segunda-feira, 27 de maio de 2019

MARIMBONDOS ROC NA SONANGOL



Na Sonangol, há uma figura que sempre passou pelos pingos da chuva dos grandes actos de pilhagem a que a petrolífera nacional esteve constantemente sujeita. Trata-se de Francisco de Lemos José Maria, durante muitos anos administrador da Sonangol para as finanças e seu presidente do Conselho de Administração de 2012 a 2016. Tratamos aqui de esquemas contratuais envolvendo mais de 560 milhões de dólares, entre 2006 e 2007.
O Maka Angola revela como Francisco de Lemos José Maria tinha um esquema bem montado de sucção de centenas de milhões de dólares dos cofres da Sonangol, através da empresa Riverstone Oaks Corporation (ROC), uma sociedade imobiliária de direito angolano, em negócios escusos.
Comecemos pelo contrato datado de 24 de Outubro de 2007, assinado entre a ROC, representada pelo seu então director-geral, Guillaume A. Barré, e a Sonangol, na altura dirigida por Manuel Vicente.

A Sonangol pagava 260,2 milhões de dólares pela construção de 109 casas numa área total de 141,7 mil metros quadrados, incluindo um centro comunitário, piscina e campo polidesportivo. Era o projecto Golden Resort Complex, no Talatona, em Luanda.
Nessa altura, apenas existia o terreno. A ROC estabeleceu um consórcio com a Consolidated Consultants, no qual esta era responsável por «elaborar o projecto do empreendimento». Por sua vez, a ROCficava com «coordenação do projecto, construção, e marketing e comercialização das casas».
As modalidades do contrato-promessa favoreciam sobremaneira a ROC, em detrimento da Sonangol, que pagou imediatamente 78 milhões de dólares com a sua assinatura, para uma obra com uma duração estimada de dois anos. Passados 90 dias, a Sonangol pagou mais 39 milhões de dólares, e um ano antes da conclusão da obra já tinha pago 90 por cento do total.
O contrato não estabelecia obrigatoriedade de garantia, e os prazos de pagamentos e cláusulas técnicas sobre mora, resolução, escritura pública, força maior, eram extremamente favoráveis à ROC (Cf. claúsulas 3.ª, 4.ª,5.ª,7.ª8.º, por exemplo). Era uma festa para a ROC.

Os ROC

A Riverstone Oaks Corporation (ROC) foi estabelecida a 6 de Setembro de 2004, no 3.º Cartório Notarial de Luanda, por Solange Josefa António Alberto, Sandra Quengue Dias dos Santos Joaquim e Norberto do Couto Morais Marcolino, com quotas iguais.
Passados nove meses, a 6 de Junho de 2005, Solange Josefa António Alberto emitiu uma procuração irrevogável a favor do seu companheiro Francisco de Lemos José Maria, com poderes necessários e específicos de gerência referentes às empresas ROC – Riverstone Oaks Corporation, Lda., Pocthe-trading, Lda., e Silverstone Corporation, Lda., todas com sede em Luanda, na Rua de Portugal, n.º 73.
Em concreto, com a procuração irrevogável, que não caduca com a morte da mandante, Francisco Lemos assumia-se como o verdadeiro proprietário das quotas de Solange e assumia a co-gerência das referidas sociedades na sua plenitude. Movimentava a conta bancária das sociedades em todos os bancos, montante ilimitado, sacando e endossando cheques e praticando tudo o que mais se mostrasse necessário para esse fim. Assinava ordens de pagamento e de levantamento ou transferência de fundos sobre contas bancárias. Mais ainda, o então gestor financeiro da Sonangol simultaneamente intervinha e obrigava as referidas empresas privadas em todos os actos e contratos, incluindo a possibilidade de fazer negócios consigo próprio. Também assumia a representação das empresas em juízo e detinha os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo o de confessar e desistir, entre outros poderes.
Em resumo, Lemos era sócio-gerente da ROC para fazer negócios consigo próprio, enquanto financeiro da Sonangol.
Por sua vez, no mesmo dia, Sandra Quengue Dias dos Santos Joaquim passou também uma procuração irrevogável para Orlando José Veloso, seu companheiro em união de facto há cerca de 20 anos. Na altura, Orlando José Veloso era o director da Direcção de Engenharia (DENG), responsável pelos projectos imobiliários da Sonangol, e a procuração conferia-lhe exactamente os mesmos poderes atribuídos ao seu colega Lemos Maria.
“Estas procurações esvaziavam por completo os poderes de Solange Alberto e Sandra Joaquim enquanto gerentes. Nessa medida, são uma fraude à lei, e tornavam Lemos Maria e Orlando Veloso gerentes de facto das sociedades”, explica o analista jurídico Rui Verde.
O Maka Angola continua a investigar a terceira figura formal da ROC, Norberto Marcolino, que em 2013 se apartou definitivamente da sociedade.
Tentámos sem sucesso contactar Francisco de Lemos José Maria e Orlando José Veloso, assim como Norberto Marcolino. Cabe-lhes o direito de resposta.

