Al Shabab em Moçambique ou 43 anos de soberania à meia haste?
Por Estácio Valoi e Luís Nhachote Aos 43 anos de independência Moçambique encontra-se envolto numa encruzilhada com requintes de abusos à sua sober
Por Estácio Valoi e Luís Nhachote
Aos 43 anos de independência Moçambique encontra-se envolto numa encruzilhada com requintes de abusos à sua soberania.
À descoberta de reservas de jazigos de preciosos minerais, gás e petróleo, aliada à ausência das autoridades em sítios nevrálgicos para desenvolver o motor da economia nacional, o Estado mostra-se capturado, capitulado e no degredo. O Centro de Jornalismo Investigativo (CJI) passou semanas a fio a investigar os crimes e abusos contra os direitos humanos, em Mocímboa da Praia! O cenário é de bradar os céus.
Timeline do Terror em Cabo Delgado
No dia 05 de Outubro de 2017, a Vila de Mocímboa da Praia acordou debaixo de um espectro de guerra, com ataques dispersos de desconhecidos munidos de catanas e metralhadoras que terão provocado, pelo menos 28 mortos, dos quais oito agentes da Polícia, 19 insurgentes e, um líder comunitário.
Na altura as autoridades moçambicanas atribuíram a autoria dos ataques a “extremistas islâmicos”! No dia 29 de Novembro, cerca de dois meses depois do primeiro ataque, um grupo de atacantes vandalizou casas, estabelecimentos e uma igreja cristã, nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia.
O governo distrital refere que os suspeitos estudam doutrinas religiosas na Tanzânia, Sudão e Arábia Saudita, onde alegadamente recebem treinos militares e aprendem a manusear armas de fogo e armas brancas, fora do controlo das instituições formais.
Na sequência da violência em Outubro em Mocímboa da Praia, as autoridades fizeram cerca de 50 detenções e ordenaram ao encerramento de três mesquitas que, alegadamente, seriam frequentadas pelos extremistas islâmicos envolvidos nos ataques.
A célula Al-Shabab é apontada como guia espiritual dos ataques como forma de retaliação das autoridades em aceitarem a doutrina por eles apregoada! (Esta frase não se entende bem)
Uma descida ao coração das Trevas
No dia 7 de Março, uma quarta-feira, pelas 5 horas de manhã fizemos o trajecto de cerca de 450 quilómetros de estrada de Pemba a Mocímboa da Praia.
Do cruzamento do distrito de Mueda à Mocímboa, militares, polícias, quer de trânsito, quer de protecção, ambos passaram em revista os passageiros que se faziam transportar em autocarros. Passavam a ‘pente fino’, minuciosos, afinal de contas, elementos alegadamente pertencentes à célula Al-Shabab de Mocímboa já foram detidos dentro deste tipo de transportes. Aliás, o facto já foi confirmado pelo governo Moçambicano através de órgãos de informação. Algumas das detenções dos membros desta célula ocorrerem em Auasse quando saíam da Província de Nampula para Cabo Delgado, alegadamente para se juntarem aos outros membros da célula.
Na Vila Sede de Mocímboa da Praia era notória a presença militar nos quartéis, nas ruas, e veículos a circularem de um lado para o outro, carros blindados, prontos para entrar em acção, pelos bairros, de armas de guerra em mão. militares vão circulando ‘afinal estamos em guerra,’ pelo porto, as lanchas da marinha ensaiam os seus motores, manobras de ataque. Paira o medo, à desconfiança.
Ataques registaram-se ndo em diferentes aldeias de Mocímboa, como o mais recente caso da comunidade de Chitolo onde uma pessoa foi morta, degolada, ‘por ter reconhecido um dos insurgentes,’ cinquenta casas queimadas, motorizadas, medicamentos e alimentos saqueados. Este foi, por sinal, o primeiro local da nossa visita naquela quarta-feira para no dia seguinte seguirmos para a aldeia Njama, onde alegadamente existe uma vala comum.
Por volta das 14 horas chegámos finalmente a Mocímboa e fomos directamente à Aldeia de Chitolo, pela estrada de terra solta. Enquanto nos dirigíamos para o interior da aldeia, fomo-nos cruzando com mulheres, crianças, homens, idosos de trouxa na cabeça, mãos, os únicos bens com os quais puderam fugir na noite anterior, escapando assim de mais um ataque da célula Al-Shabab.
Eram pessoas de regresso à sua aldeia onde na noite anterior as suas casas foram queimadas, seus bens roubados. Mas era preciso voltar e “os militares disseram que podemos regressar.”
