1 - (Um olhar
retrospectivo).
Por: João Niove
Antes, uma área para a produção agropecuária,
segundo projecções de alguns
fazendeiros de outrora que se haviam
instalado na região e que logo depois da
independência nacional, requalificou-se
para Centro de Apoio à Velhice, em
virtude de nele terem sido acolhidos
alguns idosos que sofriam de lepra,
Maratane, para além das suas excelentes
nascentes de água que acabam
confluindo em córregos que possibilitam
a fertilidade dos solos para a prática
agrícola, hoje, é um centro de recepção e
acomodação de refugiados e de
candidatos ao estatuto de refugiados.
Da zona de cimento da chamada capital
do Norte ao Centro de Maratane, são
cerca de 25 kms de estrada em terra
batida, um percurso de não mais de 40
minutos, em viatura de tracção às quatro
rodas.
Maratane é uma povoação da localidade
de Namachilo, Posto Administrativo de
Anchilo, Distrito de Nampula e localizase
ao sudoeste da Cidade de Nampula.
Mercê das decisões emanadas do
Governo central relativas ao
encerramento dos demais centros de
acomodação de refugiados que existiam
algures em Massaca II, Distrito de Boane
e Bobole, Distrito de Marracuene, ambos
da Província do Maputo, e consequente
transferência dos seus efectivos
populacionais para o Centro de
Maratane, na Província de Nampula, que
a partir dessa altura, Maratane tornou-se
no Centro Nacional de Refugiados, em
Moçambique.
Dados em nosso poder, fornecidos pelo
Instituto Nacional de Apoio aos
Refugiados (INAR) em Nampula,
indicam que ao longo do ano de 2003,
Maratane albergava cerca de 4.500
requerentes de asilo dos quais cerca de
58% eram homens e 42% mulheres com
uma média mensal de pedido de asilo, de
cerca, de 200 requerentes. O Centro
contava, no ano em alusão, com um
pouco mais de 14 nacionalidades, sendo
de destacar, a Congolesa, a Burundesa e
a Ruandesa e, ainda havia um registo de
144 nascimentos, destes um pouco acima
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de 50% eram do sexo feminino e mais de
60% de nacionalidade congolesa.
Analisando estes dados pela vertente da
dinâmica demográfica, sobretudo, em
relação ao movimento de entradas bem
como de nascimentos que se registam
neste Centro, o quadro de uma
assistência qualificável tende a
ensombrar-se, pois os recursos para fazer
face a este fenómeno começam a
escassear.
O Instituto Nacional de Apoio aos
Refugiados, sendo uma instituição de
direito público subordinada ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação tem trabalhado de mãos
dadas com o Alto-Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR) no apoio e assistência aos
refugiados. Aliás, à luz do Estatuto do
ACNUR aprovado pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 14 de
Dezembro de 1950 prevê que este
organismo deve proporcionar protecção
internacional aos refugiados, o que é
evidente em Maratane.
Mas, essa assistência, torna-se
insuficiente, a avaliar pelo volume de
entradas que tende a aumentar dia-apósdia,
obrigando a essas entidades de tutela
um cada vez maior redobrar de esforços,
quer na provisão de alimentos básicos
como em serviços de abastecimento de
água potável, saúde, educação e
segurança.
Quem requer asilo no Centro de
Maratane?
Moçambique é signatário da Convenção
Africana de 10.09.1960 que em seu
artigo 1º, aplicável aos países membros
da União Africana, sem excluir as
hipóteses previstas na Convenção das
Nações Unidas de 1951 e do Protocolo
de 1967, conceitua refugiado como
sendo toda pessoa que, em virtude de
uma agressão, ocupação ou dominação
estrangeira, e de acontecimentos que
perturbem gravemente a ordem pública,
em parte ou na totalidade do seu país de
nacionalidade, se vê obrigada a
abandonar a sua residência habitual para
buscar refúgio em outro lugar, fora do
seu país de origem ou de nacionalidade.
Geralmente, o refugiado abandona tudo,
desde a casa, os bens, a família e até o
país, em troca de um futuro incerto numa
terra desconhecida. Portanto é um
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abandono derivado de graves violações
dos direitos humanos no seu país de
nacionalidade ou de origem.
