Derradeiras mensagens
Quando
me chegaram as derradeiras mensagens de Gonçalo Mesquitela dizendo-me
ser-lhes impossível continuarem a resistir e dando-me conta das
selvajarias ateadas pelos "democratas" nos subúrbios de LM, recebia
também informação da Beira anunciando que o movimento capitulara.
As
minhas filhas, que na Beira continuavam, tinham sido conduzidas por
militares para ponto seguro onde sempre permaneceram. Não esqueço essa
atenção amiga, embora outros telefonemas me indicassem que as retinham
como reféns. Não creio que assim tenha sido, até porque isso nada
alteraria as minhas disposições se elas fossem diferentes do que foram.
Através
do receptor (e sempre gravando) acompanhámos os últimos momentos
daquele "Movimento" generoso, improvisado e antecipadamente vencido.
Depois
foi o silvar das ambulâncias, os crimes friamente cometidos, os
excessos dos populares embriagados e drogados, os incêndios e saques, as
centenas de mortos e os apelos das autoridades impotentes.
Moçambique tinha tido a sua "primavera de Praga".
Não
se podem condenar os homens do "Movimento de Moçambique Livre" mesmo
quando se sabe que a sua actuação impulsiva serviu os desígnios do
inimigo e comprometeu, por muito tempo, todas as demais hipóteses que
poderiam existir.
Faltou-lhes a serena decisão de o terem podido
transfomar em simbólico gesto de protesto (utilizando os emissores que
ocuparam) sem forçarem mais longe a confrontação. Mas não pode
esquecer-se que a população tinha sido provocada com acinte, quando já
suportara meses de insultos e atingira o limite da tensão nervosa.
Isso evidencia e agrava o crime dos que tudo encaminharam para que tal tivesse de acontecer.
Provei, nas páginas deste livro, que tentei impedir que assim fosse.
Houve outros que me impediram de o conseguir.
Costa Gomes e Melo Antunes ficam, por isso, na bancada dos réus que a história julgará.
Espero que também os julguem os homens que viveram estes tempos de tragédia. (...)
Entre baixios e baixezas
Na imagem: Samora Machel e Mário Soares (Acordo de Lusaka)
O texto do acordo entre o Estado Português e a "Frelimo", assinado em Lusaka em 7 de Setembro de 1974,
chegou-nos a Blantyre (enviado ainda por Mark Chona) antes de ser
publicamente divulgado. Foi a última deferência que teve para connosco,
cumprindo aquilo que havia prometido.
Lendo-o, com a atenção
merecida, podem nele encontrar-se expressões e intenções coincidentes
com o nosso "Programa de Lusaka", de 1973. Por mais voltas que os
negociadores tenham dado, não conseguiram libertar-se de tal influência.
Não me considero honrado por isso e acentuo que nenhum vínculo existe
entre os dois documentos, excepto o local onde foram produzidos.
(...) Vale a pena fazer alguns curtos comentários.
O Acordo Samora Machel-Melo Antunes
Do
lado português, o papel foi assinado por oito plenipotenciários, entre
os quais três ministros do governo e um conselheiro de Estado. Pelo lado
da "Frelimo", entendeu-se ser bastante a assinatura de Samora Machel.
A delegação portuguesa foi encabeçada pelo ministro Ernesto Augusto Melo Antunes.
Segundo
os hábitos correntes, o documento deve ser denominado como o "acordo
Samora Machel-Melo Antunes", sendo a ordem dos nomes resultantes de
Samora Moisés Machel haver assinado no lado esquerdo, por deferência que
lhe foi atribuída.
À assinatura do Maj. Melo Antunes seguem-se
logo as assinaturas de dois outros ministros (Dr. Mário Soares e Dr.
António de Almeida Santos) e, depois, a de um conselheiro de Estado
(Victor M. Trigueiro Crespo).
A cuidadosa vacuidade dos
compromissos não obrigava a "Frelimo" a coisa alguma e, de resto, no
tempo de transição que se seguiu, parece que ninguém teve preocupações a
tal respeito. O Estado Português é que ficava amarrado a obrigações
claramente definidas.
