Com pelo menos um ataque a ocorrer a cada dois dias numa aldeia de um distrito de Cabo Delgado, a situação ficou aparentemente fora do controlo das Forças de Defesa e Segurança (Polícia, Forças Armadas e Serviço de Informação e Segurança do Estado). A população sente-se insegura e clama por armas de fogo para se defender dos “al-shabaab”, que fazem ataques violentos com muitas mortes brutais, quase todas com assinatura à “Estado Islâmico”.
O distrito de Macomia, situado 200 quilómetros a norte da capital provincial Pemba e 220 quilómetros a sul de Palma, foi palco do mais hediondo ataque de jihadistas, de uma única vez.
Sete mortos por decapitação, 164 casas e cinco viaturas incendiadas, dezenas de cabritos queimados vivos, zero detidos, é o balanço do ataque ocorrido na noite de 4 para 5 de Junho, na aldeia costeira de Naunde, posto administrativo de Mucujo, 60 quilómetros da vila-sede de Macomia. Dia 7 de Junho outro ataque na aldeia de Namaluco, distrito de Quissanga, mas a apenas 20 quilómetros da vila-sede de Macomia, deixou cinco mortos.
A 8 de Junho, o ministro do Interior, Jaime Basílio Monteiro, visitou a aldeia de Naunde e outras localidades costeiras de Cabo Delgado. Instalou posições das Forças de Defesa e Segurança um pouco por todas as localidades da região. Pediu a população para confiar nos militares e manter-se nas aldeias, mas os atacantes não dão trégua. Na terça-feira, 12 de Junho, cinco dias depois do ministro ter visitado o distrito, outra aldeia da zona costeira de Macomia foi atacada e uma pessoa decapitada. O ataque ocorreu em Nathuko I, posto administrativo de Quiterajo, cerca de 50 quilómetros de Naunde. Mais uma vez, ninguém foi detido no local.
Na vila-sede de Macomia, o ambiente que se vive é de guerrilha. Enquanto durante o dia, a população inunda a pequena vila atravessada pela Estrada Nacional 380, para comércio informal, as pessoas desaparecem com o pôr-do-sol. O governo local decretou recolher obrigatório a partir de 21 horas, através de mensagens difundidas em comícios públicos. É o que acontece em quase toda a província. A partir de 20 horas, militares empunhando armas de guerra de tipo bazuca, ocupam posições estratégicas da vila. A subestação eléctrica de Macomia – à entrada da vila no sentido sul-norte, as bombas da Puma, a agência local do BCI e a Pensão MM, são guarnecidas por elementos das FADM.
Se a presença massiva das FDS no distrito não ameaça os jihadistas, que continuam a atacar aldeias com cada vez mais frequência, a população local também não se sente segura ainda com a presença dos militares. Prefere andar armada para se defender. Usa catanas, arcos e flechas. “Não sabemos o que fazer. A zona está agitada. Nas noites ninguém apanha sono. Estamos sempre acordados escutando donde aparecerá o inimigo”, conta Hassane Rábuna, primeiro secretário do Comité de círculo do partido Frelimo, no bairro Nanga A, vila-sede de Macomia.
O dirigente partidário reuniu a população para orientá-la a ser vigilante e defender-se. “Estamos a alertar a população para ver donde ocorrem estas situações. Assim como estamos indefesos, estamos sem armas, precisamos de armas para nos defender”, disse Hassane Rabuna. O dirigente do partido governamental também apela aos pais dos jovens que se juntaram aos “al-shabaab” para denunciar os seus filhos, pois, assegura que muitos atacantes são locais.
“Há certas pessoas (atacantes) que são locais, foram filhos deste bairro”, assegura o secretário da Frelimo. “Aqui na margem”, diz gesticulando, apontando o lado onde se localiza uma das casas dos jovens que terão saído do bairro para viver nas matas e atacar a população – “aquando do início, houve esses elementos que diziam que são muçulmanos. Mas nós informamos ao (governo) distrito que, pela nossa maneira de ver, esses não são religiosos. Têm objectivo qualquer. Mais tarde quando alertamos isso, surgiu o conflito de Mocímboa da Praia. Os pais destas pessoas ainda estão aqui no bairro”, diz apontando de novo a direcção das casas.
