segunda-feira, 10 de junho de 2013

Médicos da velha-guarda alertam a Guebuza

  Médicos da velha-guarda alertam a Guebuza  
“O recurso a estudantes é uma
solução perigosa e enganosa que
pode levar a erros graves
e irreparáveis”
O Canalmoz reproduz aqui, na íntegra, a carta dos médicos mais antigos e fundadores do Serviço Nacional de Saúde dirigida ao chefe de Estado
“Lamentamos a campanha de desinformação levada a cabo pelos órgãos de informação públicos (que vivem a custa dos impostos dos contribuintes) e de algumas autoridades que tentam minimizar a gravidade da situação, ocultar os problemas existentes…” lê-se na carta subscrita pelos médicos especialistas
Maputo (Canalmoz) – Ao fim da terceira semana consecutiva da greve dos médicos, os médicos especialistas, de entre eles antigos ministros da Saúde e o antigo primeiro-ministro, Pascoal Mucumbi, escreveram uma carta aberta ao chefe de Estado alertando sobre os perigos que a greve representa para a maioria dos moçambicanos.
Na carta que o Canalmoz é o primeiro órgão de informação a reproduzi-la na íntegra, os médicos fundadores do Serviço Nacional de Saúde criticam como o Governo está a encarar a greve – desinformação, tentativa de minimiza-la, recurso a estudantes e voluntários – assim como criticam igualmente a forma como o Governo lida com o sector da Saúde.
Falam do orçamento da Saúde a reduzir 50% nos últimos anos, profissionais de saúde subvalorizados em comparação com os dos outros sectores e apelam directamente ao chefe de Estado para intervir.
O Canalmoz reproduz, na íntegra, a carta subscrita por mais de 80 médicos, de entre eles Pascoal Mocumbi, médico e ex-primeiro-ministro.
“Carta Aberta ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República de Moçambique”
Excelência
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), conquista do povo moçambicano e da Independência de Moçambique, foi criado para dar a cada moçambicano o direito à saúde, direito este consagrado na Constituição da República de Moçambique.
Ao longo dos anos, o SNS foi crescendo, novos quadros foram criados, tornando o acesso à saúde uma realidade, antes não concedida para muitos moçambicanos. Porém, esta conquista só foi possível graças à conquista, dedicação de muitos profissionais de saúde tendo-se tornado estas vitórias o espelho das conquistas da Frelimo e a imagem de um governo preocupado em servir o povo.
Os trabalhadores do SNS – médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos, serventes e outros – são o pilar do SNS. Todavia, o empenho destes profissionais na luta contra a doença, componente inseparável da luta contra a pobreza, requer condições dignas de trabalho e de vida.
Desde a criação do SNS os profissionais de saúde estiveram em todo o País, nas áreas mais remotas, enfrentando situações de guerra e de calamidades naturais, dedicando todo o seu esforço para melhor servir o povo.
Ao longo dos anos, e ao contrário do que se verificou em outros sectores, as condições de trabalho e de vida destes profissionais de saúde foram-se deteriorando acentuadamente, com faltas básicas de medicamentos e equipamentos nas Unidades Sanitárias, com condições de habitação péssimas, sobretudo para os jovens médicos e para os pós-graduandos, e com salários de miséria. Com efeito, o orçamento do Estado para a Saúde, no decurso dos últimos seis ou sete anos, diminuiu em cerca de 50 por cento, em alguns outros sectores, de muito menor relevância social aumentou em 10 vezes, 1000 por cento (mil por cento)!!!! Isto demostra o grau de prioridade que o governo coloca ao sector da Saúde.
Estas preocupações há muito que vêem sendo reiteradamente apresentadas àqueles que dirigem o País. Porém, lamentavelmente, a resposta tem sido sistematicamente o silêncio. Como consequência, os profissionais de saúde sentem-se desconsiderados, injustiçados, desmoralizados e revoltados, pela falta, por parte das autoridades, de uma resposta que vá ao encontro das suas preocupações e que reflicta reconhecimento do valor do seu trabalho e do seu esforço. Este estado de coisas conduziu à forçada situação que temos vivido nos últimos meses de greve e revindicação, que, se é justíssima e legítima para os profissionais de saúde, é dura e penosa para a maior parte dos cidadãos que dependem unicamente do SNS.
