Já que ignoraram largamente o meu último post, aqui vai um mais incendiário:
Em defesa de Guebas, o radical (I)
É tempo de eleições, tudo vale para ganhar votos. O importante é pôr mal o adversário. Legítimo. O problema, contudo, é que se trata do nosso país. Qualquer que seja o resultado, ele terá consequências para todos nós, mesmo aqueles que não tiverem votado pelos vencedores. É importante, portanto, que apesar de tudo o voto seja consciente e com razoável conhecimento de causa. A forma como as discussões têm andado desde que começou a campanha preocupa-me um bocado. Há uma forte concentração no supérfluo o que pode comprometer a qualidade do voto. Fazem-se autópsias e radiografias de slógans eleitorais, discute-se o visual dos candidatos e repetem-se lugar-comuns que me não parecem adicionar qualquer valor à campanha. É momento de festa, claro, mas é também momento de reflexão para que não nos aconteça aquilo que aconteceu a tantos outros eleitorados (Portugal, França, Espanha, etc.) que deram o seu voto em protesto contra algo que não tinham realmente percebido e hoje estão arrependidos. Quero defender, contra um suposto consenso geral, o desempenho de Guebuza interpelando a qualidade de algumas críticas que lhe são feitas. O objectivo não é de dizer que ele fez tudo bem, mas sim de mostrar que em muitos casos os seus críticos precisam de melhores argumentos dos que estão a apresentar agora sob pena de elegerem pessoas que vão repetir os mesmos erros, se erros houve.
Começo com o problema mais bicudo de todos. A acusação é de que Guebuza trouxe a guerra. Não preservou a paz que Chissano com muita diplomacia – conversando regularmente com o líder da oposição – manteve ao longo dos anos. Guebuza trouxe a guerra por causa da sua arrogância, teimosia e má assessoria. Eu acho que o dossier “Renamo” não foi bem gerido do ponto de vista político. Essa gestão revelou graves dificuldades de estratégia política que mancharão, em minha opinião, toda a avaliação que se vier a fazer de Guebuza no futuro. Essa má gestão, contudo, não explica a acusação que se faz a ele de que foi o responsável pelas hostilidades militares. O problema dessa acusação é essencialmente lógico. O seu único sustento é o facto de ter havido hostilidades militares. Com Chissano não se chegou a este ponto, logo, para se chegar a este ponto com Guebuza é porque ele fez alguma coisa de errado. Do ponto de vista lógico o argumento comete a falácia da “afirmação do consequente” – tipo, “Allah apoia Sibindy, por isso ele vai ganhar as eleições”; Sibindy ganha as eleições, logo, foi por causa do apoio de Allah” – que é normalmente cometida por quem não gosta lá muito de pensar ou, quando o faz, fá-lo de forma expediente apenas para confirmar uma conclusão que decidiu defender com unhas e garras.
Há muita coisa que se podia dizer em torno deste equívoco. A primeira seria em relação ao protagonismo de Guebuza em todo o processo de paz, isto é desde os tempos lá da guerra dos 16 anos. Os que chamavam bandidos armados à Renamo, não queriam nenhuma solução negociada com essas “marionetas” do Apartheid e até durante muito tempo se recusaram a dar a mão a Dhlakama – alguns dos quais hoje chamam Guebuza de belicista – parecem esquecer o seu posicionamento de então. Penso que uma responsabilização séria de Guebuza deveria começar por explicar porque um indivíduo que negociou a paz teria interesse em a comprometer. Com isto não quero dizer que não seja possível que ele subsequentemente queira comprometer essa paz. Mas é preciso explicar isso antes de concluir o que se conclui. A segunda coisa tem a ver com Chissano. Para além dos encontros regulares que ele manteve com o líder da oposição Chissano não fez uma única concessão. O resultado de cada encontro foi sempre a subida de mais um degrau no tom bélico e agressivo do líder da oposição. As várias ameaças que ele fez de pôr o país em chamas foram feitas durante a “era de paz” com Chissano. Montepuez foi durante essa “era de paz”.
Portanto, uma responsabilização séria de Guebuza teria, aqui também, de explicar porque este último não teria herdado um presente envenenado do seu antecessor, uma espécie de bomba já na eminência de explodir que só precisava dum pretexto qualquer para esse efeito? E de novo um reparo: pode ser que as habilidades diplomáticas de Chissano tenham sido tão grandes que tivessem condicionado o líder da oposição a apenas fazer ameaças sem nenhuma intenção de as consumar e que foi preciso que aparecesse em cena um indivíduo arrogante como o Guebuza para mudar a situação completamente. Mas é preciso explicar isso antes de concluir o que se conclui. A terceira coisa é a própria Renamo e seu percurso em deriva nos últimos 15 anos. É interessante que nenhuma análise deste problema se preocupa em levantar questões em torno da dinâmica interna da própria Renamo, desde o desgaste de secretários-gerais, passando pelas expulsões de membros sonantes até à cisão e constituição do MDM – sem falar de problemas de gestão financeira. Que papel é que estes processos internos tiveram na radicalização de certos sectores da Renamo?
Pode ser, naturalmente, que tivesse sido prudente da parte de Guebuza ser sensível a estes problemas internos da Renamo. Só que, mais uma vez, isso precisa de ser explicado antes de se concluir o que se conclui, para além de que a Renamo é tamb’em coisa de adultos. Este tipo de argumento infantiliza-a. Finalmente, para não arrolar tudo, acho importante ter sempre presente que como Chefe de Estado e perante a situação enfrentada Guebuza poderia ter declarado um estado de emergência, mandado prender todos os membros da Renamo, mandado suspender os seus vencimentos do erário dum Estado que eles punham em causa de forma violenta, recusado o registo de Dhlakama e do seu partido para as eleições e várias outras coisas perfeitamente cobertas pela constituição. Não o fez. É coisa dum belicista essa, de alguém que queria a todo o custo uma guerra? Porquê negociar, negociar e negociar com gente que ele preferia ver fora da face da terra? Mais uma coisa que precisa de ser explicada antes de se concluir o que se conclui.
Quem quiser votar contra a Frelimo para sancionar Guebuza pelas hostilidades militares pode o fazer, claro. Mas seria bom que o fizesse em plena consciência de que se o seu argumento não tiver melhores explicações para os pontos que acabo de levantar ele estará a votar de forma inconsciente. Isso, em si, não seria grave porque nem toda a gente que vota o faz de forma consciente e racional. O ódio a Guebuza – justificado ou não – é em si uma razão para votar contra. Só que quem assim age tem que saber também que os seus hábitos de raciocínio fazem parte do problema, não da solução. É esse tipo de raciocínio – pelo coração e pela pirraça – que faz mal ao país. Gente assim tem fortes probabilidades de voltar a cometer os mesmos erros que os seus inimigos supostamente cometeram.
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