Houve um curioso artigo do acordo (a cláusula 18) que, desde logo, me prendeu a atenção.
Nesse preceito dispunha-se que "O
Estado Moçambicano independente exercerá, integralmente, a soberania
plena e completa no plano interior e exterior, estabelecendo as
instituições políticas e escolhendo livremente o regime político e
social que considerar mais adequado aos interesses do Povo".
Como
é normal que os estados independentes disponham de tais prerrogativas,
poderia parecer redundância de advogado afirmá-las. Mas as coisas não se
passavam por forma tão ingénua. Os factos vieram a comprová-lo.
Uma
vez que o governo de Portugal tratava com a "Frelimo" a transferência
"progressiva dos poderes que detém sobre o território", era óbvio que
seria a "Frelimo" a personalizar o "Estado Moçambicano independente" e,
portanto, a decidir (nos termos do citado artigo 18, do acordo
Machel-Antunes) do estabelecimento das "instituições políticas e
escolhendo livremente o regime político e social que considerar mais
adequado aos interesses do seu Povo".
Com isto, a potência
soberana (Portugal) lavava as mãos de qualquer intervenção no
acautelamento dos interesses das gentes e da sua autodeterminação. Era
exclusivamente a "Frelimo" a decidir (como veio a acontecer, provando o
acerto da minha preocupada interpretação) sobre o regime que entendesse
mais adequado.
Compulsando os anais da descolonização em toda a África, não encontrei caso semelhante de abandono.
Passavam-se
os umbrais da "descolonização original" conduzida por declarados
democratas, e logo dois deles juristas, que ficavam indiferentes ao
sacrifício da expressão da vontade popular.
Como deixei
anteriormente descrito, todo o encaminhamento descolonizador que
diligenciámos definir, em mais de um ano de intensa actividade,
apoiava-se na consulta popular sobre a definição das estruturas
políticas.
Quando me lembro das horas que passei, com Kaunda e
Mark Chona, a deitar contas ao tempo necessário para o recenseamento e a
discutir a forma de o tornar representativo, acabo por me convencer que
a minha formação democrática se situava, afinal, muito por diante do
que no acordo Machel-Antunes se definia.
Nítido se apresentava
que ambos se inclinavam para outras fórmulas democráticas pelas quais
viriam a revelar predilecção. Samora Machel veio a fazê-lo abertamente.
Melo Antunes foi oscilando, conforme as conveniências, mas sem nunca o
poder disfarçar inteiramente.
Assim nascem as cortinas que separam dois mundos. Quer sejam cortinas de ferro, cortinas de bambu ou cortinas de capim.
A
autodeterminação dos povos ultramarinos tão explicitamente fixada no
"Programa do MFA", cujos dizeres tive ensejo para recordar, desaparecia
com uma penada de Samora Machel-Melo Antunes.
Verdade seja que
Samora Machel não interviera na redacção do "Programa do MFA" e por isso
não estava a ele obrigado. Mas Melo Antunes havia sido o principal
elaborador desse documento.
Ou tinha o premeditado propósito de enganar ou faltou à palavra dada.
O naufrágio do Alto Comissário
O
elenco do governo trnasitório, na parte que a Lisboa pertencia
designar, nãao tranquilizou ninguém. Tratava-se de tecnocratas sem
qualquer representatividade local e, por isso, desconhecidos por toda a
gente. Não davam garantia de poderem estabelecer a "ponte" de
colaboração desejável.
Desempenhavam mais uma comissão de serviço
colonial, com a agravante de ser declaradamente transitória, para daí a
uns meses voltarem a Portugal com emprego assegurado e qualquer que
fosse a sorte dos moçambicanos.
Este começo desalentador
agravou-se com a escolha do Alto Comissário: o comandante Vítor Crespo,
para o efeito graduado em almirante.