Assim, para compreender este cenário
passa por retrospectivar a situação
geopolítica conflituosa prevalecente na
região dos Grandes Lagos, sobretudo, no
nordeste da República Democrática do
Congo, em que há um recrudescimento
de bolsas de conflitos etno-políticos que
tendem a alastrar-se para os vizinhos
Burundi e Ruanda.
Como corolário desta avalanche e,
particularmente, em relação aos
requerentes de asilo, isto é aqueles que
requerem uma segurança, um abrigo
(refúgio) no Centro de Maratane há a
salientar duas vertentes de entradas de
cidadãos de outras nacionalidades que
importa sublinhar: 1) cidadãos que
fogem dos campos de refugiados dos
países fronteiriços e que se encontram
a sul da região dos Grandes Lagos,
nomeadamente, Tanzania, Zâmbia e
Malawi e 2) os que fogem
directamente dos seus países de
origem devido a persistência desses
conflitos internos.
Tanto para uns como para outros, depois
de se apresentarem no Centro de
Maratane são submetidos a uma triagem
por pessoal técnico especializado com o
objectivo de conhecer a situação e
proveniência de cada um. Como
qualquer outro processo, este tem
enfrentado problemas relacionados com
falsas declarações, por parte de alguns
requerentes de asilo. Sem pretendermos
uma análise individualizada e exaustiva
dos dados disponíveis, mas como
tentativa de dar substância ao que temos
vindo a veicular, temos a título de
exemplo os requerentes de asilo de
nacionalidade somáli que usam o centro
como corredor de passagem para outros
quadrantes.
Aliás, como que a confirmar o nosso
pressuposto, basta referir que entra no
Centro de Maratane uma média semanal
de 20 somalis, mas que, curiosamente, as
estruturas administrativas do centro têm
no seu controle um número não superior
a 50 candidatos ao estatuto de
refugiados. E os outros...?! Esta é a
pergunta cuja resposta não cabe neste
artigo!
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Neste contexto, não raras vezes,
Maratane, e por que não Moçambique,
tem servido como corredor de trânsito
para outras regiões tanto do território
nacional como, e sobretudo, para o
“eldorado” vizinho território Sulafricano.
Mesmo que se interceda junto do AltoComissariado
das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR) para uma triagem
mais rigorosa de requerentes a asilo, a
infiltração de imigrantes ilegais sob capa
de refugiados é inevitável a avaliar pela
complexidade do processo bem como da
fragilidade ou, melhor, da
vulnerabilidade de entidades nele
envolvidas.
Em Maratane, há problemas de
atribuição de cartões de abastecimento
de artigos de primeira necessidade.
Vezes há em que mesmo após a saida de
alguns refugiados ou requerentes de
asilo, os seus cartões continuam ainda na
posse de algumas pessoas do centro, ou
seja, não são inutilizados o que faz com
que o número esteja sempre a crescer.
Não há baixa na contagem, via cartões
emitidos.
Segundo o ACNUR, aquando da
distribuição de alimentos verificada
entre Abril e Maio de 2004, foram
confiscados cerca de 90 cartões, dos
quais 16 pertenciam a uma mesma
pessoa e que se presume que os seus
legítimos donos tenham, provavelmente,
regressado aos seus países de origem, ou
então estejam fora do controlo das
autoridades do centro e algures na
Cidade de Nampula ou num outro canto
da nossa pátria amada ou mesmo fora
dela.
O controlo de cartões, se é que existe,
leva a crer que seja deficiente ou então
viciado para a satisfação de outros
interesses, pois quando há baixa no
centro (isto é saída), o cartão é
automaticamente inutilizado, quer dizer,
cruzado. Quando isto não acontece leva
a supor que há uma indevida e duvidosa
utilização desses cartões.
Com vista a estancar o
desencaminhamento de víveres,
provavelmente, via “cartões piratas”,
levou-se a cabo um novo registo porta-aporta
para (re) confirmação do número
real de residentes e respectivo cartão o
qual conta com uma foto tipo-passe, para
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a autenticação da identidade do portador.
Uma medida que, quanto a nós, não
surtirá os seus resultados visto que
alguns deles, sobretudo do sexo
feminino, apresentam-se com rostos
totalmente cobertos, o que,
provavelmente, pode dificultar a
certificação do rosto com a foto que
aparece no cartão de abastecimento.
Porquê Maratane?
