segunda-feira, 27 de maio de 2019

TRIBUNAL SUPREMO DESMANCHA ARTIMANHA DO DEPUTADO JÚ MARTINS


Dudik Hazan é um cidadão israelita que, a propósito de umas explorações de sal, entrou numa intensa disputa com Jú Martins, deputado e figura grada do MPLA. Temos contado esta história no Maka Angola, reportando as versões das várias partes (ver aquiaqui aqui).
A relevância deste caso é idêntica à do caso que opõe o general Andrade à empresa norte-americana Africa Growth Corporation, e a tantos outros.
A estrutura da narrativa costuma ser idêntica, e podia já inspirar um novo romance de José Eduardo Agualusa. Há um estrangeiro com espírito empreendedor e know-how específico que se alia a uma figura importante em Angola, um ministro, deputado ou general. Fazem uma sociedade, e a dada altura o figurão angolano acusa o estrangeiro de ser um bandido e fica-lhe com a sociedade. Depois disso, segue-se uma via-sacra pelos tribunais, que raramente compensa o estrangeiro, mesmo se ele tiver razão.
Este é um dos problemas graves com que João Lourenço se defronta: como atrair investimento estrangeiro, se existe o medo de ficar sem nada no fim de contas? Isto não quer dizer que todos os figurões angolanos sejam burlões e que os estrangeiros sejam uns anjinhos. Quer apenas dizer que o Estado angolano e a justiça têm de dar uma resposta rápida e eficaz quando surgem estes confrontos, que, repetimos, são habituais.
A 7 de Março passado, o juiz Milton Cafoloma, da 2.ª secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal de Benguela, condenou Roi Atia e Tal Eliaz, colaboradores israelitas de Dudik Hazan, a penas superiores a oito anos de prisão efectiva. Dudik Hazan só não foi detido por se encontrar fora do país. Agora, uma decisão do Tribunal Supremo, em matéria cível, vem dar-lhe razão.
Vejamos em que medida esta decisão contraria a prévia sentença criminal e qual o impacto na política global angolana, que, no fim de contas, é o que mais nos interessa.
A 21 de Março de 2019, a 1.ª secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, na pessoa da juíza conselheira Anabela Vidinhas como relatora, e com Molares de Abril e Manuel Dias da Silva como adjuntos, acordou em revogar uma decisão de 1.ª instância no processo que opõe Jú Martins a Dudik Hazan, mais conhecido em Angola por David. Neste caso, o que estava em discussão era um requerimento do cidadão israelita feito junto do Tribunal Provincial de Benguela, no sentido de obter a restituição provisória da posse da Salina Macaca e dos móveis que se encontram no interior desta. Este requerimento estava proposto contra Jú Martins e outros (Manuel António Monteiro e Pascoal José Capolo).
Essa Salina Macaca tinha sido ocupada por Jú Martins, sem mandado legal, mas com o apoio da Polícia Nacional. Segundo argumenta Dudik Hazan, a Polícia, alegando estar a cumprir ordens superiores, tomou de assalto a Salina, expulsou os trabalhadores e apropriou-se com violência das chaves dos escritórios e das viaturas ali existentes. Depois deste esbulho sem base legal aparente, o israelita recorreu para o Tribunal de Benguela. Aqui, o juiz decidiu de forma favorável a Jú Martins. Foi esta decisão que motivou o recurso para o Tribunal Supremo, que agora mencionamos.
Não entrando em demasiados detalhes da causa, importa referir a repetição daquilo para que temos vindo a alertar na análise de vários casos: os juízes “inventam” figuras que não existem no ordenamento jurídico, ou “esquecem-se” do que diz a lei, para poderem elaborar sentenças que se adequam aos interesses da elite dominante. Este comportamento é recorrente.
Como explica bem o aresto do Tribunal Supremo, na primeira instância foi criada, para sustentar a posição de Jú Martins, uma figura que não existe: a “suspensão de gerente”. Um gerente não pode ser suspenso, apenas demitido pela Assembleia Geral ou pelo tribunal.
Assim, toda a argumentação da decisão da primeira instância foi baseada numa nulidade, numa figura não existente na lei.
O que o Tribunal Supremo esclarece bem é que, num caso em que cada sócio tem 50 por cento (Dudik e Jú tinham cada um metade da sociedade Starlife, que explorava a Salina), não pode vir um deles (neste caso, Jú) com uma mera alegação de que o outro desvia fundos, assim obtendo a sua suspensão e afastando-o da empresa. Na verdade, a suspensão não está prevista na lei, e nessa medida o Tribunal Provincial baseou toda a decisão e a cobertura que deu a Jú Martins numa norma “inventada” e falsa.
Aliás, o Tribunal Supremo é contundente na apreciação que faz da decisão do tribunal de 1.ª instância, escrevendo no final da sua deliberação (p. 12 do Acórdão) que “o Tribunal a quo mal andou, ao decidir como decidiu violou Direitos, a Lei e a Constituição (…), ou seja, os Princípios da Legalidade, da Protecção da Justiça, da Certeza e Segurança das Decisões Judiciais e da Defesa da Paz Social”. Uma apreciação demolidora para o juiz Milton Cafoloma, de Benguela.
Obviamente que a desmontagem que o Tribunal Supremo faz da construção jurídica atípica realizada pela 1.ª instância levanta uma suspeita e cria uma obrigação. A suspeita é sobre o juiz Milton Cafoloma, que tem tomado as decisões que protegem Jú Martins. Até que ponto conhece ele a lei? Até que ponto está comprometido, por razões político-partidárias, com Jú? A obrigação refere-se à análise que o Tribunal Supremo tem de fazer no recurso do processo-crime que condenou os israelitas. Isto é, tem de proceder-se à mesma desmontagem de argumentos inexistentes.
Note-se que no pano de fundo estão as relações entre Israel e Angola. Israel tem sido um aliado preferencial deste país, sobretudo nas áreas de Segurança e Inteligência. Este tipo de acontecimentos obviamente perturba o bom funcionamento das relações, e serve de mais uma lição a todos os investidores estrangeiros acerca das consequências das parcerias que estabelecem com os dirigentes do MPLA, governantes e seus representantes directos.
Aliás, segundo fontes do Maka Angola, têm vindo a ser desenvolvidos contactos, pelo embaixador de Israel em Luanda, no sentido de alertar as mais altas autoridades angolanas para a perturbação que os dislates de alguns pode exercer nas relações de alta sensibilidade entre os dois países.
Esta é mais uma novela judiciária que acompanharemos.
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