Era geralmente desconhecido
em Moçambique. Pelos jornais ficou a saber-se que ali tinha cumprido o
seu normal tempo de serviço, a bordo de uma fragrata que patrulhava o
litoral. Ficara com a ideia da linha da costa e dos portos em que
entrara. Nestes, era exacto que tinha obtido notória popularidade.
Sem
conhecimento apropriado das terras e das gentes que lhe competia
descolonizar, dificilmente poderia ser o árbitro supremo que as
circunstâncias, já de si complexas, exigiam. Veio isso a agravar-se com o
facto de, durante o mandato que lhe foi entregue, não ter disposto de
tempo para o contacto com os povos desse imenso território. Houve de
compreender-se quando se soube quanto era retido em Lourenço Marques por
tarefas absorventes.
No acto de posse, o Presidente da República conferiu-lhe a missão de "conduzir
o processo de descolonização, com patriotismo, no respeito pelo nosso
passado, pelos nossos maiores em África, e, acima de tudo, pela bandeira
verde-rubra da Pátria, para que o novo Estado de Moçambique venha a ser
efectivamente uma nação de expressão lusa e indestrutivelmente ligada à
Mãe-Pátria" (cito de um semanário lisboeta, de 14 de Setembro de 1974).
Foi isto que o Alm. Vítor Crespo jurou solenemente, por sua honra, fazer.
E foi isto o que não fez.
Na imagem: Lourenço Marques
Logo
em 21 de Outubro seguinte, aconteceu que uma unidade de "comandos"
(farta de insultos incompatíveis com a sua dignidade) tomou desforço,
quando foi provocada nas ruas de Lourenço Marques. Daqui nasceu a
retaliação horrorosa que causou centenas de mortos entre a população
indefesa, conforme os insuspeitos relatos da imprensa internacional.
Houve carros incendiados, com os seus ocupantes dentro. Houve violações e
violências em que todos os excessos se cometeram. Houve corpos
trucidados em condições horripilantes.
O primeiro-ministro
Joaquim Chissano chorou convulsivamente, no Hospital Miguel Bombarda, ao
deparar com o macabro espectáculo que os médicos lhe mostraram.
O
Alto Comissário, a quem pertencia a responsabilidade de defender a
ordem pública (nos termos do acordo Machel-Antunes), não fez um
movimento para proteger essa pobre gente que foi chacinada. Consentiu
que os "comandos" fossem indignamente acusados de "irresponsáveis
drogados" e não teve uma palavra de conforto para as vítimas imoladas.
Nem um só dos responsáveis pelos morticínios foi detido, inculpado e
presente a tribunal.
Assim mantinha a ordem e a paz que jurara preservar!
Sucederam-se
as prisões arbitrárias, por simples suspeita ou denúncia anónima,
feitas por milicianos armados, perante a passividade das autoridades. Os
presos eram descalços, despojados do que possuíam e enviados para onde
os algozes entendiam. Trata-se de casos testemuhados. Uma dessas vítimas
(que foi deixada na cadeia quando da independência e ainda lá continua)
foi acusada do crime de ter facilitado a passagem da fronteira a
mulheres e crianças que fugiam daquele inferno. Tem sofrido tais
suplícios que tentou o suicídio.
Na Beira, as prisões,
nomeadamente as de carácter político, foram confiadas à polícia
judiciária, dependente do Alto Comissário. Nessa polícia foi integrado,
como qualificado agente, um criminoso de delito comum (o famigerado Zeca
Ruço). Havia sido condenado, pelos tribunais regulares, a pesadas penas
que foram esquecidas. No seu passivo figuravam roubos, assaltos à mão
armada e fuga da cadeia. Era tido como um dos mais perigosos meliantes.
Assim entendia o Alto Comissário a dignidade!
Os
monumentos portugueses, que eram património luso em Moçambique, foram
apeados antes da independência. Alguns foram mutilados ou tratados sem
qualquer respeito pelo que representavam. Existem fotografias
documentadoras em que se alinham Mouzinho de Albuquerque, Vasco da Gama,
Cardial Gouveia, Azevedo Coutinho, Sacadura Cabral e Gago Coutinho.
