sábado, 18 de maio de 2019

Candidata do partido do governo elogia assassino de Gandhi:

Candidata do partido do governo elogia assassino de Gandhi: "Era um patriota"

Numa campanha eleitoral centrada na segurança nacional, na luta contra o terrorismo e no conflito entre hindus e as minorias religiosas, uma candidata do partido do primeiro-ministro Narendra Modi afirmou que o homem que matou Mahatma Gandhi em 1948 era "um patriota". Modi admoestou-a e pediu desculpa mas a oposição acusa-o de hipocrisia.
"Nathuram Godse [o homem que matou Mahatma Gandhi há 71 anos] era um patriota, e será sempre um patriota. Aqueles que o apelidam de terrorista deviam refletir. Esta eleição é sobre patriotismo e nacionalismo e quem apelida Godse de terrorista terá a resposta apropriada dos eleitores."
As palavras foram ditas nesta quinta-feira por Pragya Singh Thakur, candidata do partido nacionalista do primeiro-ministro Narendra Modi às eleições cuja última ronda de votos terá lugar este domingo, 19 de maio (estão a decorrer votações desde 11 de abril, em sete fases; o resultado será anunciado a 23 de maio). Thakur, que esteve mais de oito anos presa à espera de julgamento por alegado envolvimento em ataques terroristas contra muçulmanos em outubro de 2008, é uma extremista hindu.
As reações não se fizeram esperar, com oposição a acusar o BJP (acrónimo de Bharatiya Janata Party, um dos dois grandes partidos da Índia, sendo o outro o Partido do Congresso) de "ser inspirado pelo assassino do pai da nação", e constituído por "fãs de Godse".
"A verdade sobre a posição do BJP relativamente ao terrorismo torna-se cada vez mais clara", disse o secretário-geral do Partido Comunista, Sitaram Yechury. "Primeiro, um ministro afirma que Godse não foi um terrorista; agora uma acusada de terrorismo chama-lhe patriota. O BJP continua inspirado pelos assassinos do Mahatma." E acrescentou: "Mahatma Gandhi foi assassinado e o seu homicídio foi planeado com o objetivo de acicatar ódio, criar terror e transmitir uma mensagem. O homicídio foi perpetrado por Nathuram Godse. Se o BJP considera que Godse era um patriota então o que era Mahatma Gandhi?"
Digvijaya Singh, do Partido do Congresso, opositor direto de Thakur em Bhopal, o distrito em que ela se candidata, exigiu desculpas à direção do BJP: "Nathuram Godse foi um assassino e glorificá-lo é uma forma de sedição. O primeiro-ministro Modi e o presidente do BJP, Amit Shah devem pedir desculpa por estas declarações."
Já Rahul Gandhi, presidente do Partido do Congresso, bisneto do ex-primeiro ministro Jawaharlal Nehru, neto da ex-primeira ministra Indira Gandhi e filho do ex-primeiro ministro Rajiv Gandhi, apelidou o BJP de "Godse lovers", ou seja, "amantes" ou "fãs" de Godse.
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Nathuram Vinayak Godse, um nacionalista de 37 anos, atingiu Gandhi com três tiros na tarde de 30 de janeiro de 1948, quando este se preparava para rezar no sítio habitual. Gandhi não resistiria os ferimentos, morrendo nesse mesmo dia.
Condenado à morte por enforcamento, usou o seu julgamento para justificar politicamente o homicídio, acusando Gandhi de complacência para com os muçulmanos e de ser responsável pela partição do território que tinha sido a Índia britânica, que em 1947 foram divididos em dois países -- Índia e Paquistão -- com base na pertença religiosa maioritária da população: hindus na Índia, muçulmanos no Paquistão. A partição levou à deslocação/fuga de 10 a 12 milhões de pessoas, e estima-se que os conflitos anteriores e posteriores ocasionaram entre muitas centenas de milhar e dois milhões de mortos.
Thakur, que um artigo do site Buzzfeed News descreve como "a mais tóxica candidata das maiores eleições do mundo" e como alguém que se proclama em "guerra santa" contra os muçulmanos, tem 49 anos e aguarda julgamento como acusada de ter participado nos atentados de Malegaon, em 2008, dirigidos contra muçulmanos e nos quais morreram seis pessoas e foram feridas 100 outras. Esteve presa de outubro de 2008 a abril de 2017, tendo sido libertada por razões de saúde; a sua candidatura às eleições foi muito contestada -- é a primeira vez que alguém com acusações formais de envolvimento em terrorismo é candidato a eleições -- mas a direção do partido defendeu-a.
Conhecida pelas suas declarações chocantes -- afirmou ter participado na destruição de uma mesquita do século XVI em 1992; ter causado a morte, por tê-lo amaldiçoado, de um polícia que morreu nos ataques terroristas de novembro de 2008 em Mumbai; e ter curado o cancro (foi sujeita a uma dupla mastectomia) bebendo urina de vaca -- desta vez Thakur acabou por pedir desculpa pelo elogio a Godse. "Peço perdão pelas minhas palavras. Respeito muito Mahatma Gandhi, fez muito pelo país. Não quis magoar ninguém."
Ainda assim, a candidata acusou os media de "deturparem" o sentido do que disse.
Também o primeiro-ministro Modi acabaria, esta sexta-feira, numa entrevista televisiva, por quebrar o silêncio do partido sobre a "bomba", dizendo que não poderia nunca perdoar a Thakur ter insultado Gandhi: "Numa sociedade civilizada, este tipo de linguagem e pensamento não é admissível. Não posso perdoar-lhe." Já o presidente do partido informou que foram dados 10 dias à candidata para que se explicasse. Após essa resposta, explicou, o comité disciplinar do partido decidirá o que fazer. A eventualidade de ela ser eleita (as eleições para o seu distrito já tiveram lugar, a 12 de maio) não foi abordada.
Desde 2014, coincidindo com a ascensão do BJP ao poder, têm surgido tentativas de reabilitar Godse que passam precisamente por retratá-lo como um patriota. Falou-se de lhe erigir um templo e foi feito um documentário, intitulado Desh Bhakt Nathuram GodseO patriota Nathuram Godse). em 2015, um tribunal decretou que o filme não poderia ser exibido.

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