Através do WhatsApp, o vídeo com cinco anos andou de mão em mão. A cunhada, que trabalhava na mesma empresa, mostrou-o ao marido de Verónica. Foi de mais. Enforcou-se.
Uma morte, 2.500 culpados. Verónica pôs fim à própria vida, mas o enredo que levou à sua morte — que começou a ser investigado como suicídio pelas autoridades espanholas e que agora é visto como um crime com castigo — pode acabar com toda uma empresa sentada no banco de réus.
A trama começa há 5 anos. Verónica Rubio tinha 27 anos, era solteira, e gravou um vídeo onde se filmava a ela própria a ter relações sexuais. Na cabeça da jovem, que entretanto casou e teve dois filhos, o assunto estava provavelmente esquecido. Nos últimos dias de maio tudo mudou. Vindo não se sabe de onde — o El Mundo aponta a hipótese de a origem ser um antigo amante rancoroso — o vídeo de Verónica caiu nas redes sociais. Em concreto, nos grupos de WhatsApp da empresa de camiões da Iveco, em Madrid, a CNH Industrial.
Dia após dia, a vida de Verónica tornou-se um inferno. Na empresa onde a esmagadora maioria dos trabalhadores são homens, Verónica tornou-se famosa. Pelos piores motivos.
“É aquela ali.” A frase, conta sob anonimato um dos seus colegas ao El Español, era usada para indicar quem era a protagonista do vídeo pornográfico. Quem não sabia quem era Verónica, rapidamente passou a saber. E os colegas não tinham pruridos em fazê-la saber que tinham visto o vídeo da sua desgraça.
Cheguei a ver um colega a apontar para ela, a dizer a um outro que era ela a mulher do vídeo. Quando o repreendi, respondeu-me: ‘Se ela não se importa…’”, disse a mesma fonte.
Até aquele momento, Verónica não despertava a curiosidade de ninguém. Entrou na empresa em 2006, e durante muito tempo trabalhou na linha de montagem, fabricando camiões, transportando tubos de escape de um lado para o outro. Com o passar do tempo foi adquirindo mais responsabilidades e parecia totalmente integrada.
Verónica pede ajuda aos Recursos Humanos
Com o passar dos dias, e ao aperceber-se que estava a perder o controle da situação, Verónica dirige-se aos Recursos Humanos da empresa. Tudo o que quer é que o problema desapareça e que a sua vida regresse à normalidade. Mais do que qualquer outra coisa, espera evitar que o vídeo chegue às mãos do seu marido.
Nesse encontro, Verónica não está sozinha. Com ela estão os representantes do CC.OO — Confederación Sindical de Comisiones Obreras-Inicio, uma confederação sindical espanhola. Embora a empresa pareça sensível à situação criada, não está disposta a resolvê-la. Sugere a Verónica que faça queixa à polícia, ideia que ela rejeita por não querer que o assunto tome proporções ainda maiores. Depois da sua morte, o CC.OO anunciou que vai denunciar a Iveco Espanha à Inspeção do Trabalho por não ter acionado o protocolo de assédio sexual. Para a estrutura sindical o que estava ali em causa era um acidente de trabalho, para a empresa — segundo fonte do CC.OO ao El Confidencial — “era um assunto pessoal e não de âmbito laboral”.
A empresa estava ciente desta situação de risco no trabalho, pelo menos desde quinta-feira, 23 de maio, e não tomou nenhuma medida preventiva, portanto, a CC.OO acredita que a sua inação foi um fator decisivo no infeliz desfecho que culminou na morte da nossa colega”, declarou em comunicado.
Ao El Mundo, a empresa garante que colocou em andamento o protocolo que tem definido para estas situações, que ofereceu a Verónica a hipótese de mudar de posto de trabalho ou de pôr uma baixa médica. Tudo opções que foram rejeitadas.
A cunhada entrega o vídeo ao irmão, marido de Verónica
“Na última quarta-feira vi-a chorar”, conta outro colega de trabalho ao El Español. “A maioria de nós viu o vídeo, foi tão difundido que me chegou através de pessoas que não trabalham na empresa.”
A pressão era cada vez maior, mas o pior aconteceu na sexta-feira passada. O vídeo chega às mãos da cunhada de Verónica, que trabalhava na mesma empresa, e que o encaminha para o seu irmão. Foi de mais para Verónica. Quando soube teve um ataque de ansiedade e teve de regressar a casa, acompanhada por um amigo, antes mesmo de o dia de trabalho acabar.
Foi a última vez que foi vista com vida. No sábado, enforcou-se.
A gota de água foi o vídeo ter chegado ao marido. Embora tenha sido gravado antes de se terem casado, na sexta-feira passada disse-me que ficou arrasada quando percebeu que ele o tinha visto”, conta um amigo de Verónica ao El Mundo.
Agora, a morte de Verónica é um caso de polícia. Quando pegou no caso, no sábado, a Polícia Nacional olhou para ele como um suicídio, antes de saber da existência do vídeo. Ao apurar os detalhes nesta terça-feira, percebeu que há 2.500 pessoas que poderão vir a ser acusadas. Em causa está um delito de revelação de segredo, previsto na lei espanhola, com uma moldura penal que vai de três meses a um ano de cadeia.
A responsabilidade penal pode chegar a cada um dos trabalhadores da empresa e as autoridades estão a investigar o nível de implicação de cada um, consoante tenham ou não partilhado o vídeo. Não interessa sequer se foram os primeiros a carregar no botão “enviar”. Se o partilharam são responsáveis pela morte de Verónica.
Para evitar que algum do género volte a acontecer, os trabalhadores manifestaram-se na terça-feira em frente às instalações da empresa. “Eram companheiros dela, pensavam que era uma piada e que não estavam a causar mal. Gente que ela conhecia há tanto tempo, gente que é má, tóxica”, disse uma colega de Verónica ao El Mundo.
O remate vem de outra trabalhadora: “Cada um tem de analisar a sua consciência e pensar no que fez.”