O terreno alheio

Há uma particularidade no esquema de construção do Golden Resort Complex. Inicialmente, o terreno onde foi erguido o projecto, conforme dados partilhados pelas fontes destes portal, pertencia à Sonangol.
A Sonangol, de forma curiosa, procedeu à sua transferência para a empresa Imobilândia, pertença dos mesmos sócios da ROC. Por sua vez, adivinhe-se, a Imobilândia fez o trespasse de terreno para a ROC. Essas transferências ocorreram sem registos financeiros, conforme os peritos envolvidos na investigação das três empresas. Ademais, “a transferência do terreno entre a Imobilândia e a ROC ocorreu de forma fictícia, sem a formalização de qualquer documento legal”, assevera uma das fontes.
Por conseguinte, “a Sonangol nunca recebeu a escritura da propriedade, apesar de ter feito o seu pagamento integral. É surpreendente que uma empresa do porte da Sonangol nem sequer tenha controlo dos seus activos”, lamenta a fonte.
“Até à data, ninguém se interessou em exigir a escritura da propriedade deste empreendimento, mesmo considerando tratar-se de um negócio  de valores tão expressivos, o que demonstra total desleixo  com a gestão dos bens públicos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve investigar os negócios da ROC”, finaliza a mesma fonte.

O Instituto Superior do Saque

A 1 de Outubro de 2010, a Sonangol concluiu o pagamento de 169,8 milhões de dólares à ROC, com a transferência de uma parcela de 55,1 milhões de dólares referente à venda das instalações que albergam o Instituto Superior de Tecnologias e Ciências (ISPTEC), no Talatona, em Luanda. Esse contrato havia sido assinado em 2006.
Instalações do ISPTEC
Um ano antes do contrato referente ao Golden Resort Complex, a ROC adquiriu ao Governo Provincial de Luanda um terreno no Talatona pelo valor de 3,3 milhões de dólares. Nesse terreno, construiu o Condomínio ZR7, com 62 moradias.
Fontes fidedignas do Maka Angola informam que, “obviamente, o acordo era vender as moradias à Sonangol”, pelo valor arredondado de 96 milhões de dólares. “Todas as empresas do grupo ROC foram constituídas com o único objetivo de negociar  com a Sonangol”, indicam as fontes.

“Há aqui um problema. Não houve formalização de nenhum contrato [sobre o Condomínio ZR7] entre a ROC e a Sonangol. Esta já vendeu as casas. Mas não pagou à ROC. Temos informação que não existe tal débito pendente na Sonangol. Ou seja, muito provavelmente esse pagamento [96 milhões de dólares] foi efectuado a ‘alguém’”, revelam as fontes.
Para tornar mais confusa a situação, a ROC continua a gerir o condomínio, porque “entende que o condomínio ainda lhe pertence, por nunca lhe ter sido pago”, adiantam.
Em resumo, continuamos lamentavelmente na mesma. As instituições e empresas públicas – de que a Sonangol será a mais vital para o Estado e os cidadãos angolanos – estão corroídas por décadas de uma praga devastadora. De cada vez que olhamos os negócios de perto, descobrimos mais infestação. Quando será possível conter e eliminar de vez esta praga?
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