quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Medir o progresso

Há um excelente economista coreano da Universidade de Cambridge. Profundo, erudito e cheio de humor. Num dos seus livros ele reproduz frases memoráveis proferidas por gente insuspeita sobre povos insuspeitos. Uma dessas frases, por exemplo, é dum consultor australiano ao serviço dum país em desenvolvimento. No seu relatório final escreveu o seguinte: “a minha impressão em relação à vossa mão-de-obra barata esfumou-se logo que vi o vosso povo a trabalhar. É verdade que as pessoas são mal pagas, mas o retorno também é bem baixo. Quando falei com alguns diretores de empresas eles disseram-me que é impossível mudar os hábitos culturais nacionais”. Um outro consultor, desta feita, americano, escreveu “[as pessoas] dão a impressão de serem preguiçosas e completamente indiferentes à passagem do tempo”. Já Beatrice Webb, a famosa socialista inglesa, escrevera sobre um povo vizinho do descrito por estes consultores o seguinte: “12 milhões de selvagens preguiçosos, degradantes, taciturnos, sujos e sem religião que se desleixam por aí nas suas roupas sujas feitas a partir de tecido de muito baixa qualidade e que vivem em palhotas porcas”. É caso para dizer que preguiça não desenvolve país que seja.
Recordei-me disto depois duma breve conversa em "off" com o Lindo A. Mondlane que esteve recentemente em Moçambique, onde constatou, pouco surpreendentemente, que as coisas não andam tão bem quanto podiam andar. Há semanas ele escreveu vários “posts” a desabafar e que foram bem discutidos. Os consultores que referi estavam a falar sobre o Japão em 1915, e a socialista inglesa estava a falar sobre a Coreia. E não foram os únicos a se pronunciarem nestes termos sobre outros povos que hoje são o exemplo de disciplina, aprumo e brio profissional. No século XIX pouca gente falava bem dos alemães. Eram tidos como sendo muito preguiçosos, egoístas e indiferentes à passagem do tempo. Gente de bem preferia fazer longas viagens para circundar a Alemanha do que se submeterem ao martírio de viajar por estradas mal feitas. Mesmo o famoso “Made in Germany” tem uma história interessante. Foi introduzido pelos britânicos como forma de defender a qualidade do produto britânico uma vez que o seu mercado estava a ser inundado por produtos de duvidosa qualidade oriundos da Alemanha. Era obrigatório que o produto alemão tivesse essa indicação para os consumidores saberem que estavam a comprar má qualidade.
Também me chateio muito quando ponho os pés no país. É enervante a sorna e arrogância dos funcionários públicos, é revoltante a crescente desigualdade social, é asfixiante o mau estado de muita infraestrutura, é doloroso ver quanta gente sofre. Ao mesmo tempo, porém, os avanços são visíveis, o esforço de quem de direito está patente, o empenho individual é marcante. Quem abre bem os olhos vê isto tudo. O problema, talvez, não seja a questão de saber se há avanços ou não, mas sim o conjunto de critérios que usamos para medir o progresso. Infelizmente, a necessidade de medir obriga-nos sempre a usar critérios quantitativos e qualitativos (número de escolas, postos de saúde, qualidade de vida, etc.) que assentam numa premissa algo problemática. Essa premissa consiste na ideia de que o progresso (é por isso que é progresso…) é um processo constante de melhoria, processo esse que é o resultado da tomada de decisões certas por pessoas certas no lugar certo e segundo critérios certos. Este é o mito do desenvolvimento por excelência, o mito que nos leva sempre a pensar que a Europa, a América e os tigres asiáticos são o resultado dum gigantesco projeto de desenvolvimento que as melhores cabeças desses países no melhor dos interesses das suas nações desenharam. Santificado seja quem acredita nestas histórias da carochinha. E benditos sejam os PNUDs deste mundo que não se fartam de nos aconselhar estudos prospetivos.