Transportámos algumas dessas pessoas na nossa viatura, e são várias a estórias que fomos ouvindo. Depois na aldeia encontrámos casas queimadas ainda carregadas de fumo, militares ainda em patrulha. “Esses bandidos queimaram tudo,” disse-nos um senhor de nome Habibo, “Esses Shababs. Aqui só fugi com esta camisa. Perdi tudo, não tenho mais nada mesmo. Queimaram minhas bancas. Degolaram uma pessoa”.
A Célula em Cabo Delgado…
A existência deste grupo denominado Al-Shabab na Vila de Mocímboa não constitui novidade, segundo constatámos de fontes durante a investigação. Desde 2014, último ano do consulado de 10 anos de Armando Emilio Guebuza, até recentemente, a célula ter-se-á desenvolvido perante o olhar impávido quer das autoridades governamentais locais, assim como a nível central, sempre alertadas sobre esta questão. Sempre se fizeram de rogados, ‘ olho de mercador’, até que foram compulsivamente despertos, ‘ sacudidos’, com o primeiro ataque da intitulada célula a 16 de Outubro de 2017.
“É um grupo que se reveste sob a capa do Islão. Nos últimos anos, membros deste grupo que se dizem Al-Shabab têm propagado nesta região aquela que é a sua visão do Islão. Recusam a autoridade do Estado, e não só.”
Em entrevista ao CJI, o Sheik Saíde Tuaha disse-nos que esta célula surge em Mocímboa, “na aldeia Magule, criada por jovens nativos com ideologias contrárias aos mandamentos do Islão.” Alguns foram seus antigos alunos. Alguns deles são seus sobrinhos que encontraram alicerces numa outra Ideologia muçulmana, contrária à professada pela sua comunidade, aquela trazida e implementada por cidadãos de origem Tanzaniana que encontraram um campo fértil. Cidadãos aparentemente ligados ao famigerado grupo radical Al-Shabab da Somália, com ramificações na Tanzânia.
Durante a nossa investigação constatámos que as contradições ideológicas e as expectativas fundamentadas na ideologia islâmica que lhes fora incutida terão sido o vector que levou jovens a pegar em armas de fogo e mesmo a matar, mesmo sem um objectivo concretamente conhecido.
E, segundo informações, tudo começou com alguns jovens nativos aqui de Mocímboa. “Alegando que nós não estamos a professar perfeitamente a religião, negaram os casamentos por nós celebrados, assim como as outras, várias cerimónias. Dizem eles que se alguém morre, nós não podemos cobrir a cara do morto, mas sim levar a pessoa e enterrá-la. Não podemos realizar a cerimónia de Tatua. Às vezes quando alguém perde a vida, nós temos que criar um sentimento durante uns três dias, as pessoas reúnem-se, comem algo e se despedem. Esses jovens não querem, nem aceitam estas cerimónias,” disse Tauha.
“Nós, como Muçulmanos, temos as nossas regras, há tradições que nos são submetidas na religião mas também acompanha as regras da comunidade islâmica ou de mandamento islâmico. Os jovens negaram as nossas mesquitas, não faziam as orações, as cinco diárias. Praticavam suas orações. Para nós, caso a pessoa não tivesse as calças abaixo do joelho, não era aceite, barba, não podiam fazer Sualate, aquelas pessoas não faziam parte da reza – Djamahat. Mais tarde faziam seu próprio Djamahat e ai começaram os transtornos.”
Para além disso, e segundo os líderes religiosos, constata-se que cerimónias eram celebradas duas vezes, os mualimos celebravam o casamento dos jovens e estes, por sua vez, quando chegassem à sua base-zona controlada pela célula, celebravam outra cerimonia dirigida pelos líderes religiosos da célula, “criavam uma outra cerimónia, diziam que aquele pai não era pai mas sim cafre.”
“Uma coisa tinha entrado”
As formas de comportamento da Célula denominada Al-Shabab, seu modus operando não diferem do próprio Al-Shabab, Boku Haram. Com a existência de células do Al-Shabab na Tanzânia, a influência islâmica em Mocímboa, a proximidade fronteiriça entre os dois países e, a Somália não tão distante, acredita-se que estas células tenham o seu suporte ideológico originário desses países, com destaque para cidadãos de origem Tanzaniana.
“Uma coisa tinha entrado, trazida pelo Tanzaniano,” uma “Ideologia,” que influenciou bastante na fragmentação do tecido islâmico em Mocímboa, já carregado de controvérsias no seio daquela comunidade.