Pese embora algumas correntes
geográficas da actualidade defendam
que, numa determinada paisagem se
possa desenvolver qualquer tipo de
povoamento sem que as características
físicas interfiram de forma determinante,
para o caso de Maratane, sugere uma
realidade, deveras, diferente, a analisar
pelas suas excelentes condições físicas,
pois os tais fazendeiros colonos que
“descobriram” a área parece terem sido
excessivamente “apaixonados” por
factores, sobretudo, geomorfológicos da
região, aliás, a fertilidade dos seus solos
associada à disponibilidade de baixas
húmidas conferem a região onde se
localiza o Centro de Maratane um clima
de aptidão para a prática da actividade
agro-pecuária assim como para o
assentamento populacional.
Maratane, que reassentamento?
Com tendências de aumento de fluxo
médio mensal de 100 para 200
requerentes de asilo, obviamente, que já
começam a surgir problemas de falta de
espaço para acomodar mais pessoas que
estão entrando em Maratane, quase que
diariamente.
Para além do espaço para acomodação,
há uma série de outros serviços sociais
que devem ser, minimamente, providos,
tais são os casos de cuidados médicos
básicos, alimentos, água, entre outros.
Este imprevisível fluxo de refugiados
torna ineficaz o apoio e assistência
dispensados quer pelas estruturas de
tutela (INAR e ACNUR) quer por outros
parceiros nacionais e internacionais.
Embora não seja intenção desta
abordagem, há pertinência a sublinhar, o
papel e o contributo de algumas
organizações não governamentais que
operavam na província de Nampula,
altura em que se escreveu este artigo,
como a “World Relief” com programas
de integração do refugiado nas áreas de
agricultura, micro-créditos, criação de
aves e de animais de pequeno porte,
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projectos para mulheres que incluem
corte e costura; a “Federação Luterana
Mundial” que se dedicava ao
aconselhamento, resolução de conflitos
entre famílias e demais residentes no
centro, promoção de actividades
culturais, recreativo-desportivas, e outras
actividades de artes e ofícios; a “Rede
da Criança” outra ONG que apoia nas
actividades das crianças sem idade
escolar; a “Visão Mundial” que
respondia pela supervisão das
actividades de construção de habitações
para os refugiados em Maratane, entre
outras organizações.
Este rol de actividades não só implicava
a necessidade de expansão da área
habitacional como também de
melhoramento de serviços prestados,
como a afectação de uma viaturaambulância
para a unidade sanitária local
bem como a respectiva potenciação ou
apetrechamento em recursos humanos e
materiais, continuação de estudos
geológicos com vista a abertura de mais
furos de captação de água potável para
abastecer o centro, melhoramento das
vias de acesso, instalação e/ou
montagem de um pequeno sistema de
comunicação, etc.
Até ao momento que escrevíamos este
artigo, a Administração do Centro havia
recebido mais de 300 pedidos de talhões
para construção de habitações, tendo
sido cedidos mais de 200, o que prova a
imperiosidade de redefinição de
Maratane não como um simples centro
de refugiados, mas um espaço com um
estatuto e dimensão maior que o actual.
Redimensionar Maratane, julgamos nós,
ser um imperativo não só para as
entidades que tutelam o centro como
também e sobreutdo uma resposta
significativa face à sua dimensão e,
particularmente, uma acção concertada
baseada nos pilares de solidariedade
humana; e, já redimensionado, Maratane
pode vir a tornar-se num pólo de
desenvolvimento a partir das actividades
agro-pecuárias e de geração de renda.
As barbearias vs dormitórios
Actualmente, a periferia da Cidade de
Nampula está “invadida” por
“barbearias-dormitórios” que, ao longo
do dia solar, têm a função de cortar e
tratar cabelos mas à noite viram
autênticas camaratas albergando
refugiados que, provavelmente, fogem
de Maratane.
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Os bons ofícios de hospitalidade de que
se apadrinha à população de Nampula
chegam mesmo a pôr em causa algumas
normas de vida urbana. Os citadinos
nampulenses ao cederem, por
arrendamento, os espaços contíguos às
suas residências para este tipo de
actividade, mostra, por um lado, a
solidariedade por estes irmãos africanos,
mas um dia, provavelmente, poderão ser
surpreendidos quando se depararem com
um outro tipo de actividade nocturna
ilegal nestas “barbearias-dormitórios”
que inundam um pouco por toda a
periferia da cidade de Nampula.
As condições de salubridade nestas
barbearias deixam muito a desejar, pois
regra geral, não dispõem de janelas e as
paredes são de, aproximadamente, 2
metros e cobertas de chapas de zinco, na
sua maioria!