Preocupados com esta situação, os médicos mais antigos no SNS, muitos dos quais seus fundadores, vêem com muita apreensão a situação vivida nos últimos dias nas Unidades Sanitárias do País, reflexo do estado de total desespero e profundo desânimo vivido pelos profissionais de saúde de todas as categorias. Este estado de espírito pode conduzir a comportamentos irreflectidos e a excessos, tal como o acontecido nos últimos dias no Hospital Geral José Macamo, que não subscrevemos, mas que consideramos de total responsabilidade dos funcionários do governo que se têm multiplicado em informações enganadoras, falsas e desrespeitosas para o conjunto dos trabalhadores de saúde.
Assim:
1. Como médicos mais antigos deste País e membros da Associação Médica de Moçambique (AMM), consideramos que as reivindicações apresentadas e a greve são justas e legítimas, aliás, legitimidade publicamente reconhecida pelo governo, mas isso não basta para a solução do problema.
2. É com perplexidade, indignação que assistimos a situações de coação, intimidação, demissão e repreensão exercidas sobre profissionais de saúde envolvidos na greve, medidas estas totalmente contraditória com o reconhecimento da sua legitimidade, não aceitáveis num estado de direito e que só contribuem para o agravamento da situação.
3. Associamo-nos à Ordem dos Médicos de Moçambique e a outras instituições no repúdio à detenção do presidente da AMM, Dr. Jorge Arroz.
4. Saudamos a dedicação e a coragem dos médicos mais jovens, em particular a Direcção da AMM, pela forma como tem conduzido a luta para melhorar as condições de vida e de trabalho dos seus associados e assim engrandecer e fortalecer o SNS.
5. Lamentamos a campanha de desinformação levada a cabo pelos órgãos de informação públicos (que vivem à custa dos impostos dos contribuintes) e de algumas autoridades que tentam minimizar a gravidade da situação, ocultar os problemas existentes e denegrir as justas e legítimas reivindicações dos médicos e outros profissionais de saúde, o que só serve para exacerbar a situação.
6. Contrariamente ao que tem sido propalado, constatamos que os serviços mínimos têm sido assegurados na quase totalidade dos nossos hospitais, embora com algumas deficiências que é necessário colmatar. Porém, esta é uma situação que não se pode arrastar por mais tempo.
7.O recurso a estudantes de Medicina, Enfermagem, socorristas e voluntários é uma solução perigosa e enganosa, que pode levar a erros graves e irreparáveis, pois não é o simples uso de uma bata branca que conferem as habilidades e competências para o exercício da profissão. Para além do mais, é fortemente atentatória ao preceituado no estatuto da Ordem dos Médicos aprovado por lei pela Assembleia da República e configuram um crime, previsto no Código Penal em vigor, de “exercício ilegal de profissão”, neste caso “exercício ilegal de Medicina”.
Não quisemos que esta carta fosse longa. As palavras que se somam a palavras, embora possam auxiliar não contribuem para redimir e consolidar os valores que os médicos moçambicanos defendem e pelos quais continuarão. Assim urgem os actos.
Por isso, e tendo em conta o exposto anteriormente os subscritores, membros da AMM, Médicos com mais tempo de entrega ao SNS se dirigem à Vossa Excelência na qualidade de mais alto Magistrado da Nação apelando para uma intervenção, no sentido de início de um imediato diálogo genuíno e frutuoso, para as grandes conquistas obtidas pelos sacrifícios dos melhores dos filhos desta pátria consubstanciado na conquista da independência continue a ser um dos nossos maiores e mais importantes valores.
Vossa Excelência tendo dedicado toda a juventude lutando sempre por causas justas reconhecerá certamente que o anseio dos médicos é pela sua valorização, pela melhoria das condições de vida e de trabalho. É também a luta pela sua dignidade e pela dignidade das pessoas que merecem ser tratadas por profissionais qualificados dignos e motivados. É, enfim, a luta pela auto-estima dos médicos e dos demais profissionais de saúde.

Subscrevemo-nos com a mais elevada estima e consideração.
Dr. Pascoal Manuel Mocumbi”
Para além do médico e ex-primeiro ministro, Pascoal Mucumbi, a carta é subscrita por muitos mais médicos especialistas, de entre os antigos ministros da Saúde, Hélder Martins, Fernando Vaz. (André Mulungo)

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