terça-feira, 8 de outubro de 2019

ASSASSINATO DE ANASTÁCIO MATAVEL E O “TIMMING” DAS ELEIÇÕES GERAIS


Elísio de Sousa
5 h
ASSASSINATO DE ANASTÁCIO MATAVEL E O “TIMMING” DAS ELEIÇÕES GERAIS
Na Busca Pelos Verdadeiros Autores Materiais e Morais
Por: DeSousa
A - INTRODUÇÃO
Foi com tristeza que mais uma vez tomamos conhecimento pela imprensa e redes sociais e que mais um cidadão foi baleado, desta vez, um membro da plataforma da sociedade civil designada por Sala da Paz. Pelas informações que nos chegaram, trata-se de uma morte por ferimento causado por pelo menos 10 projécteis de bala, supostamente de uma arma de fogo do tipo AK47, que é tipicamente uma arma de guerra.
B - ENQUADRAMENTO
A partir da análise do tipo de instrumento utilizado na agressão, a região anatómica escolhida e a violência das pancadas é possível presumir a intenção de matar. (Jurisprudência do TS de 5 de Maio de 1993). Nesta senda, atendendo ao que se mostra assente em termos jurisprudenciais, não podemos ter dúvidas algumas que os criminosos tinham a clara intenção de tirar a vida ao malogrado. Atendendo que não foi só um, mas foram mais de 10 tiros (onde apenas somente um era suficiente), é porque a intenção dos criminosos transcende a simples intenção de fazer cessar a vida do malogrado, como também demostrar aos demais sobrevivos o que pode acontecer com os mesmos no caso deste não cumprirem com os desideratos dos criminosos em si e respectivos mandantes. Esta é uma das fórmulas clássicas das grandes organizações criminosas silenciarem os seus rivais e reprimir a concorrência na sua actuação como os casos do Cartel de Sinaloa (Mexico), Camorra e Cosa Nostra (Itália), Solntsevskaya Bratva (Rússia) ou mesmo a Yakuza (Yamaguchi Gumi, do Japão). Para que estes grupos possam espalhar medo e terror pelos seus adversários, estes criam círculos de medo, onde incluem raptos, violações, assassinatos de famílias inteiras etc. Resumindo, não é apenas a morte que procuram, eles procuram igualmente espalhar o terror e usam o medo como uma arma contra os seus detractores.
C - QUAL FOI O CRIME PRATICADO?
No que se refere a este crime, nos termos do nosso Código Penal ele é enquadráveis nos Crimes Hediondos que consiste nos crimes praticados com extrema violência, crueldade, sem nenhum senso de compaixão ou misericórdia de seus agentes, causando profunda repugnância e aversão à sociedade, nos termos do n.º 1 do art.º 160, e ainda acoplado ao facto de provando-se que se tratam de criminosos que façam parte de um grupo de extermínio, como deve parecer pelo modus operandi, nos termos da al. a), do n.º 2, do mesmo artigo. Para estes crimes, a punição dos autores materiais e morais a pena pode chegar aos 40 anos de prisão, que é o tecto máximo de punição no nosso ordenamento jurídico.
D - QUEM SÃO OS AUTORES DESTE CRIME ?
São autores materiais os que executam o crime ou tomam parte directa na sua execução e são autores morais todos aqueles que por ajuste, dádiva, promessa, ordem, pedido, ou por qualquer meio fraudulento e directo determinarem outro a cometer o crime (cf. al. a) e c), do n.º 1, do art.º 23 do Código Penal). Para o caso em análise importa perceber ao certo quem foram os autores deste crime. Não é difícil dizer que foram as pessoas que descarregaram os tiros na vítima e todos os demais que participaram directa e indirectamente para sua consumação, desde a pessoa que transportou as armas, as pessoas, as que fizeram a espera da vítima no local dos factos e demais concertados.