De facto, em Macomia, todas as pessoas abordadas pelo SAVANA, afirmam que a maioria dos atacantes saíram do distrito para as matas, com promessas de receber dinheiro. Mas não dizem quem é que faz promessas. No mercado local as pessoas apontam algumas barracas que tinham como proprietários jovens que agora estão nas matas. “Um deles vendeu aquela barraca por 25 mil meticais e desapareceu. Onde você acha que foi?”, questiona um jovem vendedor de recargas de telefonias móveis, esperando ouvir de nós a resposta de que “está nas matas”. “É disso que falamos à população. Aquele que sabe que o seu filho está no mato, queremos que se apresente aqui e dizer que ‘o meu filho está no mato’ e definir como fazer com este filho que está no mato quando a gente capturá-lo. Porque eles quando chegam aqui, estão sempre a assassinar pessoas. Nós também, se os encontramos, não temos outra alternativa, temos de fazer o mesmo que eles andam a fazer”, diz Hassane Rabuna.
Na estrada de terra batida que parte da vila-sede de Macomia, atravessando a densa floresta do Parque Nacional das Quirimbas, até ao posto administrativo de Mucojo, cerca de 45 quilómetros da vila-sede de Macomia, encontramos muitos homens a caminhar, sozinhos ou acompanhados, mas empunhando arcos e flexas. “É para me defender dos Al-shabaab”, diz um idoso que perguntamos porque razão trazia arco e flecha. “Se lhe atingir com esta flecha, morre no momento. Tem veneno de cobra”, assegura sem soltar sequer um sorriso.
De facto, na aldeia de Naunde, a população tentou se defender dos atacantes, na noite em que 7 pessoas foram decapitadas. Com catanas e flechas, os homens tentaram defender a aldeia contra a invasão, mas a resistência foi quebrada com o disparo de armas pelos atacantes. “Nós fomos avisados que os atacantes vinham a nossa aldeia. Ficamos a vigiar, mas eles nos enganaram e entraram do lado do mar. Quando entraram na aldeia, gritaram ‘ladrão, ladrão’, falavam em Kimwani. As pessoas correram para ver quem é o ladrão e começaram a ser atacadas por catanas”, conta Maurício Miranda, secretário da Aldeia. Os homens da aldeia saíram em defesa dos que estavam a ser atacados, porém o confronto durou pouco tempo.
“Eles dispararam arma de fogo, atingiram o Alimo no pé e logo a população dispersou-se”, conta. Furiosos, os atacantes incendiaram as casas e deceparam cabeças dos mortos. “Cortaram a cabeça dele (Alimo), espetaram num pau, assaram com o fogo do carro que estava a queimar e foram deixar no mercado”, conta Narciso Cassimo ancião da aldeia que assistiu aos atacantes a queimar a sua casa com 27 cabritos dentro do curral e todos os bens. Os atacantes de Naunde ficaram na aldeia por três horas.
Muitos moradores lo cais descrevem como eles são e como agiram. “Falavam em Swahili, Kimwani. Diziam que não querem mulheres e crianças. Apenas matam homens”, disse uma moradora local. De facto, apenas homens e jovens do sexo masculino são decapitados pelos atacantes. São raros casos de mulheres mortas nestes ataques. “Eles quando encontram mulheres, passam, dizem que estão em busca de homens”. Finalmente a ajuda Depois do ataque do dia 5, muitas pessoas fugiram da aldeia de Naunde, a maioria para a Ilha de Ibo e para a vila-sede de Macomia. Mas muitos também permanecem na aldeia. Narciso Cassimo é um dos que ficou na vila para reconstruir a sua casa e continuar com a vida. “Não vou sair daqui. Vou sair daqui para onde? Vivo aqui deste a guerra do colono, saímos lá do mato para aqui. Vou ficar aqui”, conta o idoso.
Visitamos Naunde, uma semana após o ataque. A população ainda não havia recebido ajuda para além de militares que davam apoio na remoção de estacas soterradas pelos escombros das casas queimadas. As habitações de Naunde, como em toda a região, são de pau maticado e cobertura de capim. Com o incêndio, queimou a cobertura, mas as estacas salvaram. Os militares ajudavam a população a remover as estacas que seriam usadas para reerguer as casas. “Precisamos de comida, cobertores e mais estacas para reconstruirmos”, conta o secretário do Bairro, Maurício Miranda.
No mesmo dia, a administradora de Macomia, Joaquina Nordine, visitou a aldeia e trouxe um camião cheio de alimentos, vestuários, estacas e alguns utensílios domésticos. “Esta é a solidariedade da população de Macomia, que juntou o que tinha para ajudar os seus irmãos de Naunde.