Tudo isto se passou sob o governo do Alto Comissário.
Assim entendia a defesa do respeito pelo nosso passado e pelos nossos maiores em África que lhe tinha sido cometida!
Numa
entrevista que veio a dar, (...) sobre a descolonização, referiu que,
os que tiveram de deixar Moçambique, não passavam de "racistas",
"exploradores e reaccionários".
As dezenas de milhares de
moçambicanos (de todas as cores e credos) que foram forçados a abandonar
a sua terra, sob o mandato do Alto Comissário, e que tentam sobreviver
pelo mundo, são a demonstração mais inequívoca de que isso não foi
assim.
O Alto Comissário mentiu!
Sob a sua jurisdição foi
conduzido à morte o Dr. Willem Pot, meu adversário de sempre e democrata
convicto. Homem de cor, havia sido secretário de estado da comunicação
social, no governo provisório de Moçambique. Por denunciar os campos de
internamento, a falta de assistência jurídica aos presos e os abusos
neles cometidos (no tempo do Alto Comissário), foi preso em Quelimane,
torturado e inibido de receber qualquer socorro médico para a doença que
o afligia. Libertaram-no para que não morresse na cadeia. Faleceu dias
depois. Mas teve tempo de falar e possuo o testemunho do que disse.
Assim desempenhava o Alto Comissário as funções que lhe estavam entregues!
Para
não alongar a lista das baixezas (que poderá ser completamente
fornecida ao tribunal, quando chegar o momento) apenas mencionarei os
presos abandonados em Moçambique, na altura da independência.
Somaram
centenas, segundo provas indesmentíveis, quando o Alto Comissário
deixou aquelas terras para retomar em Lisboa uma vida desafogada, sendo
depois promovido a ministro, gastando o tempo por locais dispendiosos.
Se
mais não foram os abandonados, deve-se isso à intervenção corajosa de
três homens (Maj. Rebelo Gonçalves, Cap. Silva Marques e chefe de escala
da TAP, Paiva Cardoso) que conseguiram fazer sair para Salisbury
algumas dezenas dessas vítimas de cuja sorte o Alto Comissário se
desinteressava. Descolaram da Beira às 10 horas do dia 25 de Junho de
1975, graças à abnegação dos tripulantes da TAP (chefiados pelo
comandantee Conceição) que dormiram no "Boeing" à espera de poderem
realizar essa operação humanitária.
Nem sequer o consulado de
Portugal, na Beira, dispunha de pessoal para assistir os portugueses. O
Cônsul chegou, de Johannesburg, na véspera da independência e não
dispunha de instalações e meios para atender os que o procuravam,
aflitos. Com as instruções confusas de que dispunha, foram recusados
passaportes a gente de cor que queria usar o seu direito de optar pela
nacionalidade portuguesa. Eram abandonados à sua sorte.
Assim cuidava o Alto Comissário de preservar a expressão lusa do novo país.
Com tal procedimento entende-se tudo o que veio a acontecer depois.
Nada sucedeu por acaso. Tudo foi premeditado. (...)
Demolição de Moçambique
Quando regressei da Europa, encontrei uma situação confrangedora.
Na
medida em que a evolução política portuguesa girava rapidamente para o
extremismo comunista, sentiam-se reflexos em Moçambique que mais
deterioravam o ambiente. Os postos chave ainda detidos por portugueses
eram progressivamente ocupados por militantes marxistas. O figurino
soviético surgia como padrão ostensivo da ideologia revolucionária e as
existentes simpatias pela China popular eram metodicamente abafadas.
Fiz
retirar os meus filhos que permaneciam na Beira e alguns pertences em
que a família tinha maior estima. O resto ficou ali para ser tragado
pela voragem.
Creio que levei longe demais o risco a que sujetei a minha gente. Saíram quase no último minuto possível.
