05.06.2018 às 8h00
Razan al-Najjar foi alvejada a tiro por um militar israelita quando tentava socorrer palestinianos feridos nos protestos na Faixa de Gaza. Jovem, formada, corajosa e altruísta, é a prova de que mais do que punir quem se atreve a aproximar-se da sua fronteira, Israel quer minar o futuro da Palestina
Um colete manchado com sangue. Nos bolsos, pacotes de compressas. “Isto [o colete] era a arma que a minha filha usava para lutar contra os sionistas. E isto [as compressas] eram as munições para essa arma. E aqui está a identificação dela para que possam ver se era terrorista ou não.”
Na hora de chorar a morte da filha, alvejada por um “sniper” israelita, Sabreen al-Najjar mostra as “armas” que a condenaram, num vídeo partilhado nas redes sociais, e deixa que a lucidez se sobreponha à emoção para denunciar o que se passa na Faixa de Gaza. “Os terroristas são os sionistas, que se vangloriam sobre direitos humanos e deixam-nos, aos palestinianos, sem direitos. Onde estão os direitos humanos? Nem este colete a salvou...”
Razan al-Najjar, uma paramédica de 21 anos, foi morta na passada sexta-feira, na Faixa de Gaza, junto à fronteira com Israel, atingida a tiro quando tentava prestar os primeiros socorros a um manifestante ferido, na área de Khuza’a, região de Khan Yunis (sul de Gaza). “Ela foi baleada no peito. A bala rasgou o colete branco estampado com o logótipo da Sociedade Médica de Socorro Palestiniana (PMRS) que a identificava como pessoal médico”, esclareceu, em comunicado, a organização onde Razan trabalhava como voluntária.
Testemunhas ouvidas pela Al-Jazeera relatam que tudo aconteceu quando Razan se aproximou da vedação com a intenção de resgatar um manifestante ferido, caído do lado de Israel, para onde passara após fazer um buraco na rede.
Rida, outra voluntária de 29 anos, ia com ela. Seguiam de braços no ar para mostrarem aos soldados israelitas que não constituíam qualquer perigo. “Assim que entrámos na cerca para recuperarmos os manifestantes, os israelitas lançaram gás na nossa direção. Depois, um atirador disparou uma única bala, que atingiu Razan.”
A morte da jovem não foi imediata. Assistida no local, foi levada para o Hospital Europeu de Gaza, onde acabaria por falecer. “Os fragmentos da bala feriram três outros membros da nossa equipa”, diz Rida. “Era muito claro quem éramos, dados os nossos uniformes, os nossos coletes e bolsas médicas. Não havia outros manifestantes à nossa volta, apenas nós.”
Desde o início da Grande Marcha do Regresso, a 30 de março, que Razan não falhou uma única sexta-feira, o dia dos protestos maiores, de que resultaram sempre mortos. Com esse ativismo, desafiou também estereótipos numa sociedade conservadora como a de Gaza que nem sempre vê com bons olhos o envolvimento das mulheres na vida pública. Num artigo publicado pelo site do Expresso, a 14 de maio, sobre palestinianas na linha da frente dos protestos em Gaza, Razan é uma das “guerreiras” retratadas (pode ler o texto AQUI). É ela quem surge na foto número 15, em dificuldades, após inalar gás tóxico.
QUARENTA AMBULÂNCIAS SOB FOGO
Razan al-Najjar é a 119ª vítima mortal da Grande Marcha. “No total, Israel feriu 245 paramédicos desde o fim de março, 29 dos quais com fogo real, e alvejou 40 ambulâncias. Atirar contra pessoal médico é um crime de guerra ao abrigo das Convenções de Genebra, tal como alvejar crianças, jornalistas e civis desarmados”, recordou, num comunicado, Mustafa Barghouti, presidente e fundador da PMRS, criada em 1979. “Exigimos uma resposta internacional imediata às violações israelitas ao direito humanitário em Gaza. Apelamos aos nossos amigos e parceiros internacionais que condenem publicamente o assassínio de Razan e que exijam que Israel seja responsabilizado pelos seus crimes ao abrigo do direito internacional.”
Barghouti é um médico e ativista palestiniano que concorreu como independente às eleições presidenciais de 9 de janeiro de 2005, as últimas realizadas. Obteve 19,8% dos votos — foi o segundo mais votado de sete candidatos —, perdendo apenas para Mahmud Abbas (62%). Faz o seu papel ao denunciar os abusos de Israel, mas a experiência política diz-lhe que dificilmente essa responsabilização se concretizará e que, o mais provável, é ouvir um rotundo silêncio.
No dia em que Razan al-Najjar caía morta, a defesa intransigente que os Estados Unidos fazem de Israel no Conselho de Segurança das Nações Unidas — e que, ao longo de décadas, tem comprometido administrações republicanas e democratas — ganhou contornos particularmente polémicos: num primeiro momento, os norte-americanos aplicaram o direito de veto a uma proposta de resolução de iniciativa do Kuwait apelando à “segurança e proteção das populações civis dos territórios palestinianos ocupados, incluindo a Faixa de Gaza”; em alternativa, avançaram com uma resolução exigindo o fim de “todas as ações violentas de provocação” por parte do Hamas e de outros grupos palestinianos, omitindo referências ao uso da força por parte de Israel e à necessidade de proteger os palestinianos. O texto recebeu um único voto favorável - o dos Estados Unidos.
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