações que ocorreram no país, e a Frelimo sempre
tem dito que é o partido das mudanças, de transformações, que se adapta à
realidade e procura os meios para realizar melhor os seus planos.
Está satisfeito com actuação da Frelimo hoje? 50 anos depois, qual é a avaliação que faz?
A
avaliação que faço tem que ser boa. Se a Frelimo conseguiu viver 50
anos, é porque é um partido maduro, tem uma linha política clara e a sua
justeza teve uma direcção clara. Soube enquadrar todos os moçambicanos
para as várias frentes, a frente de libertação nacional, a frente de
distribuição, a frente de produção.
Qual é o maior desafio da Frelimo hoje?
O
maior desafio continua a ser criar condições para que o povo viva
melhor amanhã. É por isso esse desígnio de acabar com a pobreza, porque a
Frelimo, já no seu I Congresso, dizia que quer construir um Moçambique
desenvolvido, próspero e forte.
Como perspectiva a Frelimo no futuro?
A
Frelimo é um movimento de massas. Hoje, a Frelimo tem cerca de 4
milhões de membros e essas pessoas o que é que querem na Frelimo? Querem
aquilo que sabem que só a Frelimo vai realizar, que é o bem-estar do
povo moçambicano. Se vermos as realizações feitas, podemos perceber e
ver facilmente que hoje temos um médico em todos os distritos, e em
alguns distritos temos mais que um médico. Depois, temos ensino
secundário em todos os distritos, era um sonho. No passado, não havia
isso. Nos tínhamos cerca de 600 mil alunos, quando se proclamou a
independência, mas hoje, há cerca de seis milhões. Quem fez essa
maravilha? É o povo dirigido pela Frelimo…
Qual foi o seu maior contributo nesses 50 anos?
O
maior contributo foi procurar, dentro das minhas capacidades, realizar
as missões que sempre me foram confiadas. Portanto, eu fui primeiro
secretário; fui governador; presidente da Assembleia, passei por várias
instituições…
Mesmo para terminar, de que geração deve vir o próximo presidente da Frelimo?
Penso
que há uma geração que não deve ter idade. A Constituição já tem limite
de cinco anos mínimos. A Geração da Viragem já tem 35 anos, mas essa
questão de sucessão, a Frelimo realizou isso sempre.
Quais devem ser as características do próximo presidente da Frelimo?
No
momento em que vai ser eleito, a Frelimo vai decidir, porque se trata
do candidato da Frelimo, não é o candidato da República. Portanto, a
Frelimo funciona através dos seus membros e órgãos. Órgãos competentes
devem aprovar as candidaturas. No momento oportuno vão aprovar e
anunciar qual é o candidato, e os militantes, naturalmente, vão
concordar, porque querem um candidato capaz de realizar as missões da
Frelimo nesta fase que estamos a atravessar e no futuro.
Leia mais na edição impressa o "Suplemento Especial- 50 anos- Frelimo "do «Jornal O País»