Sei que vou colher estupefação com o que vou dizer a seguir. Tenho em mim que o desenvolvimento é obra do acaso. Tão simples quanto isso. Com isto não quero dizer que mesmo um país de preguiçosos e corruptos possa se desenvolver (embora haja exemplos disso, é só olhar para alguns países bafejados pela sorte de recursos). Quero dizer, isso sim, que o momento mais importante do desenvolvimento não é o descolamento (o grande enfoque de toda a política de desenvolvimento), mas sim a manutenção do voo uma vez no ar. É isto que a história da Europa nos ensina. Não foi porque esses países fizeram tudo bem antes que estão agora desenvolvidos. Estão desenvolvidos porque souberam manter uma vantagem inicial, vantagem essa que foi obra do acaso. É por isso que todas as teorias do desenvolvimento são, neste sentido, uma pura perca de tempo. E é por isso também que uma boa parte da indústria do desenvolvimento é também uma grande perca de tempo. De resto, em grande medida, a manutenção dessa vantagem inicial é feita na base duma estrutura mundial que condiciona grandemente as possibilidades de desenvolvimento de quem ainda não está lá. Não é preciso ler teorias da dependência para entender isto. E nem estou a fazer nenhuma crítica. Constato apenas.
Penso que estas ideias podem ajudar a contextualizar a questão do progresso ou não de Moçambique. Na verdade, a impressão de retrocesso é uma ilusão de óptica e tem explicação (o que não sei é se é boa ou não). Peguemos nos transportes. Há cada vez mais gente que se pode permitir o luxo duma viatura privada. Teoricamente, isto dá maior mobilidade às pessoas com todos os efeitos positivos daí (potencialmente) resultantes. As pessoas vão chegar pontualmente, a posse de carro vai estimular a criação de empregos (bombas de combustível, garagens de reparação de carros, serviços de segurança automóvel, etc.), a distância vai deixar de ser medida em quilómetros e passar a ser medida em tempo, os centros urbanos podem crescer (com pessoas a saírem dos centros para a periferia, o que vai levar serviços a essas periferias, etc.). Mas toda a gente que vive em Maputo ou Matola sabe que nada disto é verdade. Os engarrafamentos são a ordem do dia (vivi, semana passada, esta situação no Uganda quando perdi o meu voo de regresso por causa do engarrafamento entre Kampala e Entebbe), e consequentemente, os atrasos, a agressividade, o desgaste precoce de viaturas, etc. Retrocesso? Não. O progresso produz soluções que são na realidade um problema (acontece também ao nível político: o país adopta a democracia, mas muitos pensam que a sua defesa passa pela promoção de atitudes que a minam; refiro-me aos pseudo-democratas nacionais que sempre têm uma palavra crítica contra a “fraude”, mas ficam estranhamente silenciosos em relação à atitude dum partido que adopta efectivamente a posição segundo a qual a democracia só é aceitável quando a sua liderança achar que é aceitável; mas, como se costuma dizer, isso não é da minha conta). O que o Lindo Mondlane ou eu mesmo observamos quando vamos a Moçambique é o enorme bico-de-obra que é manter o progresso.
Precisamos, talvez, de outro tipo de abordagens. Menos ênfase em planos e na satisfação de critérios para que a gente se desenvolva, e mais atenção para a domesticação das soluções. Elas é que são o nosso maior desafio. Os problemas anteriores a essas soluções são da conta de quem nos vem ajudar. Devíamos ignorá-los para o bem da nossa sanidade mental porque são esses problemas que criam as soluções que nos lixam. Só que lá está: quem vai ser eleito na base dum programa de gestão de soluções?
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João Barros Desenvolvimento, a discussão de sempre, pelo que tenho de concordar com o TICIDI (1981: 75), quando defende que o desenvolvimento jamais poderá ser objecto de uma definição que satisfaça a toda a gente pois, os homens nunca terão uma opinião unânime quanto ao que é desejável. Há centenas de definições do que é o desenvolvimento, quer a nível nacional quer a nível internacional/global (Staudt, 1991: 28). Opiniões sobre o que é considerado como sendo bom e desejável sempre foram diferentes e continuarão a ser diferentes (Herath, 2009: 1457; Rodrik, 2006: 973; Sachs,1970: 76).
