segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

os Presidentes procuram alargar a sua base de apoio.

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Não costuma ser assim. Depois de eleitos, os Presidentes procuram alargar a sua base de apoio. Eventualmente reconciliar-se com a parte do país que não votou neles. Não costuma mesmo ser assim. Numa só semana o novo Presidente dos Estados Unidos emitiu tantas ordens executivas controversas que deixou quase sem palavras todos os que acreditavam que ele acabaria por se adaptar a Washington D.C. e aos equilíbrios de poder. Na verdade não é a primeira vez que um Presidente actua assim – e mais uma vez Trump surpreendeu quase todos, mostrando que tem mesmo de ser levado a sério, pois o que diz é depois o que faz.

As suas primeiras medidas, sobretudo a que barrou a entrada nos Estados Unidos dos cidadãos de sete países de maioria muçulmana, suscitaram enorme controvérsia e, ao mesmo tempo, enorme confusão. Com Trump as regras do jogo estão a mudar tão depressa que neste Macroscópio, mais do que indicar textos a discutir (ou a condenar) as medidas em concreto, vou sugerir algumas leituras que talvez ajudem a perceber melhor o que se está a passar.

Sintomaticamente vou começar pelo texto de um especialista em história financeira, John Steele Gordon, que, ainda antes da tomada de posse do novo Presidente, escreveu no Wall Street Journal que Trump May Herald a New Political Order: “Seldom does a presidential election mark a permanent shift. The last time it happened was 1932.” Nesse texto recorda os diferentes presidentes cuja eleição marcou um momento de viragem nos Estados Unidos – Andrew Jackson em 1824, Abraham Lincoln em 1860, William McKinley em 1896 e Franklin D. Roosevelt em 1932 – e considera que Trump, por dispor de maiorias nas duas câmaras do Congresso, pode induzir mudanças mais depressa do que o próprio Ronald Reagan em 1980. Mais: “No new president, at least since Jackson, has owed so little to the political establishment. Mr. Trump was elected explicitly to change the self-serving ways of Washington. That greatly increases his freedom of action. His cabinet picks signal profound change, the likelihood of lower taxes and a regulatory environment more friendly to business. Mr. Trump also has a gift for communicating directly with the people and cutting out the oblivious media, long a part of the problem.”

O interesse deste texto é que ele soa quase como premonitório, uma vez que foi escrito antes do vendaval de decisões da primeira semana na Casa Branca de Donald Trump. Na The Atlantic, Eliot A. Cohen considera que vivemos A Clarifying Moment in American History. Só que com nuances: There should be nothing surprising about what Donald Trump has done in his first week—but he has underestimated the resilience of Americans and their institutions.” E deixando um apelo: “For the community of conservative thinkers and experts, and more importantly, conservative politicians, this is a testing time. Either you stand up for your principles and for what you know is decent behavior, or you go down, if not now, then years from now, as a coward or opportunist. Your reputation will never recover, nor should it.”

Sobre a medida que mais controvérsia gerou, a relativa à proibição de entrada nos Estados Unidos de viajantes provenientes de sete países, e uma vez que as televisões portuguesas têm sido demasiado cacafónicas, vale a pena deixar aqui algumas referências que explicam bem o que está realmente em causa:
  • What Trump's Executive Order on Immigration Does—and Doesn't Do, uma espécie de “explicador” da The Atlantic, escrito num registo muito crítico mas que, mesmo considerando que a ordem executiva criou o caos e que os esclarecimentos da Casa Branca foram insuficientes, reenquadra o impacto da medida: “The number of permanent residents from these countries is relatively small. For instance, 1,016,518 green cards were issued in 2014. Of these, 19,153 went to Iraqis and 11,615 to Iranians, according to the Department of Homeland Security’s data.”
  • Trump’s Executive Order on Refugees — Separating Fact from Hysteria, uma análise na National Review que tem uma aproximação contrastante, defendendo, por exemplo, que é errada a ideia de que se está perante um banimento dos muçulmanos: “You can read the entire executive order from start to finish, reread it, then read it again, and you will not find a Muslim ban. It’s not there. Nowhere. At its most draconian, it temporarily halts entry from jihadist regions. In other words, Trump’s executive order is a dramatic climb-down from his worst campaign rhetoric.”
  • Little National Security Benefit to Trump’s Executive Order on Immigration, um comentário do think tank libertário Cato Institute onde se defende que “This is a response to a phantom menace.  From 1975 to the end of 2015, 20 refugees have been convicted of attempting or committing terrorism on U.S. soil, and only three Americans have been killed in attacks committed by refugees—all in the 1970s.  Zero Americans have been killed by Syrian refugees in a terrorist attack on U.S. soil.”

Algo contudo não devemos ignorar: a retórica do Presidente americano de “é necessário voltar a controlar as nossas fronteiras” parece ir ao encontro do sentimento de muitos cidadãos não apenas nos Estados Unidos, como na Europa. E esse sentimento existia antes de Trump chegar ao poder, o que significa que existe um problema, ou se preferirmos um mal-estar que os dirigentes políticos não podem ignorar. Por isso mesmo deixo-vos dois textos onde isso mesmo é sublinhado:
  • Donald Trump's answer on immigration is questionable, but he's right that there is a problem to solve, o editorial do britânico The Telegraph onde mesmo notando que “Mr Trump suggests his blanket ban will make America safer. In fact, the opposite might be true: extremists have a new claim that the West is hostile to Islam. Meanwhile, the human cost of a policy that has divided families and denies refuge to innocent victims of war and terrorism, children included, is unacceptably high.”, se sublinha que “all nations have a right to control their borders. Indeed, the integrity of the border, the ability to decide who enters and who does not, is a sine qua non of an effective state. And states that give up that ability take a grave risk.”
  • Immigration stirs up passions of national identity, a opinião de Christopher Caldwell no Fionancial Times, onde se defende que those fed up with immigration are passionate. They see the US as a nation-state, not an agency tasked with fulfilling the dreams of Poles or Pakistanis. The history of immigration policy since Ronald Reagan’s botched compromise of 1986 is littered with betrayals. Mr Trump does not have leeway to tell his followers that all his build-a-wall talk and his sanctuary-city talk and his extreme-vetting talk was just a manner of speaking.”

Estes dois últimos textos contrariam deliberadamente a maioria das opiniões que têm sido expressas em Portugal, e por isso mesmo as incluí pois, sendo críticas das decisões de Trump, reconhecem que a liberdade de circulação num tempo de grandes migrações e de ameaças terroristas coloca problemas que não podem ser ignorados. A ira contra Trump não nos deve levar a ignorá-los.

E por hoje é tudo. Tenham bom descanso e melhores leituras.

 
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