Ainda com assassinos desconhecidos, as marcas de uma boa gestão municipal prevalecem em Nampula
- Há um sentimento de revolta e preocupação por parte dos cidadãos locais e não só, pelo não esclarecimento do hediondo crime volvidos dois anos após a interrupção macabra da vida de um autarca que o seu povo ainda o mantém como herói, ou então Mópoli (salvador).
Nampula (IKWELI) – Passam hoje, 4 de Outubro de 2019, dois anos após o assassinato a tiro, por desconhecidos, do primeiro autarca da cidade de Nampula eleito através de uma candidatura suportada por um partido político da oposição, Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Mahamudo Amurane foi barbaramente assassinado, no princípio da noite do dia 4 de Outubro de 2017, em frente da sua residência particular, no bairro de Namutequeliua, nos arredores da autarquia que dirigia com gosto e paixão. É a 4 de Outubro de cada ano, desde 1992, que o país assinala mais uma passagem do dia dos Acordos Gerais da Paz, compromisso que pôs termos os 16 anos de guerra civil opondo o governo da Frelimo e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
As investigações que poderiam conduzir ao esclarecimento e a responsabilização caíram por terra, quando o tribunal de Nampula decidiu não pronunciar os arguidos acusados pelo Ministério Público, como sendo autores do crime.
A pressão e o repúdio deste acto chegaram de todos os cantos do mundo, e os munícipes eram os mais inconsoláveis pois, durante os perto de quatro anos que Amurane dirigiu a autarquia, a qualidade de vida dos cidadãos aqui residentes mudou significativamente. O saneamento do meio, a higiene, o transporte público e outros serviços básicos fazem jus aos indicadores de desenvolvimento humano.
Milagres de Amurane…
Amurane encontrou uma cidade com sérios problemas, desde a recolha e tratamento de resíduos sólidos, acesso rodoviário, comunicação terrestre com os bairros periféricos, incluindo o sistema de saneamento do meio que não era gerido devidamente.
O autarca anterior é Castro Sanfins Namuaca, do partido Frelimo, o qual fez dois mandatos, e a sua gestão foi sempre alvo de críticas, e o legado deixado para o eleitor local não passou de uma cidade em “ruínas”. Na boca do povo, Namuaca não passa do pior edil que Nampula já teve.
Contra todas as expectativas, Mahamudo desafiou a disciplina partidária, apostando na constituição de uma equipa técnica e profissional com os mais altos padrões de cometimento e entrega na boa gestão da coisa pública, sem precisar olhar pela cor partidária do confiado. Esta coragem valeu-lhe divórcio com o MDM, incluindo ameaças de morte em praça pública.
Como um bom gestor, o então autarca decidiu ampliar o conceito da descentralização a letra da legislação em vigor na altura. Criou empresas municipalizadas, respectivamente para os sectores de saneamento e transportes, e ainda abriu um serviço específico de assistência a pequena e média empresa com vista a garantir que a inclusão no processo de desenvolvimento na autarquia de Nampula tivesse resposta vertical e horizontal.
“Warya Wa Wamphula” foi um célebre programa de limpeza da urbe com que o malogrado se destacou. Era a sua bandeira, e os resultados não se fizeram rogados em aparecer. Nampula tornou-se numa das cidades mais limpas do país, senão mesmo a melhor neste aspecto.
Através de uma concessão bancária, Amurane adquiriu 40 autocarros para a Empresa Municipalizada de Transportes de Nampula, com vista a melhorar o transporte público urbano de passageiros, e como tal garantir que os seus munícipes fossem transportados com dignidade.
Por outro lado, foram criadas a Empresa Municipalizada de Saneamento (EMUSANA) e a Companhia Municipal de Canto e Dança, sem deixar de referir-se a um modelo de gestão informatizado e capaz de detectar, com alguma facilidade, qualquer desvio de fundos públicos.
A segurança dos munícipes foi sempre prioridade para o autarca e em todas as vertentes. Como tal, em parceria com as empresas do Corredor do Norte foi construído o primeiro viaduto do norte de Moçambique, ligando a avenida do Trabalho e a Rua da Unidade, respectivamente nos bairros de Mutauanha e Napipine.
