domingo, 29 de abril de 2018

Partilha de responsabilidades: Quem é o primeiro?

De visita a Londres, na semana passada para a cimeira da Commonwealth, o Presidente Nyusi trouxe um novo elemento na posição do governo sobre a problemática das dívidas ocultas. Deve haver uma partilha de responsabilidades com os credores, disse ele, acusando estes últimos de terem emprestado dinheiro a Moçambique, sabendo que o país, por ser pobre, nunca estaria em condições de pagar a dívida. O que se pode subtrair no subtexto desta mensagem presidencial é que os credores agiram de má-fé. Depois de ter afirmado haver indícios de práticas criminais, depois de toda a insistência sobre a separação de poderes, Nyusi decidiu agora aumentar a temperatura e pôr os seus interlocutores de sobreaviso, e colocá-los na defensiva. É uma estratégia bem calibrada visando desarticular os credores e obrigá-los a aceitar as propostas do governo para uma maturação mais longa, e com prestações e taxas de juro mais baixas. Visivelmente irritado e nervoso, Nyusi questionou retoricamente se ao concederem os empréstimos, os credores não sabiam que estavam a lidar com um país pobre, que não seria capaz de pagar as suas dívidas. Sendo Londres uma das principais placas giratórias da finança mundial, Nyusi não teria escolhido melhor lugar para transmitir a sua mensagem, na expectativa óbvia de que ela seja ouvida não só pelos gestores dos bancos envolvidos, mas também pelos seus respectivos acionistas e reguladores nas praças europeias onde os bancos actuam. Os acionistas terão (se é que ainda não o fizeram) de questionar os seus gestores sobre a não observância de critérios rigorosos de due dilligence perante o pedido de um país que claramente não estava em condições para honrar tão elevados compromissos a curto prazo. Esta será também a linha de actuação por parte dos reguladores, mas estes irão mais a fundo, questionando possíveis actos de branqueamento de capitais, em violação das legislações em vigor nos seus países. Mas a questão que se deve colocar é se Nyusi terá conseguido alcançar esses objectivos sem se embaraçar a si próprio, sem criar a imagem de um governo com uma mensagem pateticamente desarticulada, e de um Estado moçambicano incapaz de se assumir como um actor responsá- vel no concerto das nações. Moçambique não foi obrigado a contrair os empréstimos. Fê-lo por vontade própria. Agora, aqueles que se predispuseram a ajudar o país transformaram-se em vilões. No meio de negociações sensíveis, em que o governo procura encontrar uma solução justa e equilibrada junto dos credores, menos no interesse destes do que de Moçambique, a declaração do Presidente Nyusi deve ter constituído um enorme embaraço para todos aqueles que estão empenhados neste processo, incluindo o seu próprio Ministro das Finanças. Exigir responsabilidades partilhadas requer, em primeiro lugar, que o governo assuma as suas responsabilidades. O relatório de auditoria levanta questões sobre as quais os auditores nunca receberam explicações plausíveis. Uma delas tem a ver com os 500 milhões de dólares sem um rasto contabilístico. A outra questão está relacionada com transferências feitas a partir da conta do fornecedor, nos Emirados Árabes Unidos, para contas em Moçambique, apesar do contrato de financiamento estipular expressamente que nenhuns fundos resultantes dos empréstimos deveriam ser canalizados para Moçambique. Parte destes montantes foram transferidos para contas, em diversos bancos locais, de indivíduos cuja ligação com as três empresas nunca foi esclarecida. Estas são algumas das constatações dos auditores, sobre as quais explicações plausíveis, apesar de solicitadas, nunca foram disponibilizadas. Em alguns casos, elas reflectem uma clara violação dos acordos assinados com os credores. O governo tem estado a insistir para que os devedores do já defunto Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD), também conhecido por 7 milhões, paguem o que devem ao Estado. Não constituirá surpresa que eles também venham a acusar o governo de “má-fé”, ao lhes ter concedido os empréstimos, mesmo sabendo da sua precária capacidade de restituição. P

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