Terça-feira, 6 de Março de 2012
Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
“Os
Estados Unidos vão garantir a assistência necessária para que todas as
vozes do povo angolano sejam ouvidas na preparação das próximas eleições
gerais em Angola”.
Quem
o escreve, ipsis verbis, é a Lusa. Registo isso porque a agência
oficial do regime português, irmão se sangue do angolano, fala na
garantia para que todos sejam ouvidos na preparação das eleições. Se não
me engano, preparar é uma coisa, participar é outra.
Diz
também a Lusa, uma agência com altíssimos serviços prestados ao regime
do MPLA, que a garantia foi dada hoje em Luanda pela subsecretária de
Estado norte-americana para os Assuntos Políticos.
"É
muito importante que Angola realize eleições e vou conversar com
membros do governo, sociedade civil e partidos políticos para saber o
seu ponto de vista sobre as eleições. Os Estados Unidos darão toda a
assistência que for necessária para que todas as vozes sejam ouvidas e o
povo de Angola tenha eleições onde as suas vozes sejam ouvidas", disse
Wendy Sherman.
Bem
vistas as afirmações, o que Wendy Sherman disse não é exactamente o que
a Lusa escreve. Mas também é certo que a agência portuguesa está em
Angola apenas para reproduzir o que o regime quer.
Mas
falemos de eleições em Angola. Se os oitenta e tal por cento
conseguidos nas eleições anteriores não chegaram para o MPLA se lembrar
dos angolanos, creio que é bom que o povo lhe dê nas deste ano aí uns
110%.
110%?
Sim, claro. E ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de
felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política
internacional, já devem estar escritos.
Todos
se recordam, embora poucos se atrevam a dizê-lo, que o Presidente
angolano, não eleito e há 32 anos no poder, José Eduardo dos Santos,
disse no dia 6 de Outubro de... 2008, que o Governo ia aplicar mais de
cinco mil milhões de dólares num programa de habitação que incluia a
construção de um milhão de casas.
A
construção de um milhão de casas para as classes menos favorecidas de
Angola e jovens foi, aliás, uma das promessas da então campanha
eleitoral mais enfatizadas pelo Presidente da República de Angola e do
MPLA, partido que governa o país desde 1975.
José
Eduardo dos Santos admitia, modesto como é, que "não seria um exercício
fácil", tendo em conta que o preço médio destas casas, então calculado
em cerca de 50 mil dólares. Apesar de tudo, com a legitimidade eleitoral
de quem só não passou os 100% de votos porque não quis, assegurou que
"já se estava a trabalhar" nesse sentido. Foi em 2008.
"O
objectivo dessa estratégia é proporcionar melhor habitação para todos,
progressivamente, num ambiente cada vez mais saudável", disse Eduardo
dos Santos. Não sei se ainda alguém se recorda disso... Mas se não se
recorda, este ano voltará a ouvir a mesma história.
Por
ouvir ficará uma outra face do país. Ou seja: que 68% dos angolanos são
afectados pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira
mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças.
Ou
ainda: que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente
44% dispõe de saneamento básico; que apenas um quarto da população
angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos,
são de fraca qualidade; que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e
85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao
nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de
medicamentos.
Ou
também que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente
entre as mulheres, que 45% das crianças angolanas sofrerem de má
nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de
atingir os cinco anos; que a dependência socioeconómica a favores,
privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os
angolanos.
* Orlando
Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das
ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas
por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo
estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: SEM COMIDA E SEM MEDICAMENTOS