Cartas recebidas de Lourenço Marques
por este autor são o melhor testemunho que ele pode emprestar a este
documento, acerca da forma como decorreu a colaboração. Eram militares da
FRELIMO e do Exército Português a ajudar os proprietários rurais na reconstrução dos seus celeiros, das
suas casas, na recuperação do gado e das colheitas quase destruídas pela
onda de violência; era a colaboração muito especial dos elementos da FRELIMO na
repressão ao banditismo que naqueles dias
grassou abertamente. Ao comerciante e agricultor branco de Lourenço
Marques e seus arredores bastava o recurso às gentes da FRELIMO para que a sua segurança, se estivesse ameaçada, fosse
imediatamente assegurada.
Mas talvez que para elucidar sobre a
confusão que inicialmente se espalhou, possamos relatar aqui a «aventura» de
que foram protagonistas dois agricultores da região de Marracuene. Passada a onda de violência, Jacob,
agricultor de Marracuene, zona vizinha de Lourenço Marques, dirigiu-se às suas
terras na companhia de quatro militares e de um outro agricultor, cujos
terrenos confinavam com os seus.
Ao aproximarem-se
da herdade, um numeroso grupo de trabalhadores negros que se entregava a um festim, assando porcos e bebendo lautamente, reconheceu
o «jeep» do agricultor Jacob e correu ao seu encontro, de catanas e varapaus em
punho. Ao depararem com os militares
armados, porém, recuaram e atiraram com as armas para o capim.
Inspeccionados aqueles terrenos, passaram à herdade do outro agricultor, onde
militares e proprietários se entregaram então à tarefa de recolher as centenas de sacos de milho que os trabalhadores negros
haviam retirado do armazém e escondido na mata.
Estavam nesta tarefa,
quando são abordados por um destacamento da Polícia Militar de Lourenço
Marques — que também os ajuda. Subitamente, é descoberto o cadáver de um negro,
já em decomposição. O sargento da polícia
militar quer saber «quem fez aquilo». Ninguém consegue dar uma resposta.
E aos quatro militares (que pertenciam a um
destacamento instalado em
Vila Luísa, a 25 quilómetros de Lourenço Marques) bem como aos dois
agricultores, é dada voz de prisão. São levados para a capital e encarcerados
no quartel da Polícia Militar.
Só vinte e quatro horas depois a mulher
do Jacob sabe do paradeiro do marido. Tenta
visitá-lo no quartel da PM mas não lho permitem. O marido estava incomunicável! Acusado de assassínio!
Corre ao
Governo-Geral, e expõe a situação. Dali, com uma carta escrita
pelo punho de um oficial superior, desloca-se a Vila Luísa e avista-se com o
capitão que comandava o destacamento militar a que pertenciam os soldados presos
juntamente com o marido. O capitão não quer acreditar. «Que é isto? Tropa a
prender tropa?»
Na manhã seguinte, Jacob e o outro
agricultor, bem como os quatro militares, são postos em liberdade.
À data em que o
autor escreve estas linhas, decidiu Jacob já, contrariamente àquilo a que estava
decidido, não se refugiar na África do
Sul. E para Lisboa envia cartas em que fala da sua esperança no futuro, agora
que, com a ajuda de elementos da FRELIMO e
do Exército português, conseguiu recuperar grande parte das duzentas
cabeças de gado que possuía e tem os seus celeiros e currais em reconstrução.
Menos de
um mês se passou sobre
os acontecimentos de Lourenço Marques. Em Lisboa, vinte e quatro
horas depois de a «maioria silenciosa» ter sido definitivamente silenciada,
afirma-se1 que o acto desesperado levado a efeito pela MOLIMO em
Lourenço Marques estaria programado para 28 de Setembro, em sincronia com a
contra-revolução tentada na capital
portuguesa. Mais: sugere-se que apesar do acordo de Lusaka, não seria
intenção do comando da MOLIMO levar a efeito o golpe de posse sobre o Rádio
Clube de Moçambique. Que esse «comando» teria sido «empurrado» pela força da
multidão, e que só depois de estar no interior do edifício onde funcionava o
RCM decidiu levar a sua acção para a frente.