... E, finalmente, na manhã de
terça-feira, 10 de Setembro, ao que se julga por não terem recebido o apoio que
pretendiam do presidente Spínola, os revoltosos rendem-se. Mas não o fizeram
facilmente. Foi primeiro necessário
recuperar o aeroporto de Lourenço Marques, os GTT e a refinaria. Foi
também necessário o cansaço das centenas de manifestantes brancos que se
mantinham frente ao Rádio Clube, pois a situação era de impasse, ao mesmo tempo
que o descalabro violento que se vivia em toda a cidade começava a fazer recair
em si a maioria dos habitantes brancos, que reconheciam finalmente terem sido
empurrados para uma aventura de terríveis consequências, por um grupo de
indivíduos que soubera explorar o estado emocional criado nas horas que
antecederam a assinatura do acordo de Lusaka.
Antes de se
entregarem — alguns deles — à Polícia de Segurança Pública (e fizeram questão de que
fosse à PSP), os rebeldes emitiram um apelo final através da Rádio, para que as
Forças Armadas portuguesas «mantivessem
Moçambique livre». A seguir, ouviram--se os acordes do hino nacional, no
fim do qual o major Tavares, comandante da
Polícia, leu uma proclamação à população, dando-lhe conta da rendição
dos insurrectos.
Segundo os revoltosos comunicaram
também através da Rádio, rendiam-se exclusivamente para evitar «que corresse
mais sangue na cidade e subúrbios». Saem então os cabecilhas que haviam
dado o rosto, não se sabendo bem para onde, e é a partir daí que os «Dragões da
Morte» surgem nos subúrbios, disparando de dentro de carros,
indiscriminadamente, contra negros
indefesos.
Já ao fim da manhã desse mesmo dia, e
enquanto se desconhecia o paradeiro dos cabecilhas do golpe, vários jornalistas
locais teriam visto indivíduos suspeitos a saírem furtivamente de um hotel da
cidade, indivíduos esses que teriam confessado pertencerem ao comando da
MOLIMO, mas que também pediram aos jornalistas que não divulgassem a notícia
do seu paradeiro antes das duas horas da tarde.
De Lisboa, parte para Lourenço Marques,
no dia 10 à noite, o alto-comissário do Governo Provisório português
junto do Governo de Transição a nomear pela FRELIMO, contra-almirante Vítor
Crespo, que à partida declara a firme disposição de instalar a ordem em
Lourenço Marques e de punir severamente os incriminados na revolta.
Começa entretanto a falar-se em mais de
uma centena de mortos e quase meio milhar de feridos que se estariam a registar
nos subúrbios da cidade, enquanto no Norte, na linha férrea que liga a cidade
da Beira ao Malawi, um comboio vai pêlos ares ao fazer accionar uma mina, dez
quilómetros ao Norte de Inhaminga e a cento e cinquenta da cidade da Beira. Uma
outra composição ferroviária é atacada a tiro ao entrar na estação de Sena,
localizada a quarenta e quatro quilómetros da fronteira com o Malawi.
Isto, apesar do acordo de Lusaka e
apesar do cessar-fogo proclamado por Samora Machel, que viria a repudiar a
responsabilidade da FRELIMO nesses ataques,
imputando-os a reaccionários brancos, ou a negros chefiados por brancos.
E de novo voltam aos espíritos de todos aquelas notícias postas a circular
sobre os grupos de mercenários a soldo de Jorge Jardim, que estariam a actuar
em Vila Pery.
Os dias que se
seguem em Lourenço Marques continuam a ser de certa agitação, se bem que a acção das
autoridades militares, em colaboração, já, com alguns elementos da FRELIMO
(estes são apontados como implacáveis na
forma como reprimem qualquer acto de vandalismo praticado por negros ou por brancos) consiga gradualmente impor a
ordem. Nunca se chegará a saber ao certo qual o número de vítimas que a
tragédia provocou. Estatísticas oficiais falam de menos de uma centena de
mortos, e cerca de duzentos e cinquenta feridos.
As agências internacionais de
informação, contudo, referem-se a mais de uma centena de mortos e quase um
milhar de feridos. No campo económico, ficou
a desolação. A retaliação dos negros face à violenta investida dos racistas
brancos praticamente nada deixou inteiro na Avenida do Brasil, onde estava
instalado o principal parque industrial da cidade. Fábricas destruídas e incendiadas, viaturas danificadas e irrecuperáveis — em
resumo: uma economia paralisada. E é esta a
herança que o governo chefiado por Joaquim Chissano, o número três na
hierarquia da FRELIMO, recebe a 25 de Setembro.
Até lá,
verificara-se a ponte-aérea entre
Dar-es-Salaam e Lourenço Marques, para transporte de tropas da FRELIMO, que
passaram a colaborar directamente com as tropas portuguesas no controle da
situação.