Quer se queira, quer não, em Maratane já
está a despontar um novo reassentamento
pois, as famílias estão a
alargar-se e isto sugere a expansão dos
espaços tanto residencial como
produtivo.
A partir deste novo cenário que se vive
no centro ja começa a notar-se uma forte
miscigenação cultural, pese embora as
nacionalidades nele predominantes
sejam de um mesmo contexto
geopolítico e cultural. Portanto,
Maratane de hoje sugere uma visão mais
circunstanciada, ousada e, sobretudo,
mais próxima da realidade que se vive
no centro e não só.
Uma vez em comunidade, como é óbvio,
e em jeito de paráfrase a Roberto da
Matta na sua célebre obra
“Relativizando - uma introdução à
Antropolologia Social”, os refugiados
vão experimentando certos impulsos
“anti-sociais individualistas”, como a
fome, a agressividade e o sexo,
impulsos estes que estimulam o Homem,
pela força da negativa experiência, a
inventar as normas regulamentares da
vida no centro.
Como é sabido, é por se conceber fraco e
solitário que o homem se agrupa e forma
a comunidade onde surgem tais
estímulos e problemas de que o homem
deve assumir o seu histórico papel de
revolucionador.
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Portanto, um desses estímulos a
enaltecer é o apetite sexual que provoca,
consequentemente, a invenção da
família, do incesto, do casamento e do
parentesco; o outro é a fome que conduz
à descoberta do trabalho e do valor dos
alimentos, enfim um mundo de factos
não devidamente previstos, na altura de
definição do local como de simples
recepção e acomodação de pessoas com
estatuto de refugiados.
À medida que o tempo passa, vai
observando-se entre os refugiados e
populações nativas uma miscigenação
cultural, com destaque para os elementos
culturais endógenos e, nesta relação, um
dos primeiros elementos socio-culturais
a ser assimilado, em nosso entender, é a
língua portuguesa, como factor que
condiciona a sua inserção social no novo
habitat, e, associa-se a língua de Camões
o Emakwa, pois o centro encontra-se
instalado fora da área urbana, daí a
língua local assumir o seu papel de
integrador e de socialização.
A malária constitui uma das principais
causas de morte em Maratane e segundo
dados em nosso poder, ao longo do ano
de 2003 foram registados 16 mortes
causadas por esta enfermidade, de
acordo com fontes sanitárias locais.
Quanto à educação, Maratane possui
dois tipos de subsistemas, um tido como
formal e baseado nos moldes do Sistema
Nacional de Educação (SNE) e o
informal que obedece os moldes de
ensino dos Grandes Lagos cujas aulas
são ministradas em Francês.
Maratane na aposta por um novo
semblante.
Em Maratane, funciona um “Ateliê” de
corte e costura, onde senhoras refugiadas
não só confeccionam roupas para venda
como também ensinam à jovem geração
a arte de costurar roupas. Por outro lado,
foram montados painéis solares cuja
energia garante o funcionamento do
equipamento informático recentemente
instalado.
Para permitir um maior controlo de
entradas e saídas, o Núcleo Provincial de
Apoio aos Refugiados de Nampula,
concebeu um documento denominado
“Autorização de Saída” o qual passou a
ser requerido por aqueles que desejarem
ausentar-se do centro para cidade que
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deverá ser exibido sempre que solicitado
pelas autoridades. O tempo máximo de
ausência do centro a ser autorizado pela
respectiva administração e com o visto
do Delegado Provincial do INAR, é de
48 horas a contar da data de emissão da
guía e serão considerados motivos de
deslocação os assuntos relacionados com
o emprego, educação, saúde e comércio.
Aos transportadores de semi-colectivos
de passageiros, vulgo “chapa-100” que
desejarem entrar no centro ser-lhes-ao
exigido uma credencial emitida pelo
Núcleo Provincial dos Refugiados de
Nampula.
Está em curso o projecto de irrigação a
partir da barragem recentemente
reabilitada pela Embaixada dos Estados
Unidos da América.
Portanto, com estas condições e outras
aqui não arroladas credenciam Maratane
um lugar onde o refugiado se encontra
em segurança porque para além de
oferecer abrigo dá-lhes a possibilidade
de se transformarem de simples
refugiados dependentes de ajudas em
empreendedores.
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