- O estudo explica ainda que o grupo surge no norte de Cabo Delgado, primeiro como um grupo religioso e, em finais de 2015, passa a incorporar células militares
De 5 de Outubro de 2017, dia do primeiro ataque atribuído a um grupo com inspiração ao fundamentalismo islâmico, o norte de Cabo Delgado não consegue mais encontrar espaço para tranquilidade e segurança públicas. Pior é que ninguém conseguiu ainda explicar, objectivamente, a proveniência, a fonte de financiamento, o treinamento militar, os reais interesses que o grupo persegue, entre outras perguntas que continuam a ser feitas em torno dos ataques que têm estado a acontecer no norte de Cabo Delgado. Na perspectiva de ajudar a entender alguns contornos, respondendo a algumas perguntas colocadas, o Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE) e o Mecanismo para o Apoio à Sociedade Civil (MASC) decidiram avançar com uma pesquisa exploratória que incidiu sobre a análise bibliográfica e ainda um intenso trabalho de campo.
Uma das respostas encontradas no trabalho de campo foi a que traz a revelação segundo a qual, internamente, o grupo ou os grupos que semeiam terror estejam a ser treinados por antigos agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), expulsos da corporação por comportamento e atitudes incompatíveis à função.
Assinado pelos pesquisadores Saíde Habibe, Salvador Forquilha e João Pereira, o estudo indica que fora das fronteiras nacionais, o grupo é treinado por várias milícias, particularmente da região dos Grandes Lagos. “De acordo com fontes locais, havia dois tipos de campos de treinamento: internos: no distrito de Macomia (Mucojo); em Mocímboa da Praia (particularmente nos quintais das casas dos líderes do grupo); em Montepuez (Namanhumbir); externos: na Tanzânia (Kibiti) e na região dos Grandes Lagos” – refere o estudo, acrescentando e especificando que “internamente eram treinados por agentes da PRM expulsos da corporação e agentes de guarda fronteira; fora do país eram treinados por milícias, particularmente, na região dos Grandes Lagos”.
Do ponto de vista de treinamento externo, acrescenta a pesquisa “os chefes das milícias eram contratados pela rede de Al Shabaab da Tanzânia, Quênia e Somália para dar treinamento aos recrutas que saíam da zona Norte de Moçambique e, em troca, os chefes das milícias recebiam valores monetários”. A ideia da pesquisa exploratória é que sirva de base para um estudo mais elaborado e aprofundado, tudo na pespectiva de buscar-se respostas para perguntas mais profundas que são colocadas em relação aos ataques e insegurança generalizada que se instalou nos distritos do norte de Cabo Delgado, incluindo o actual e futuro coração económico do país, o distrito de Palma, onde estão a ser investidos biliões de dólares norte americanos no âmbito da exploração da considerável quantidade de hidrocarbonetos disponível.
A pesquisa explica ainda que o grupo surge na zona norte de Cabo Delgado, primeiro, como um grupo religioso e, em finais de 2015, passa a incorporar células militares. Aliás, acrescenta, inicialmente, o grupo era conhecido por Ahlu Sunnah Wa--Jamâ, que na língua árabe significa “adeptos da tradição profética e da tradição”.
Na opinião do grupo, as comunidades locais não estavam a praticar um Islão que fosse da linha do Profeta Muhammad. Apesar desta ideia, os pesquisadores entendem que o grupo não tem uma doutrina bem elaborada, mas possuem uma propaganda baseada na necessidade da “recuperação dos valores tradicionais do Islão”“
Para o grupo, o Islão actualmente praticado nas mesquitas locais é um Islão degradado. Por isso eles entram nas mesquitas calçados e munidos de armas brancas e acabaram por criar seus próprios espaços de culto; o não reconhecimento das estruturas do Estado; implantação da Sharia” – refere a pesquisa.
O grupo é, maioritariamente, constituído por jovens islâmicos oriundos de Mocímboa da Praia e distritos circunvizinhos, tendo as populações locais passado a chamar o grupo por “Al Shabaab”, que quer dizer (em árabe) juventude.
MEDIA FAX – 30.04.2018
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