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João Barros Apesar das inúmeras definições, agrada-me esta: O termo "desenvolvimento" encerra assim dois aspectos: é normativo e implica mudança positiva (dinâmica). O desenvolvimento, encerra optimismo e sentimento progressivo (Staudt, 1991: 14), pois não existe uma situação em que o desenvolvimento possa ser considerado pronto e acabado. Ele é um processo contínuo de criação do homem ante os desafios sociais que enfrenta na comunidade. É processo que supõe a acção do homem no usufruir do progresso social, assim como no definir e gerir esse progresso em função das suas necessidades humanas e sociais (Souza, 1999: 77).

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Alexandre Zerinho Eh verdade que não vamos seleccionar certas cabeças e tranca-las numa sala com a ideia de tira-las de lá após terem elaborado uma fórmula de desenvolver o País. O que eu tenho insistido em dizer quando o assubto é a situação do nosso Moçambique, é que devemos apostar na Educação. Educação em todos níveis e domínios. Os senhores da Educação como FMI e BM já sugeriram que Paises como Moçambique apostassem no saber fazer mas eu penso que nao eh suficiente. A questão da reflexão, do domínio do conhecimento eh também necessário. Talvez a desvantagem desta aposta seja de não trazer resultados imediatos mas penso que esta abordagem nos ajudaria muito. A preguiça, o mau atendimento nas instituiçoes públicas, a corrupção etc são alguns aspectos motivados pela má formação dos agentes.
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Isaias Dosanjos Caceres (1997) diz que cada povo é diferente do outro, por isso não ha um modelo politico-economico de desenvolvimento adequado para todos os povos ou países. Com base nestas diferenças dos habitos e costume dos povos, surgiram novos modelo de de desenvolvimento como, o socialismo chinês e outros. Ora, a solução sugerida pelo ilustre Alexandre Zerinho pode não surtir efeitos positivos, apesar de ter transformado os tigres Asiaticos em exemplos de superação do subdesenvolvimento. Na minha humilde opinião a solução passa por descalçar os "SETE SAPATOS SUJO" ja identificados pelo escritor Mia Couto.
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Elisio Macamo para mim, João, a questão não é de encontrar a melhor definição de "desenvolvimento" justamente pelas razões que apontas. a questão é identificar outros critérios para avaliar o que acontece. o termo desenvolvimento leva-nos sempre para onde não devíamos ir. por isso,Alexandre Zerinho, ainda que considere a educação importante não estou certo se deve ser por aí. por acaso até sou de opinião de que a educação só é importante porque a indústria do desenvolvimento diz que ela é. e repare: já fui muito mal atendido por gente bem formada; há gente bem formada que é preguiçosa que se farta. Isaias Dosanjos, o texto do mia couto é divertido, mas pouco útil para este tipo de discussões. há vários países no mundo com essas características todas e que estão muito melhores do que nós. quando muito, esses "sapatos sujos" desaparecem com o desenvolvimento, não são a pré-condição para o desenvolvimento.
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João Barros Certo Professor mas, justamente pelas mesmas razões, precisamos de algumas linhas orientadoras, com as quais nos identifiquemos minimamente, sob o risco de andarmos aos rodeios!
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Elisio Mabasso O mesmo conceito aplica-se não só as nações, mas também para as empresas/empreendedores
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Iolanda Évora a indústria do desenvolvimento tem tudo para se transformar num objeto das ciências sociais e já tarda a discussão de categorias para abordar esse fenómeno. há processos interessantes como, por exemplo, as ong que, de vocação inicial essencialmente humanitária e ideologicamente progressista, são hoje as interlocutoras, por excelência, das agencias internacionais da ajuda ao desenvolvimento e dominam o "mercado dos concursos internacionais" promovidos por essas agências.