Como forma de garantir uma maior participação dos cidadãos no processo de governação, o autarca introduziu o “Orçamento Participativo”, uma ferramenta através da qual os munícipes decidiam, de acordo com o orçamento disponível para cada posto administrativo municipal, os sectores prioritários para investir no desenvolvimento local. Como resultados, foram construídas pontes nos bairros do Belenenses, Mutauanha e na ligação entre Jardim e Nampaco.
Outrossim, Amurane envolveu grupos de mulheres na limpeza da cidade e como resultado, elas iam auferindo ordenados no fim de cada mês, um incentivo que ajudou muitas famílias a melhorarem as suas rendas.
Ainda no que se refere ao melhoramento das rendas das famílias, todos os vendedores ambulantes que desafiavam a beleza urbanística da cidade aceitaram acomodar-se em espaço preparados para a prática do comércio. Os registos indicam para a construção de vários mercados e melhoramentos dos existentes.
Uma nobre iniciativa de construção de infra-estruturas para o comércio doméstico está montada no mais populoso bairro do país, Namicopo. É o famoso Shoping do Povo, uma imponente infra-estrutura que dentre vários serviços, para além de bancas para o comércio a retalho, incluiu sala de cinema, cafés e restaurantes.
Um bairro modelo estava sendo projectado na zona de Mucuache, através de um plano de estrutura modernizada para um bairro que se preze característico para qualquer um centro urbano civilizado.
As saudades que ficaram
Em homenagem aos dois anos do seu assassinato, o Ikweli decidiu produzir esta reportagem, e conversou com muitos cidadãos do maior centro urbano do norte de Moçambique, e as saudades são enormes, na esperança de verem os actuais gestores da autarquia a trilhar por caminhos de governação similares ou melhores para o melhoramento da qualidade de vida dos residentes.
Para os moradores de Namicopo, o mais populoso bairro de Moçambique segundo estatísticas oficiais, dizem que a morte do autarca constitui uma perda irreparável.
Diamantino Cardoso é residente de Namicopo e ao Ikweli afirmou que o desaparecimento físico de Amurane trouxe retrocesso ao bairro, sobretudo no que se refere a transitabilidade rodoviária e segurança pública, incluindo a remoção e tratamento de resíduos sólidos.
“Se o presidente Amurane estivesse vivo acredito que não estaríamos nessas condições. Estávamos a caminhar muito bem como cidade”, disse Cardoso, para quem “rogo que o presidente Vahanle tenha o espírito do malogrado em continuar com aquelas actividades que colocavam a cidade a brilhar”.
A outra moradora de Namicopo que se encontra desiludida com o não esclarecimento do assassinato do autarca é a Linda Fernando, que defende que “os munícipes têm o direito de saber quem acabou com a vida do presidente Amurane”.
“Em Moçambique não há justiça, porque até então não foram encontrados os culpados. Esse assunto não está bem e nós queremos saber quem foram os autores que mataram o nosso presidente”, exige a senhora Linda, terminando que “a justiça deve ser feita”.
Estas exigências ouvem-se em todos os bairros da cidade. Por exemplo, na zona do Matadouro, no bairro de Mutauanha, dizem os munícipes que “não há vontade política para esclarecer este crime”.
“Apelamos para que trabalhe-se a sério neste assunto. Para além da família, todos nós temos direito de saber quem matou a pessoa que nós tínhamos confiado os destinos da cidade e estava a fazer o trabalho de forma espectacular. Sabemos que não o teremos de volta, mas que nos esclareçam quem foram as pessoas e porque”, disse Cândida Salimo, do bairro Mutauanha.
A residência particular do malogrado autarca, local onde foi assassinado, fica localizada no bairro Namutequeliua, concretamente na zona de Cotocuane, e os moradores locais, também, exigem justiça.
No entender de Abdul Amade, um jovem mecânico de motorizadas cuja oficina fica a escassos metros do local dos factos, a morosidade no esclarecimento do caso parece algo propositado.
Amade recorda-se que Mahamudo Amurane era um cidadão de fácil trato, mesmo depois de ter sido eleito autarca da terceira mais importante cidade do país.