Para tal, as entidades de investigação devem aprofundar as suas investigações, colhendo depoimento de testemunhas, examinando o local do crime, autopsia da vítima, investigação dos antecedentes sociais da vítima, ocultação de pessoas ligadas à vítima, exame do material colhido nos meios de comunicação da vítima, como contactos telefónicos, redes sociais e demais informações ligadas à vítima, local e seus mesteres. No que se refere aos autores morais (que certamente existem), é preciso conhecer todos detalhes relativos as suas ligações com as pessoas, a profissão, os trabalhos, as suas ligações sentimentais (para afastar ou reforçar a teoria dos crimes passionais) e ainda o histórico de seus antecedentes (se eventualmente foram ou não alvo de anteriores ameaças), etc.
Neste caso em concreto, se diz que pessoas foram encontradas em fuga e se envolveram em acidente de viação nas proximidades do locus delicti. Isto é, as tais pessoas encontradas, havendo suspeitas é importante que o Ministério Público e a SERNIC se envolvam em profundas investigações de modo a poder colher a maior quantidade de informação possível, para no caso de o(s) mesmo(s) estar(em) ou não envolvidos na trama que fez cessar a vida da vítima. Essa investigação sobre os mesmos deverá seguir na base das mesmas regras anunciadas nas linhas anteriores, concretamente as mesmas de que me pronunciei na investigação da própria vítima.
E - QUEM SÃO OS SUSPEITOS
Os suspeitos, muitas vezes, por regra, são as pessoas que estavam muito próximo dos factos na data e hora da ocorrência, as pessoas que teriam motivos razoáveis para comete o crime ou , então, todos aqueles que melhor se beneficiariam do crime cometido.
A pergunta que se importa colocar é, quem, de facto se beneficiaria da morte física de um membro da Sala da Paz?
A Sala da Paz é uma organização, atendendo ao próprio nome, tem por objectivo promover a paz e a estabilidade da sociedade por via dos seus diversos mecanismos de monitorização. Uma das bandeiras que Moçambique sempre mostrou para o mundo, é a capacidade dos seus cidadãos chegarem a paz duradoira mesmo nos tempos mais difíceis. Vários foram os acordos de paz em Moçambique sendo o último, os Acordos de Maputo, assinados pelo Governo de Moçambique, na pessoa do PR Filipe J. Nyusi e pela Renamo, na pessoa do respectivo presidente Ossufo Momade. Uma das questões que não passa despercebida para qualquer moçambicano é o facto da boa relação entre o Presidente Filipe Nyusi e o presidente do partido MDM, Daviz Simango. Com isto, nos parece que o Governo da Frelimo, a Renamo e o MDM que são os maiores partidos na arena política nacional hodierna têm entre si, uma relação digna de louvar, atendendo ao nebuloso passado, mas que, pelo que nos consta, se mostra ultrapassado.
Resumido: A Frelimo, a Renamo e o MDM (sem ignorar muitos outros partidos) conjuntamente, apesar das divergências de manifesto eleitoral têm um propósito comum: A PAZ DEFINITIVA.
Não tampouco de admirar tal asseveração, atendendo aos benefícios que um país em paz colhe. O desenvolvimento de cada nação coeva se resume na sua capacidade de manutenção de uma paz estável e permanente.
Voltando para a parte criminal propriamente dita, tomando-se em conta que a vítima era igualmente alguém que na sua posição se mostrava igualmente na persecução da paz, então temos que analisar mais a fundo qual foi o motto do “argumentum baculinum” (violência, basicamente)?
F - IDENTIDADE DOS VERDADEIROS MANDANTES
Não conseguimos neste pequeno espaço levantar todos os possíveis cenários para prossecução do crime em causa, mas vamos por aqueles que se parecem mais óbvios. O crime político.