Esta nova crença dos jovens levou a que se impusessem ao Islão professado pelos líderes Muçulmanos de Mocímboa, contribuindo como vector para que os ‘nossos sobrinhos, filhos, jovens’ pegassem em armas e retaliassem, tomando de assalto com armas de fogo a Vila de Mocímboa da Praia em Outubro de 2017.
O que levou a que os líderes locais realizassem encontros no sentido de persuadirem os ‘jovens nativos’ a não aderirem a ideologias opostas aos mandamentos islâmicos. Segundo Sheik Tauha Saíde, em quase todas e/ou na maior parte das reuniões realizadas, os jovens recusaram-se a participar, contrapondo-se à forma de protecção do Islão naquela vila, o que culminou com a expulsão dos mesmos das suas comunidades.
“Não aceitaram. Fomos obrigados a expulsá-los das nossas Mesquitas porque podiam ter má influência, estranha à nossa religião. Começaram a construir as suas mesquitas onde entravam calçados, algo proibido pelo Islão, assim como também começaram a cobrir todo o corpo das mulheres, até o rosto, tapavam a cara. Jovens não aceitaram, mantendo-se distantes dos ensinamentos do Islão. No Alcorão há uma passagem que diz ‘faintanaza mufuchak farudu Hill alai’. Como Muçulmanos, se há contradições entre nós, sentamos e conversamos, pegamos o nosso livro divino, buscamos a razão, consenso e segundo o Alcorão diz-nos sigam isto, é assim que é feito. Mas já não havia entendimento.”
“Bandeira, simbolismo Islâmico!
“Sim, têm as mesmas escritas. Não há diferença. Aqueles jovens, quando depois se reuniram, numa análise profunda, automaticamente foi lá em Maculo, foi lá onde tudo começou. Depois disso recolheram-se todos para lá, em Magule, zona litoral aqui de Mocímboa. Depois entraram no mato. Passado pouco tempo começaram a esfaquear aquelas pessoas de Magule. Começaram a matar em Magule, seus próprios irmãos. Uma pessoa matou o seu próprio irmão, islâmico. Ideologia trazida pelo tal Tanzaniano. Foram matar em Lalane, foram matar em Sande, matar hallal. Então todos que estavam no litoral a saírem. Subiram um pouco, no interior. Foram matar em Chikuluia, entraram aquela onda de Unidade (antes da dita vala comum). Confusão até hoje.”
Tauha Saide, ainda debruçando-se sobre esta questão e relativamente aos acontecimentos de Mocímboa, fazia menção à ideologia Al-Shabaab e ao seu suposto mentor. Um cidadão de nacionalidade Tanzaniana, de nome Abdul Chacur, que ensinava os jovens a lerem o Alcorão. As crianças jovens começaram a ‘acatar a matéria’ ministrada pelo alegado ideólogo, ensinamentos que acabaram por se tornar num veículo para a disseminação da oposição, culminando com divergências, revindicações dos jovens perante o Islão, seus ensinamentos e líderes. “Negar os nossos irmãos, os nossos casamentos, negar os nossos imamos.”
Aderiam a um novo deus-crença, a sua nova ideologia, que era implementada nas suas novas zonas libertadas, de habitação. “À mulher era atribuída um novo Pai, padrinho, não os que foram indicados aquando da celebração do casamento na nossa comunidade,” facto que a posteriori serviu como alerta para os líderes islâmicos na Vila de Mocímboa. “O casamento já tinha sido celebrado, mas assim que chegassem lá na zona deles, tinham que celebrar o mesmo casamento pela segunda vez com base na sua nova ideologia. Negavam o Sualate que nós fazíamos, assim como o primeiro Djamate.”
Ideologias contrárias, opostas. A tensão foi aumentando, as famílias -um pilar social importante- fragmentado, discussões agravam-se, pais, filhos, sobrinhos, tios envolvidos, contradições. E o caos estava instalado, “não havia entendimento.” E, segundo Tauha, como resultado do mau entendimento, os jovens foram sendo escorraçados da comunidade. “Nós começámos a expulsar os miúdos. Aquela já não era a mesma religião do profeta, a que nós seguimos até hoje. Uma coisa tinha entrado no nosso seio,” o Mualimo enfatiza.