“Eu estava aqui fora, de repente senti que devia ir a casa de banho. De lá ouvi o disparo de dois tiros, desconfiei que de bandidos se tratassem. Dali fui a mesquita e de lá me disseram que o meu vizinho foi baleado. Depois um rapaz que estava aqui nessa hora disse-me que viu a pessoa e que ninguém podia lhe tocar, continuou caminhando em direcção do cemitério”, contou a fonte.
A dona Amina pratica comércio na mesma zona e disse que tudo aconteceu quando já tinha largado, mas quer ver os culpados responsabilizados. “O assassinato aconteceu depois de eu ter fechado o meu negócio, depois recebi ligação que Amurane foi baleado. Senti muito. Eu gostaria que fosse descoberta a pessoa que tirou a vida ao presidente Amurane”.
“Como munícipe gostaria que o caso fosse esclarecido, tinha que haver uma informação para se esclarecer o que aconteceu para que houvesse este acto macabro, para que todos munícipes desta cidade, assim como os familiares, pudessem descansar, e a própria alma dele”, defende um outro munícipe que pediu para não ser identificado na matéria.
A homenagem dos antigos colaboradores
O assassinato de Amurane foi fatal para todos, sobretudo para aqueles que com ele planificavam o dia-a-dia da cidade e projectavam uma autarquia cada vez mais urbana, onde os serviços básicos fossem prestados na melhor qualidade possível.
Mais da metade dos principais colaboradores directos foram caçados, desde a vacatura com a presidência interina, assim como nos dias que correm. O conhecimento em torno de gestão adquirido na altura não está sendo, devidamente, explorado e, em virtude disso, estão quase todos marginalizados em posições que nem para consulta servem.
Lamentando de canto em canto e de esquina em esquina, os antigos colaboradores de Mahamudo Amurane decidiram homenageá-lo hoje, como forma de imortalizar os seus ideais, segundo contou ao Ikweli Gamito dos Santos, antigo director de Mercados e Feiras no reinado do malogrado.
Dentre as actividades planificadas, segundo Gamito dos Santos, o destaque vai para uma visita e limpeza na campa onde jazem os restos mortais do autarca, deposição de uma coroa de flores, bem como uma reflexão pública sobre a vida e obra de Mahamudo Amurane.
“Vamos visitar o túmulo do falecido e esta é uma actividade primordial. Estamos a pensar em sentar e reflectirmos em torno daquilo que eram os projectos do presidente Amurane, sobre o que nós pensamos e como é que será a sua efectivação, uma vez que o presidente já se foi”, anotou Dos Santos.
As voltas da justiça
O assassinato macabro de Mahamudo Amurane fez com que meio mundo prometesse esclarecer o caso, desde a Polícia da República de Moçambique (PRM), Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), incluindo a autoridades judiciais da província.
Mas, volvidos dois anos, nem água vai e nem água vem. Os dois suspeitos que tinham sido constituído arguidos pelo Ministério Público, o tribunal decidiu não pronuncia-los.
Para o tribunal de Nampula, os elementos elencados no processo nº 12/19 pela Procuradoria da República não são bastante para que o mesmo chegue a fase de julgamento, e por isso recomendou produção de melhores provas.
“O facto de os co – arguidos Saíde Aly Abdulremane Abdala e Zainal Abdina Abdul Satar, terem respondido que o atirador veio do lado frontal e efectuou os disparos mesmo em frente e bem assim, o facto de ao se fazer a reconstituição dos factos ter se demonstrado que os co – arguidos Saíde Aly Abdulremane Abdala e Zainal Abdina Abdul Satar Daúdo, eram os únicos que se encontravam próximo da vítima e, por sinal, a mesma distância a que o projéctil foi disparado tais factos, no nosso entender, não podem constituir elementos suficientes de prova para que os arguidos sejam considerados os autores do crime”, lê-se no despacho de não pronuncia na posse do Ikweli e data de 8 de Agosto passado.
Enquanto tarda o esclarecimento e a responsabilização, a família, os amigos e os munícipes continuam a sofrer com esta perda. (Aunício da Silva, Celestino Manuel, Constantino Henriques e Sitoi Lutxeque)
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