O Crime Político consiste na intenção específica do agente em ofender a ordem política, FRAGOSO (1984, p. 229-30). Assumindo que estamos diante de um verdadeiro crime político, pelos motivos acima enunciados, não nos restam muitas dúvidas que era intenção dos energúmenos, atingir um fim político no malabarismo assistido. Sendo a vítima membro de uma Sala da Paz, com isso facilmente podemos depreender que os criminosos e seus respectivos mandantes, são pessoas que não perseguem a PAZ. Matar uma pessoa que persegue a verdade é matar um pouco da verdade, o mesmo silogismo se aplica a intenção de participar no processo de paz em Moçambique. Vimos nas linhas anteriores que, pelo menos, os três maiores partidos políticos em Moçambique, são os maiores apologistas de uma política de paz. Logo, por consequência silogística, estes, e seus respectivos seguidores, acabam sendo literalmente afastados da linha dos suspeitos. Com isso não se quer dizer que os milhões de cidadãos apoiantes deste ou daquele partido, sejam, necessariamente incólumes de qualquer suspeita abstracta. Mas é uma linha de raciocínio que a lógica aristotélica nos conduz. Assim sendo, será que ao “crime político” devamos imputar aos demais partidos políticos ou a outros grupos de interesse? Esta é uma questão francamente difícil de abordar num espaço dão limitado como este, mas não é de se afastar a teoria, contudo podemos fazer apenas alguns pequenos avanços teoréticos. No que se refere a possibilidade dos “pequenos partidos” estarem envolvidos nesta trama é diminuta. Tiramos esta conclusão pelo simples processo de prognóse póstuma, atendendo que estes partidos não tem histórico de resolução dos problemas pela via da violência ostensiva e dos mesmos, pelo menos ao que nos parece não detenham meios suficientes capazes de provocar tal alvoroço, sendo que, atendendo ao nível de segurança do Estado que Moçambique apresenta, muitas vezes os respectivos autores facilmente sucumbiriam às mãos da justiça, revelando-se os seus autores na íntegra e caindo em total descrédito perante a sociedade e ainda a possibilidade dos seus “excessus mandanti” verem-se nos seus próximos 40 anos, longe da sociedade albergados sob as hostes do nossos sistema penitenciário.
G - A POSSIBILIDADE DE ENVOLVIMENTO DE GRUPOS DE INTERESSE NO CRIME
Desta, resta-nos a segunda hipótese. Os pequenos “grupos de interesse”. Para perceber a abordagem sobre estes, é imperioso que antes de mais, entendamos o que é que são, na verdade os grupos de interesse. Um grupo de interesse é uma organização constituída por pessoas que compartilham pelo menos um interesse comum e que actuam em prol do seu objetivo (wiki). Os grupos de interesse não são e nem devem ser vistos como organizações hostis. Há vários grupos de interesse para vários fins. A grande preocupação é quando os tais grupos de interesse “macavelicamente” não medem esforços para atingir os fins. Já dissemos antes que este pode ser (não me restam dúvidas) um crime político, contra um agente da Paz. Quer isto dizer que o grupo de interesse que tenha atentado contra a vida de Anastácio Matavel tem como finalidade a desestabilização do processo da paz e no comprometimento de outros como responsáveis do mesmo acto. Se a morte de um cidadão que exercia política activa implica o desmembramento de um certo partido político, quer isto dizer que a intenção do criminoso era exactamente colocar em descrédito todos os esforços que são empreendidos para a manutenção da paz e para a realização de eleições gerais pacíficas. Não é, e nem pode ser, novidade para ninguém que Moçambique, muitas vezes regista episódios de conflitos pós eleições, fundados na alegações de injustiças no processo eleitoral. Mas quando esta violência ocorre momento antes do encerramento da época das campanhas eleitorais, a intenção se torna inequívoca. IMPUTAR O CRIME À OUTREM.