O
pânico crescia, compreensivelmente, entre a população. Queria-se
precipitar a fuga, manipulando os justificados receios de tantas
pessoas. Não interessava aos activistas que ficasse alguém, de qualquer
raça, que pudesse oferecer-lhes o risco de esclarecer as massas que
começavam a agitar-se.
Joaquim Chissano e alguns outros
dirigentes diligenciavam, todavia, travar esse êxodo. Sabiam como se
reflectiria na produtividade do país, no crescimento do desemprego e no
consequente descontentamento. Não ignoravam ser-lhes impossível dispor
de quadros para substituir os que partiam.
Um qualificado funcionário português escrevia-me, em fins de Novembro:
"Estou
profundamente preocupado e mesmo apreensivo com o futuro de Moçambique
que não antevejo nem fácil, nem próspero, nem calmo, nem seguro.
A
Frelimo surgiu cheia de boas intenções, mas completamente vazia de
quadros ou de estruturas e nos meses que passaram não se nota qualquer
evolução. Apresentam-se, não só incapazes de resolverem os grandes
problemas, como de os equacionarem ou até mesmo de tomarem deles
completo conhecimento.
Os chefes responsáveis são sensatos,
ponderados, encontram-se animados de boa vontade e possuem normal
capacidade intelectual. Acontece, porém, que, entre eles (e são
confrangedoramente poucos) e a massa bruta dos "camaradas" nada existe.
Todos
estes dirigentes têm plena consciência da incapacidade da Frelimo para
assumir realmente todas as funções directivas de um país independente".
Por
outros canais fiéis chegavam-me cópias de relatórios oficiais enviados
para Lourenço Marques ou para Lisboa alertando sobre a preocupante
anarquia que se avizinhava. Concretizar a independência em tais
condições, escrevia-se nesses documentos, equivalia a entregar o país a
irresponsáveis que um bando de extremistas se preparava para dominar. Os
que, honestamente, formulavam estes avisos, foram gradualmente
afastados.
Houve dirigentes da "Frelimo" que também escreveram para Dar-es-Saalam expondo a gravidade da situação.
Mas Vítor Crespo, Melo Antunes e Costa Gomes insistiam em que tudo se acelerasse para a transferência crescente de poderes.
Teima-se na "descolonização original", mesmo sabendo as vítimas e os vexames que ela iria causar.
Não podia deixar de haver, por detrás dessa atitude, um propósito deliberado.
República Popular de Moçambique
Na imagem: os agentes signatários do Acordo de Lusaka (clique para ampliar)
Moçambique ascenderia à independência em 25 de Junho de 1975.
Pouco
tempo antes, Samora Machel entrava no país, cruzando no norte a
fronteira com a Tanzânia. Vinha acompanhado (ou tutelado) por Marcelino
dos Santos.
O grupo que tinha ficado a rodeá-lo, em
Dar-es-Saalam, desde o acordo com Melo Antunes reunia os elementos mais
extremistas de declarada tendência pró-soviética.
A URSS havia
trabalhado com eficiência e sem perda de tempo, desde que, em 1964,
Mikhail Domogatskiy me anunciara a preocupação de recuperarem terreno
sobre o avanço da influência chinesa.
Na impossibiilidade de
dominarem as bases da "Frelimo" e de controlarem os militares que
combatiam no interior do país, dirigiram a sua atenção para os elementos
intelectuais com possibilidades de virem a exercer a decisiva
influência. Constituiriam a minoria destinada a controlar as estruturas.
Marcelino foi o homem-chave que utilizaram. Este se encarregou de aliciar e doutrinar os demais.
Os homens mais prestigiosos foram progressivamente eliminados.
Filipe
Magaya, chefe militar valoroso, foi abatido, com um tiro nas costas,
quando atravessava um rio, no decurso de operações dentro de Moçambique.
O assassino foi preso, mas nunca mais se ouviu falar dele. Diz-se que
enlouqueceu, em Dar-es-Saalam, na cadeia.