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Elisio Macamo já andamos nisso, João. o meu último parágrafo tenta dar conta disso, ainda que de forma críptica. pois, Iolanda, sobretudo os seus pressupostos, esses é que me incomodam assim como a forma como nós os aceitamos sem nenhum sentido crítico. eu acho, por exemplo, que o lado mais nocivo dessas organizações consiste na forma como atentam contra a política. e política é o recurso mais importante para tornar um país viável. precisamos de fazer essa discussão também.
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Lindo A. Mondlane kakakak..vou mesmo fazer isso, ignorar algumas situaçoes, porque tal como naquele post, continuo sem entender porque umas obrinhas de lombas podem durar 4 meses, e com o consequente congestionamento que causam (despilfarro de recursos medidos em tempo)...See More
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Elisio Macamo é complicado, Lindo. roma não se construiu num dia... os problemas que apontas são sérios e reais, mas não constituem razão suficiente para desalento. um dia!
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Iolanda Évora pois, os pressupostos... sempre cabe retomá-los e ver se servem. se tomamos (a indústria/ajuda ao desenvolvimento) como natural, necessária, inevitável, seremos incapazes de entendê-la ou aos seus efeitos não intencionais. Não entenderemos por que esse conjunto específico de condições (que torna possível tal industria) existe e não outro. Sobretudo -e é o que me interessa- não entenderemos os efeitos de tudo isso na economia das relações sociais.
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Elisio Macamo pois, mais uma vez, Iolanda. vai ser difícil entender essas coisas em contextos discursivos que naturalizam a ajuda. o argumento contra-factual que o teu comentário sugere vai sempre encalhar no discurso demagógico de "colonialismo foi há muito tempo", "vamos olhar para as nossas elites corruptas". o lado perverso desta indústria do desenvolvimento reside exactamente na forma como ela produz toda uma economia política que garante a sua reprodução. é quase um círculo vicioso...
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Iolanda Évora nao necessariamente. é só começar a desnaturalizar essas origens e seus argumentos que realidades mais perturbadoras emergirão; realidades que não se explicam pela linguagem imperativa - aquilo que é obrigatório respeitar- das ações de governo e das políticas públicas. que têm a ver muito mais com as linguagens da negociação entre os coletivos. talvez não tenha a ver com o interesse direto desta discussão, mas é isto que me sugere quando penso nas situações que perturbam demais o nosso cotidiano e nos fazem perder a paciência.
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Elisio Macamo bom, o problema é que as situações que perturbam o cotidiano exigem explicações. e "melhores" explicações do que as que a indústria do desenvolvimento nos proporciona não existem. a simples constatação de algo que está mal já constitui uma explicação da sua origem. houve temporal em maputo e destruiu muita coisa. já houve temporal que não destruiu assim tanto. mas este que destruíu tem explicação. revela o que fazemos mal...
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Iolanda Évora vale a pena procurar explicação para tudo
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Elisio Macamo há curandeirismo nestas coisas. a indústria do desenvolvimento funciona assim. onde há morte há feiticeiro. é essa a lógica.
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Anselmo Matusse As minhas perguntas até hoje do pouco contacto que tive com o debate sobre desenvolvimento sao: como países como Mocambique que estao a crescer num mundo em que modelos localizados de desenvolvimento sao globalizados pode se permitir o acaso a que se refere? Que tipo de infraestruturas economicas, politicas e institucionais precisa ter? E, como se relacionam com discursos tais como regionalismo, internacionalicao e globalizacao? Ainda podenos ter esperanca de aprender a desenvover do "nosso jeito" com os nossos erros?
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Sebastiao Conceiçao Professor, estamos a falar de desenvolvimento, os indicadores de analise sao bem diferentes. Se olharmos os que alude aqui talvez sejam diferentes dos que criaram burbulim quando o INE divulgou o ultimo IOF! para mim vou na optica de Arturo Escobar, que defende que o discurso comeca com o desenvolvimento. Quital pensarmos assim! Nao teriamos todo o conjunto de indicadores que aludiu organizados? nao sei bem sobre a origem por exemplo dos my love se algum discurso os teorizou antes muito menos das bombas mas aprecio o Colombiano.
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