domingo, 7 de dezembro de 2014

Moçambicanos e Portugueses de braço dado em Lusaka



Porquê ? Na posse destes documentos, «O Jornal», obteve alguns esclarecimentos junto de diversos círculos políticos, normalmente de personalidades civis que estiveram ligados à descolonização, sobre esta fase de negociações entre Portugal e Moçambique.
• A referência feita à carta de Vasco Gonçalves pelo ministro Álvaro Barreto, precisa, segundo esses círculos, de ser claramente entendida no contexto das negociações então em curso entre Portugal e Moçambique, na fase que se designou de “transição para a independência”. Esse contexto não foi entendido pelo ministro no programa “2000” de terça feira passada, na RTP.
• As negociações com a Frelimo tiveram, antes da independência, quatro fases: a primeira, no Maputo, em Janeiro de 1975; a segunda, no Guincho, em Fevereiro / Março seguinte; a terceira, no Maputo, em Abril e a quarta, também, no Maputo, em Junho, também de 1975.
Essas sessões tiveram, sempre, a seguinte divisão de trabalho: uma Comissão A, que se ocupou das questões relacionadas com a transferência do BNU e ainda das ligadas ao Banco de Fomento Nacional e a Sociedade Financeira Portuguesa e, bem assim, a outros interesses empresariais; a Comissão B tratou das situações da dívida pública da então colónia de Moçambique para o Estado Português. A comissão C abordou problemas gerais da cooperação e a D tratou de Cabora Bassa.
• No final destas fases da negociação, pode dizer-se que se chegou à seguinte conclusão: na Comissão A, fez-se um acordo sobre todos os aspectos ligados à transferência do BNU, tendo ficado pendentes as questões relacionadas com o Banco de Fomento Nacional e,  certos interesses empresariais.
• São precisamente estas questões não resolvidas que, em boa parte, explicam os problemas actuais. A Comissão C avançou com vários textos de acordo em matérias da cooperação. A Comissão D) conseguiu, antes da independência (o que era fundamental para Portu¬gal) chegar a acordo integral sobre o empreendimento de Cabora Bas¬sa e a sua exploração, o que, como se sabe envolvia e envolve respon¬sabilidades na ordem externa para Portugal de 30 milhões de contos, só susceptíveis de amortização se a venda de energia fosse possível a terceiros uma vez que, então como agora, não há procura em Moçam¬bique para a quantidade de energia produzida.
• Na Comissão B, porém, Portu¬gal e Moçambique chegaram, no final da terceira fase, a um impasse. E isto porque Moçambique enten¬dia que a dívida pública entre Por¬tugal e a sua ex-colónia não tinha razão de ser exigível.
 Esta dívida pública dizia respeito a créditos do Estado Português e do Fundo Monetário do Escu¬do e de avales sobre obrigações de fomento,  créditos  de empresas (BNU, BFM, Sociedade Financeira Portuguesa, etc.), por despesas do sector público, inscritas via divida pública do Orçamento Geral de Moçambique. A liquidação de operações a residentes em Portugal, ainda não expressas em escudos portugueses, por carência de cobertura por parte do Fundo Cambial de Moçambique (a célebre questão dos atrasos).
• A posição da Frelimo teve algumas variantes mas acabou por consolidar-se na tese segundo a qual, num contexto de descolonização, tais créditos seriam inexigíveis a Moçambique. E acabou por dizer que não haveria qualquer outro acordo possível (no que se incluía, evidentemente, a questão de Cabo¬ra Bassa) se Portugal continuasse a exigir ao novo Estado aquilo que apenas se compunha de rubricas da dívida pública da colónia de Moçambique, para com a Metrópole.
• É neste contexto, e após o impasse detectado no final da terceira
Fase, que é escrita pelo presidente Machel a carta que hoje publicamos. Portanto, tal carta (para lá do que tem de inadmissível ou até apreensivo ou insultuoso, em múltiplas passagens), sempre foi enten¬dida, por uma parte e por outra, como referindo-se exclusivamente às questões levantadas na Secção B, independentemente de alargamen¬tos do seu âmbito que alguém, pouco recordado, possa agora fa¬zer.
• Iniciaram-se, então, e dada a gravidade dos problemas penden¬tes, contactos de natureza política para esclarecimentos de posições, tanto mais urgentes quanto é certo que a independência se aproxima¬va, sem que os acordos de Cabora Bassa estivessem firmados. Após estas diligências reuniu a Comissão Nacional de Descolonização, com a presença de vários ministros do IV Governo Provisório, cujas pastas, de uma forma ou de outra, tivessem a ver com o assunto, e deliberou, tendo a deliberação ficado a constar de acta, que as rubricas da men¬cionada Secção B (em muitíssimo menor montante que as das respon¬sabilidades emergentes de Cabora Bassa) não deveriam ser exigíveis. E foi em função dessa deliberação que a Comissão Nacional de Descolonização incumbiu o Primeiro-¬Ministro de então de responder (em carta que, hoje, também publicamos) à que Samora Machel lhe havia dirigido, não tendo «O Jornal» apurado se a Comissão teve ou não conhecimento prévio do exacto teor da carta enviada pelo general Vasco Gonçalves.
 
• Aliás, tal posição é idêntica à que sempre foi seguida por governos estrangeiros quando descolonizaram os seus territórios, por considerarem que, efectivamente exigência de dívida pública a Metrópole a Colónia são  incompatíveis com a descolonização. E, também, de resto a posição subsequente de futuros governos portugueses, no¬meadamente o VI Governo Provisório foi inteiramente idêntica no que respeita a divida pública da Guiné, Cabo Verde e São Tomé.
• Consequentemente, e sempre se¬gundo os mesmos círculos, tal carta de Vasco Gonçalves só pode ser en¬tendida no contexto restrito a que se referia, e não pode ser aplicada a todas as questões actualmente pen¬dentes e que resultam, estas sim, da Lei 5/77, de 31 de Dezembro de 1977, publicada em Moçambique, e com incidência exclusiva nas actividades do Banco Pinto e Sottoma¬yor e do Banco de Fomento Nacio¬nal, além do antigo Banco de Cré¬dito Comercial e Industrial e o De¬partamento, em Moçambique, do Banco de Angola.
• Entretanto, segundo fontes próximas do tenente-coronel Melo Antunes, a carta do general Vasco Gonçalves não exprimirá exacta¬mente o que se passou em Haia, onde a delegação portuguesa não terá aceite tal princípio, sendo ultrapas¬sada pelos acontecimentos.
• Por outro lado, círculos ligados ao comandante Vítor Crespo salien¬taram a «O Jornal» que o então Al¬to-Comissário em Moçambique vá¬rias vezes se viu ultrapassado ou de¬sautorizado após intervenções di¬rectas de Samora Machel junto do Primeiro-Ministro, só não tendo abandonado o cargo dado haver outros altos interesses de portugue¬ses em jogo.
“ O Jornal “ 12/04/79

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