Eduardo Mondlane,
respeitado político de cultura e formação ocidentais, foi assassinado em
ccondições que, singularmente, os posteriores dirigentes da "Frelimo"
nunca se interessaram em investigar profundamente. O que se sabe é que o
livro armadilhado foi entregue em sua casa por alguém que lhe deveria
merecer a confiança de não hesitar em abri-lo. O crime não aproveitava
aos portugueses.
Uria Simango, Padre Mateus, Lázaro Kavandame e
Miguel Murupa tiveram de fugir da Tanzânia para salvarem as vidas. De
todos, Só Miguel Murupa está em liberdade, na Europa. Os demais caíram
em ciladas e encontraram-se em condições de não poderem, sequer, ser
testemunhas perigosas.
Dentro de Moçambique, os comunistas
organizaram o agrupamento dos "democratas" para minarem as estruturas e
poderem opor-se a qualquer força política que surgisse no país.
Em Portugal, era preciso ocupar o poder governativo durante a fase activa da descolonização. Assim o fizeram.
A coordenação da jogada foi perfeita. Esse mérito tem de se lhes reconhecer.
O
grupo marxista-soviético da "Frelimo" manteve-se, porém, em atitude
discreta e só interveio para acelerar as negociações quando surgiu Melo
Antunes como o enviado qua aguardavam. Até aí tinham apenas que retardar
qualquer hipótese de acordo.
Existem elementos para afirmar que o
próprio Samora Machel só passou a ser activamente trabalhado, no
sentido doutrinário que lhes convinha, depois do acordo de 7 de Setembro
de 1974. Até então, parece que não era efectivamente marxista. De outra
forma não poderia ter enganado tão teatralmente o Dr. Kaunda que
largamente o ultrapassa em cultura e experiência política.
Acontece,
porém, que aqueles extremistas da "Frelimo" não contam no seu elenco
qualquer negro prestigiado. Tinham que fabricar um. O mais fácil de
produzir era Samora Machel e para isso beneficiaram dos meses que o
tiveram ao seu exclusivo cuidado, enquanto a corrente nacionalista da
"Frelimo" era enviada para dentro do país, onde a tentativa de organizar
a independência os absorvia totalmente ante as dificuldades com que iam
deparando.
Quando Samora Machel iniciou a série agressiva dos
seus discursos e tomou atitudes revolucionárias intransigentes, pode
dizer-se que houve surpresa geral. Surgiu a preocupação quando as
declarações, os insultos e as ameaças foram crescendo ao longo da
viagem. Possuo gravações directas que também me assombraram.
Com o
zeloso ardor dos recém-convertidos, Samora Machel falava como quem
aprendeu a lição de cor, mas metendo, por vezes, coisas da sua lavra sem
se dar conta das monstruosas contradições doutrinárias evidenciadas.
Nos
nacionalistas da "Frelimo" houve um movimento de agitação e nos países
africanos que mais tinham apoiado a guerra de libertação esboçou-se
quase incredulidade.
Joaquim Chissano voou apressadamente para
Quelimane, onde Samora Machel tinha ultrapassado os limites da
inconveniência, sabendo estar numa região que lhe era hostil. Chissano
tentou explicar ao presidente as consequências da acção que estava a
realizar. Segundo testemunho identificado, o choque foi quase duro, mas
Chissano não conseguiu mais do que adiar a anunciada alteração do nome
de Lourenço Marques. Nada ganhou com isso porque meses depois havia de
se fazer essa modificação e para pior. Em vez de Cafumo chamar-se-ia
Maputo, sem ao menos se atentar no ridículo a que tal nome se presta.
Ainda
houve quem sugerisse que a capital passasse a denominar-se MONDLANE, em
homenagem ao sacrificado fundador da "Frelimo". Samora Machel nem quis
considerar isso e Marcelino dos Santos opôs-se violentamente, criticando
as tendências anti-revolucionárias que se abrigam no culto das
personalidades.
O nome de Mondlane não podia, obviamente, ser por eles aceite (ob. cit., pp. 347-349; 351-354; 357-363; 375-376; 381-383).
Continua