H - A TÁCTICA DOS AUTORES MORAIS
A imputação do crime à qualquer dos partidos, necessariamente manchará a sua credibilidade como um partido sério que que pretenda vencer as eleições dela via pacífica. É-nos fácil perceber que os autores materiais e morais deste crime visam necessariamente imputar a responsabilidade deste crime aos partidos que tenham sobre si um controle directo ou indirecto de meios bélicos capazes de ceifar a vida de cidadãos. Este caso, se assemelha aos casos de agiotas, ou proxenetas ou cafetões que, querendo cobrar uma dívida que não tenham esperanças de que a mesma um dia possa ser paga pelo devedor, criam uma situação de encontrar a vítima numa situação íntima em concubinato e, a seguir, mandam matar a vítima na mesma situação, para que, quando os investigadores lá chegarem, ficarem apenas inculcados na teoria do crime passional (crimes por motivos amorosos), despistando assim as investigações sobre os reais motivos da morte da vítima, e por consequência saírem incólumes de quaisquer indiciação sobre o mesmo crime. De outro modo, é muito mais fácil desviar o curso das investigações, imputando o crime ao outros, por se fazer entender que “o outro é que tinha motivos para matar e eu não!”. Hoje os partidos políticos se encontram numa situação “íntima” que são as campanhas eleitorais. E é exactamente esta situação “de intimidade com o eleitorado” que subentende-se pela campanha eleitoral, onde os grupos de interesse maléfico tem a grande oportunidade de imputar todo e qualquer crime aos partidos políticos, uma vez que a campanha eleitoral muitas vezes cria uma desatenção em outras questões que se mostram igualmente prementes. Os partidos políticos estão (quase) todos “despidos” e com as roupas estendidas no pendurador, e desta forma se encontram altamente vulneráveis à este tipo de ataques e por parte dos “rufiões” que pretendam, de algum modo, tirar benefícios imediatos da situação e ao mesmo tempo garantir a impunidade por todo e qualquer acto praticado neste período. Toda atenção tanto dos investigadores como da sociedade se mostra imprescindível para levar as investigações à “bom porto”
I - PARA OS INVESTIGADORES
É por isso que os investigadores deverão ser muito cautelosos quando forem a formular as suas teorias de investigação. Muitas vezes os autores de crimes graves como este (crime hediondo), que podem haver condenações até 40 anos de prisão, são muito cautelosos e tendem sempre a deixar pistas falsas para desviar os investigadores dos reais motivos do crime. Muitas vezes quando a pessoa morre em casa (envenenado, por exemplo) é fácil imputar a morte ao cozinheiro ou ao cônjuge, procurando-se na sua vida conjugal alguns desentendimentos entre si, quando se esquece que o próprio veneno pode ser daqueles de efeitos prolongados ou que eventualmente, o criminoso (que não vive na casa) possa ter usado meios indirectos para fazer chegar o veneno à vítima. Nestas coisas de investigação, todo cuidado é pouco para não ter-se de sacrificar pessoas ou entidades que nada ou pouco a ver tenham com o acontecimento fatal.
J - PARA A SOCIEDADE EM GERAL
Voltando aos grupos de interesse, importa dizer que os grupos de interesse com fins contra legen (maléficos ou contra a lei), muitas vezes não se identificam por si. Estes, andam nas sombras usando vários disfarces como empresários, políticos (uma facção específica), membros de sociedade civil, académicos, investidores, observadores, jornalistas, membros de alguma associação, e por vezes até mesmo grupo de funcionários. Estes não se identificam pela luz do dia, mas de noite, quando todos estão embrenhados na chamada fase REM do sono (sono profundo), estes estão de vigília nas suas catedrais do crime estudando os melhores métodos para alcançarem os seus mais lúgubres objectivos.
É preciso que a sociedade fique esclarecida de que nem sempre o que parece é e, para os casos dos crimes, os malfeitores nunca querem ser identificados. É preciso que se perceba que em tempo de eleições, pelos motivos mais óbvios, haverão sempre haver grupos de interesse que pretendam manchar a reputação deste ou daquele partido, por isso é preciso saber apartar-se do senso comum, e analisar as coisas com muita maior profundidade de modo a tirar as mais justas ilações e nunca se deixar levar pela onda do que parece ou do que “só pode ser”.
Eu desejo aos criminosos o mesmo mal de que eles são agentes, e ensejo que as autoridades da justiça exerçam todo esforço para identificar todos os autores materiais e morais, seguido, necessariamente um processo legal e justo, para que a família da vítima seja devidamente compensada pela inestimável perda mas que, acima de tudo, a sociedade seja devidamente esclarecida do crime, porque a verdade nua e crua interessa à todos.
“Os humanos têm a notável capacidade de saber e não saber ao mesmo tempo. (...) eles são capazes de saber alguma coisa quando de facto pensam sobre ela, mas na maior parte do tempo não pensam sobre ela, por isso não sabem” por YUVAL N. HARARI (2018, pág. 215)

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