Um dos possíveis focos deste conflito, seria o controlo do mercado de contrabando por parte de alguns grupos, dos quais faz parte a rede de contrabandistas de Marfim, rubis, ouro, homicidas, criminosos que vêm operando da Tanzânia, Cabo Delgado-Montepuez, Mocímboa, Nampula-Nacala. Desta rede fazem parte Omar Mapesa e Buto, oriundos de Zanzibar, procurados na Tanzânia por assassinato de pessoas, contrabando de marfim.
O CJI apurou que Buto e Omar Mapesa estão envolvidos, quer com a polícia local, como com oficiais das alfândegas, linhas aéreas. O nome de Buto, segundo fontes da polícia, foi mencionado como sendo um elo forte da célula Al-Shabab, aquando da detenção e prisão, em Mocímboa, dos elementos da célula que se faziam transportar num autocarro de Nampula a Mocímboa. Buto e Omar Mapesa acabaram indo parar na esquadra para averiguações sobre as suas ligações com a célula. “São várias viagens que fazem na sua Land cruise Mocímboa VS Pemba. ‘É Perigoso”
Em conversa com Masgide Abdullah, braço direito de Omar Mapesa, constatámos como corre o dia-a-dia de Buto. De manhã, muito cedo, vai à mesquita, fazer a primeira oração do dia. Depois segue para o banco, aeroporto e depois para a Direcção Provincial de Agricultura em Pemba. Anteriormente ao encerramento da Mesquita no bairro de Gingone em Pemba, alegadamente pelos seus membros estarem coniventes com Al-Shabab, a rotina de Buto era casa, mesquita, casa. Nesta rotina, Buto, ia da mesquita para casa com somas avultadas de dinheiro.
Omar Mapesa foi detido numa das esquadras e interrogado sobre o seu alegado envolvimento com a Célula Al-Shabab.
Ambos são procurados pela polícia de investigação da Tanzânia por crimes de caça furtiva e contrabando de marfim.
Ataque à Aldeia Chitolo
Falámos com Tacilo Venatte, chefe de produção da aldeia Chitolo, recentemente atacada pela Célula Al-Shabaab e onde vivem 2017 pessoas. Os insurgentes atacaram a aldeia por volta da meia-noite.
“Não sabemos de onde saíram, quais são seus objectivos, só andam nas machamba a chatearem pessoas, até chegarem aqui. Muitas machambas foram destruídas por eles. Não sabemos, estamos assim isolados, não soubemos o que se passa com eles, o que eles querem.”
Tacilo disse ao CJI que a esperança da aldeia reside na chegada das forças de Defesa e Segurança de modo a debalar os insurgentes. “Muitas pessoas perderam tudo. Outras coisas levaram, outras queimaram. Muitas casas formam queimadas! Eu, próprio, perdi tudo, só tenho esta camisa com a qual saí com ela de casa. Os chinelos foram oferecidos. Saí a correr de casa só com esta calça e camisa eu trago, que usei. Depois terei que devolver os chinelos que deram emprestados.”
“Estou com a camisa que vestia desde que saí de casa, como estou, até os chinelos emprestados. Não só chinelos. A calça e camisa uso já há alguns dias. Depois de muito tempo a andar, senti dores porque não estava habituado a andar longas distâncias. Queimaram o posto de saúde e levaram os medicamentos todos.”
“Chegam numa casa como esta e exigem dinheiro ‘papá dá-nos dinheiros.’ Um bandido é aquele, e depois te matam, não há como. Estão a fazer assaltos. E, eles não saíram só de mãos a abanar. Quando esses jovens estavam aqui, faziam negócio, vendiam peixe, tinham negócio, são pessoas que mesmo se mexiam e quando souberam que aqui queremos fazer isto venderam suas motorizadas, lojas, alguns venderam suas casas, saíram e foram-se embora.”
Segundo alguns populares, a pessoa da comunidade que foi executada, teve como causa o facto de ter reconhecido um dos integrantes do grupo dos intitulados Al-shabab, como membro da comunidade.
Governador evacuado num dos carros blindados
Nem o actual governador, Júlio José Parruque, escapou aos ataques. O mesmo terá sido evacuado a 21 de Março deste ano de Mocímboa da Praia, num carro blindado das Forças de Defesa e Segurança baseadas no local. Às 10 horas da manhã desse mesmo dia a caravana do governador deparou-se com habitantes da Aldeia Manilha a correrem com bagagem na cabeça, fugindo de insurgentes que foram vistos a circular nas margens do rio Quinhevo. O governador foi forçado a viajar num dos dois carros blindados que escoltavam a comitiva de a partir da zona de Auasse a Mocímboa e de Mocímboa a Aldeia.
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