O MPLA acaba de aprovar a realização de um Congresso Extraordinário, a fim de eleger João Lourenço como presidente do MPLA. Agora que vai abocanhar mais um pedaço de poder, somos forçados a pensar nas más decisões que Jlo tem tomado, como é o caso da promoção de dois reconhecidos torturadores no SIC: Fernando Receado e Ngola Kina. Esta promoção é um sinal dissonante e preocupante do presidente e um alerta para todos.
por PAULO ZUA
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O MPLA acaba de aprovar a realização de um Congresso Extraordinário para a primeira quinzena de Setembro de 2018, a fim de eleger João Lourenço como presidente do MPLA. Acaba a “bicefalia” – que na verdade nunca existiu – e Lourenço é entronizado como o grande líder de Angola. Ao mesmo tempo, por estes dias têm abundado as declarações de basbaques internacionais a elogiarem João Lourenço. Muitos destes “especialistas” são os mesmos que juravam pela excelência da gestão de Manuel Vicente na Sonangol. A gestão que levou a firma à falência. Não aprendem.
A verdade é que a prestação de João Lourenço é, até ao momento, ambígua. Tomou medidas boas e medidas más. Muitas têm sido contraditórias com a retórica presidencial, por isso há que ter muita cautela com as análises apaixonadas.
Um exemplo gritante das más decisões que têm sido tomadas é a promoção de dois conhecidos torturadores no SIC. Fernando Manuel Bambi Receado foi nomeado para o cargo de director provincial do Serviço de Investigação Criminal de Luanda, em substituição de António Pedro Amaro Neto. E Lourenço Ngola Kina foi designado como director provincial do SIC-Uíge.
Como se sabe, atendendo à consagração imperial na Constituição da figura do presidente da República, este é responsável por todas as nomeações, sendo os seus ministros meros auxiliares. Assim, é o próprio João Lourenço quem dá o aval a estas nomeações surpreendentes.
Recordemos o papel destes polícias. Fernando Receado era chefe do Gabinete Central de Operações do SIC a nível nacional, e Ngola Kina, director-adjunto de operações em Luanda quando ocorreram as matanças indiscriminadas descritas do relatório de Rafael Marques “O CAMPO DA MORTE RELATÓRIO SOBRE EXECUÇÕES SUMÁRIAS EM LUANDA 2016-2017”. (https://www.makaangola.org/files/OCampodaMorte.pdf)
Não deixemos que Lameth – fuzilado na casa de banho à queima-roupa, com um tiro do lado direito da cabeça e outro da testa, no canto onde estava de cócoras – seja esquecido. Nem esqueçamos Fernando, a quem um dia o SIC apareceu em casa com o filho algemado e severamente torturado, todo ensanguentado, com olhos de tal modo inflamados, que nem conseguia abri-los. E ainda António Matias, atingido com um tiro no nariz depois de ser torturado no SIC.
Em relação a estes e outros casos de tortura e assassinato pelos agentes do SIC, as testemunhas e interessados não têm dúvidas em afirmar que o comando da Polícia sabe quem fez o trabalho. Dito de forma mais clara: Receado e Kina sabem tudo e são responsáveis, pelo menos moralmente e por omissão, pelos assassinatos e torturas.
Noutro caso, o do pastor Daniel Cem (https://www.makaangola.org/…/um-juiz-anormal-a-insanidade-…/), João Dala e Garcia Dala contam que foram directamente torturados por Fernando Receado e Ngola Kina. (https://www.makaangola.org/…/adventistas-o-julgamento-biza…/ e https://www.makaangola.org/…/sic-submete-cidadao-a-tortura…/)
Sobre a tortura a que foram sujeitos, ficam as suas palavras: “O chefe de operações do SIC optou antes pela tortura do pénis. (...) O chefe Fernando Receado foi quem pessoalmente amarrou o fio no meu pénis e foi o primeiro a começar a puxar e a correr comigo à volta da sala, enquanto o pastor Daniel Cem e o irmão diziam que eu falaria rápido e todos se riam. (...) Os chefes da investigação e os acusadores revezaram-se então, solidariamente, a torturar.”
E acrescenta um deles: “Então, o Ngola Kina propôs um outro método de tortura. Puseram-me um pedaço de cobertor preto, que usavam como pano de chão, nas costas. Despejaram-me água fresca e começaram a torturar-me com o lado da catana (...). O superintendente Fernando Receado foi o que mais me espancou.”
Não são conhecidos quaisquer inquéritos, investigações, ou sequer averiguações, em resultado da publicação do relatório sobre as execuções sumárias perpetradas por agentes às ordens de Receado e Kina, ou da divulgação do caso dos Dala.
O que se sabe é que estes dois torturadores angolanos receberam um prémio do novo presidente João Lourenço: a promoção. Como é sabido, Lourenço tem sido dextro em exonerações e instauração de inquéritos. Não se percebe como é que, neste caso, em vez de instaurar inquéritos, recompensa os prevaricadores.
Todos adivinhamos que João Lourenço quer cair nas graças dos norte-americanos para voltar a ter dólares em circulação sem restrições. É por isso que inventou aquele programa de cooperação com o FMI. Contudo, tal não basta. Ainda recentemente, o Departamento de Estado norte-americano, no seu relatório de Direitos Humanos 2017 (https://www.state.gov/…/…/hrrpt/humanrightsreport/index.htm…), acusa Angola de ter formas de punição cruéis em que abundam casos de tortura e espancamento, que em casos alguns terminam em morte.
É que, para voltar a ter dólares, não basta o FMI, é preciso acabar com o comportamento arbitrário e brutal das autoridades. Parece que é isto que João Lourenço não percebe.
Em suma, a promoção de torturadores é um sinal dissonante e preocupante acerca de João Lourenço. Perante esta iniciativa, somos todos forçados a questionar as reais intenções do presidente, agora que ele vai abocanhar mais um pedaço de poder.
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