OPINIÃO
No meio da confusão, até um deputado conservador britânico que apoiou o “Brexit” por ser necessário “controlar a imigração” foi banido dos EUA por ter também nacionalidade iraquiana.
Poucos meses após o referendo do “Brexit”, recém-eleita primeira-ministra do Reino Unido, e acreditando estar na crista da onda política, Theresa May deu um discurso na convenção do seu Partido Conservador que ficou conhecido por este excerto:
“Se você acredita que é um cidadão do mundo, você é um cidadão de lugar nenhum. Você nem sequer entende o que a palavra 'cidadania' significa”.
Estas duas frases foram recebidas com indignação por milhões de britânicos e não só. Não por acaso, uma sondagem BBC/Globescan feita umas semanas antes em 18 países chegava à conclusão de que 51% dos inquiridos se identificavam, precisamente, da forma que Theresa May denunciava. Praticamente a maioria dos cidadãos do mundo, pelos vistos, sabe que é isso mesmo.
Nos últimos dias, poucos meses depois da vitória de Donald Trump, a primeira-ministra britânica sentiu de novo que havia que apanhar a crista da onda política e foi visitar o presidente dos EUA a Washington. Theresa May precisa de um acordo comercial pós-Brexit com os EUA. E assim a primeira-ministra apareceu de mão-dada com Donald Trump nas capas dos jornais de todo o mundo.
O momento não poderia ter sido pior. Nas horas seguintes, a administração dos EUA começou a implementar a ordem presidencial para barrar imigrantes e refugiados provindos de sete países que têm em comum serem de maioria muçulmana e não terem negócios com Donald Trump. O pretexto foi, é claro, o terrorismo (mas a Síria, de onde nunca houve atacante aos EUA, foi incluída; a Árabia Saudita, de onde vieram os terroristas do 11 de setembro e onde Trump tem investimentos, ficou de fora da lista).
Foram os “cidadãos do mundo”, aqueles de que Theresa May escarnecia, as principais vítimas de Trump. Pessoas com visto de residência permanente e a quinze dias de obterem a nacionalidade americana viram ser-lhes negada a entrada. Intérpretes que salvaram a vida a soldados americanos foram mandados regressar para onde correm risco de vida. E, no meio da confusão, até um deputado conservador britânico que apoiou o “Brexit” por ser necessário “controlar a imigração” foi banido dos EUA por ter também nacionalidade iraquiana.
Deixem-me contar-vos uma outra história. Poucos meses depois de Hitler ter sido nomeado chanceler, em janeiro de 1933, a Alemanha foi de novo a votos. Nesse tempo, para estar na crista da onda política era preciso denunciar não só os cosmopolitas — no fundo, uma designação eufemística da época para “judeu” — mas também todos aqueles que não queriam que a Europa fosse de novo para a guerra e que para tal consideravam ser bom que o seu país fizesse esforços de paz. A poucos dias das eleições de 5 de março desse ano, um político disse a seguinte frase:
“Uma nação cuja juventude é pacifista está condenada a desaparecer da história mundial”.
Esse político não foi, ao contrário do que se poderia esperar, o nacional-socialista Adolf Hitler. Foi o católico Franz von Papen. Apenas mais um político que disse o que achava que tinha de dizer para ganhar eleições. Alertar para o temível perigo dos “pacifistas” — e acabar dando o poder aos genocidas.
Para que fique claro, não estou a comparar Trump a Hitler. Mas estou certamente a comparar Theresa May com Franz von Papen: o político que para poder agarrar a sua oportunidade sacrifica todos os valores da humanidade civilizada. Quem nos vai salvar de termos um dia de comparar Trump a Hitler não serão certamente as pessoas que repetiram a moda política do dia, como Theresa May.
Serão antes as pessoas que acorreram aos aeroportos para apoiar os refugiados, os advogados que se sentaram no chão para gratuitamente escreverem as queixas em nome de estrangeiros que não conheciam e todos os muitos milhões de pessoas em todo o mundo que com esses gestos ganharam coragem e determinação. Ou seja, aqueles de que Theresa May zombava quando chegou ao poder. Cidadãos que são de muitos lugares mas que não vão em modas. Patriotas dos direitos humanos.
Sem comentários:
Enviar um comentário