A Mudança de Nyusi
Em Mazucane, aldeia onde nasci, os jovens da geração que imediatamente me precedeu tinham o seu próprio ethos. Isto é, era possível encontrar naquela geração uma espécie de síntese dos seus costumes específicos, ou traços característicos que a diferenciaram da geração dos meus pais e vieram a diferencia-la da minha própria geração.
No modo de ser e no caráter da geração que me precedeu lá, na minha aldeia, a medida de sucesso era fazer a 4ª classe, rumar para as minas da África do Sul e assumir funções que estivessem acima do simples “Mulaitche”. Mulaitche é aquele mineiro que, de pá, ou de picareta em punho, desce às profundezas da mina para extrair o ambicionado e desejado ouro.
É importante dizer que, no tempo do meu avô, o facto de ir às minas, mesmo que fosse para ser “Mulaitche”, já representava um factor de progressão social, tendo em conta o sistema laboral codificado pelos primeiros gestores coloniais portugueses, que raiava à escravatura. Nas minas, como “Mulaitches”, os contemporâneos do meu avô visionaram oportunidades únicas de melhorarem as suas vidas, comprar mais gado e lobolar mais esposas. Todavia, com a mudança de contextos, novas perspetivas se abriram. Sabendo ler e escrever com alguma proficiência, os jovens da geração que precedeu à minha tinham ambições de serem “team leaders” (que lá na minha aldeia se pronunciava “timu lida”), instrutores de “skrumayela”, (como se pronunciava em Mazucane) querendo significar “School Mine”, ou outras posições superiores.
A pretensão da geração que me precedeu representava uma evolução em relação à geração dos meus pais. Representava uma MUDANÇA e a perspetiva de uma vida melhor, lá nas minas, e na aldeia quando regressassem com carros, aparelhagens sonoras “Haia definition”, a pilhas, (leia-se high definition) e dinheiro para construir casas de alvenaria. Era MUDANÇA, mas não era ruptura. As duas gerações que me precederam continuaram a ter pontos e pontes de intercessão, uma se inspirando na outra. Uma continuando a transmitir os valores que diferenciavam a comunidade de Mazucane de outras.
A minha geração se diferenciou das outras num aspecto. Ir a África do Sul não era, por si só, uma medida de sucesso. Ou não era a única. Tendo nascido no fragor da luta de libertação nacional, com o discurso de oportunidades iguais que os colonos iam sendo forçados a, timidamente, adoptar, a minha geração beneficiou de amplas e novas oportunidades para a progressão social, sem ter necessariamente de emigrar para as minas. Muitos, da minha geração, nascidos na aldeia de Mazucane, tornaram-se contabilistas, comandantes de polícia, directores de bancos, juristas, empresários, despachantes, economistas... até ministros! Era uma mudança. Mas, de novo, não houve ruptura com os valores de que nos nutrimos na infância e na primeira juventude.
Hoje, os meu filhos, bisnetos ou trinetos da primeira geração de mazucanenses que foram às minas, educa-se para competir à escala global. Nunca perdendo as referências da aldeia de Mazucane dos seus avoengos, eles aprendem a chamar casa, a chamar aldeia, ao mundo todo. Que grande MUDANÇA! Que desafios mais exaltantes, de que não se podia sonhar a uns meros 40 anos atrás.
Filipe Nyusi, o candidato da FRELIMO, trouxe um interessante mote eleitoral: CONFIANÇA, MUDANÇA, DESENVOLVIMENTO. Alguns distraídos apressaram-se a ver neste lema um ruptura radical com as referências programáticas de que ele se nutriu ao longo da sua vida. Nascido praticamente quando o Planalto de Mueda já era um caldeirão das ideias emancipalistas, Filipe Nyusi é um filho da FRELIMO. E ele sabe que este é um Partido de Mudanças. A FRELIMO é o movimento político que liderou todas as mudanças fundamentais que marcaram Moçambique no último meio século.
Foi a FRELIMO que provocou uma mudança qualitativa nas formas de luta do povo moçambicano contra o colonialismo. Das reivindicações desgarradas, das greves localizadas, das lamentações que poderiam ser encontradas no cancioneiro popular do Rovuma ao Maputo, a FRELIMO liderou uma MUDANÇA de paradigmas na forma como o colonialismo português deveria ser enfrentado. Estruturou novas formas de luta, incluindo a via armada, que levaram ao derrube do sistema colonial 12 anos depois da sua fundação.
A FRELIMO foi o motor das mudanças que ocorreram na sociedade moçambicana, sinalizando que as oportunidades estavam abertas para todos. Nestes 40 anos de independência, duma sociedade eminentemente camponesa a atrasadíssima, emergiram médicos, engenheiros, operários, professores secundários e universitários, investigadores, agrónomos, enfermeiros, extensionistas agrários, veterinários... Todas estas MUDANÇAS ocorreram em menos de 40 anos!
Sem querer esgotar a lista de Mudanças, posso ainda dizer que foi a FRELIMO que promoveu e “pionerou” a participação democrática, de mulheres e homens, na vida política nacional. As decisões, no seio da FRELIMO e, particularmente, nas zonas libertadas eram tomadas após prolongadas discussões e procura de consensos.
Quando há alguns anos atrás, o Partido de Nyusi lançou o slogan “FRELIMO, a Força da Mudança” era a tudo isto que se queria referir. Era uma proclamação e uma afirmação da sua vocação intrínseca para a transformação permanente e positiva da sociedade moçambicana. Era o assumir de que pretende continuar a ser o factor de Mudança (veja-se que eu não disse “um factor”, mas sim “o factor”).
As perspetivas, oportunidades, sonhos, desafios em que Filipe Nyusi irá exercer o seu elevado magistério são diferentes daqueles em que Mondlane, Samora, Chissano e Guebuza exerceram os seus. Seria pois ingenuidade supor que ele iria exercer o seu mandato com os mesmos instrumentos e as mesmas fórmulas usadas pelos seus eminentes predecessores.
As sucessivas gerações de nativos de Mazucane conhecem o sentido da palavra MUDANÇA. Eles a viveram ao longo do seu percurso. Com todas as mudanças que tiveram, aquelas gerações todas não perderam o seu chão, as suas referências, a missão e visão comuns. E Moçambique é constituído por vários Mazucanes. E todos esses Mazucanes sabem que Nyusi continuará a inspirar-se no nosso percurso comum, iniciado há várias gerações atrás.
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