EDITORIAL
América, temos um problema
O que Donald Trump não pode fazer é fazer-se de dono do mundo, abrir feridas insanáveis, desrespeitar nações e populações sem justificação plausível ou legal.
A América tem todo o direito de eleger um líder que declara que o seu país está primeiro, mas o Presidente não tem, não pode ter, poderes ilimitados que afectem o resto do mundo, ultrapassem os tratados internacionais, humilhem cidadãos de todo o mundo.
A “ordem executiva” de Donald Trump (que se autojustifica com a intenção de “proteger a nação da entrada de terroristas estrangeiros”) é um caso extremo que justifica mais do que as manifestações que temos visto, nos EUA e fora deles.
Não há outra maneira de o dizer. A decisão de Donal Trump é cruel, irracional, cobarde, perigosa, caluniosa, islamofóbica, divisiva e injusta — como dizia justamente Scott Dworkin, fundador de uma das plataformas anti-Trump que se formam nestes dias na América. E é tudo isto porque é uma acusação generalizada sobre o mundo islâmico, porque atinge milhões de cidadãos indiscriminadamente, porque toma o poder como seu sem olhar à lei em vigor (nem a muitos cidadãos americanos). Também porque provoca, conscientemente, um clima social explosivo e de desconfiança, pondo cidadãos contra cidadãos, estados contra estados, religiões contra religiões.
O mundo de Donald Trump parece ser a preto e branco, mas o nosso não é. Trump não pode pintar um novo planeta Terra, onde a América se faz rodear apenas de extensos oceanos (como na magnífica capa do The New York Review of Books), porque o mundo de hoje não é o dos anos 1930 e nós gostamos que não seja. Sim, Trump tem legitimidade para rever os acordos comerciais que entender, desde que em diálogo com os parceiros; sim, pode ver a sua política de fronteiras, desde que respeitando os tratados, a lei americana e a ordem mundial. Sim, pode fazer isto tudo prejudicando outros, porque foi assim que foi eleito.
O que Trump não pode fazer é fazer-se de dono do mundo, abrir feridas insanáveis, desrespeitar nações e populações sem justificação plausível ou legal. Ser o Presidente da América pode dar acesso a magníficos painéis de controlo dentro da Casa Branca, mas cada um deles é uma arma que mata. É terrível dizê-lo tão cedo, mas chegou a hora de a América explicar isso ao seu novo Presidente, começando pelo Congresso. E chegou o momento de o resto do mundo livre lhe mostrar isso também. O fundamental é que isso aconteça antes que Donald Trump torne uma ordem executiva numa legislação permanente — e criminosa. E antes que a decisão se torne contraproducente, alimentando ódios e dando campo fértil a uma guerra religiosa.
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