Ao nível do Governo de Cabo Delgado, também compramos alimentos para as pessoas que perderam tudo aqui e para os que se deslocaram para a Ilha do Ibo”, afirmou a administradora. A ajuda é uma gota de água no deserto, mas foi recebida com alegria pela aldeia. É um primeiro passo para recomeçar a vida, na esperança de que ninguém mais volte a semear terror. Desaparecidos no corte de lenha Os militares posicionados em diversas localidades de Macomia são amigáveis. Conversam com todos e sobretudo com as mulheres, mas a população de Macomia reporta muitos casos de detenções arbitrárias e de pessoas que desapareceram nas mãos da polícia ou dos militares.
A população conta que familiares de jovens que supostamente abandonaram suas casas para se juntar aos jihadistas, foram quase todos detidos e muitos não se sabe onde estão. São levados pela Polícia para “cortar lenha e nunca mais voltam”, conta um morador de Macomia sobre os desaparecidos. “Acreditamos que muitos inocentes foram mortos. Os militares andam irritados com os ataques e todas as pessoas suspeitas de colaborar com os atacantes, lhes dando comida e informação, são detidas e muitas vezes desaparecem”, conta um jovem vendedor de uma barraca na vila de Macomia.
A Polícia referiu que depois do primeiro ataque a 5 de Outubro de 2017, no distrito de Mocímboa da Praia, mais de 300 pessoas foram detidas. A Procuradora Geral da República disse aos deputados em Abril passado, que havia apenas 153 arguidos em conexão com o ataque em Mocímboa da Praia. Localmente há explicações sobre o paradeiro das restantes pessoas que tinham sido detidas, mas não foram constituídas arguidas. “Muitos atacantes e acusados de cúmplices foram mortos e seus corpos enterrados em vala-comuns”, conta um agente da Polícia de trânsito que trabalha num check point ao longo da estrada de Pemba para Macomia. “Muitos que são encontrados nas matas são limpados lá mesmo, até porque a Ministério Público manda libertar estes que depois voltam para as matas”, conta um morador da vila de Macomia.
A população de Macomia relata que há mulheres entre os atacantes.
O papel das mulheres é supostamente de fazer reconhecimento nas comunidades e garantir a logística de alimentos para os militantes que estão nas matas. “Há mulheres que foram detidas e levadas para Pemba, porque ajudavam a fornecer comida aos atacantes. Mas foram restituídas à liberdade pelo Ministério Público. Voltaram para aqui, mas depois desapareceram.
Onde estão?”, questiona um ancião de Macomia e dá o seu palpite: “voltaram para as matas para ajudar os seus maridos”, explica. Antes de Outubro do ano passado, Moçambique não aparecia no mapa de ameaças jihadistas. Porém, um ataque numa mesquita em Mocímboa da Praia, gerou uma onda de pânico e medo.
Agora, os ataques progridem para o sul da província e, na tarde desta quarta-feira, o pânico tomou conta do centro da capital provincial, Pemba, por causa de um suposto assalto a um supermercado recheio. “As pessoas vivem em pânico e qualquer falso alarme é capaz de paralisar uma cidade. Foi o que aconteceu em Pemba”, comentou ao SAVANA um polícia no local. (Por Borges Nhamire, em Macomia)
MEDIA FAX – 15.06.2018
NOTA: Querem que o Presidente da República fale. Mas dizer o quê? Que não consegue perceber o que se passa em Cabo Delgado, se nem as FADS sabem o que andam a fazer? Confessar uma incompetência do seu governo?
Reparem nisto: “A população conta que familiares de jovens que supostamente abandonaram suas casas para se juntar aos jihadistas, foram quase todos detidos e muitos não se sabe onde estão. São levados pela Polícia para “cortar lenha e nunca mais voltam”, conta um morador de Macomia sobre os desaparecidos. “Acreditamos que muitos inocentes foram mortos. Os militares andam irritados com os ataques e todas as pessoas suspeitas de colaborar com os atacantes, lhes dando comida e informação, são detidas e muitas vezes desaparecem”, conta um jovem vendedor de uma barraca na vila de Macomia.”
Atentem: “Mas muitos também permanecem na aldeia. Narciso Cassimo é um dos que ficou na vila para reconstruir a sua casa e continuar com a vida. “Não vou sair daqui. Vou sair daqui para onde? Vivo aqui deste a guerra do colono, saímos lá do mato para aqui. Vou ficar aqui”, conta o idoso.” Este ainda é uma das pessoas que foi morar para aquele “aldeamento” quando da guerra colonial e ali se fixou, não indo engrossar as fileiras dos guerrilheiros da Frelimo.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
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