Quando se escrever a história da grande corrupção em Angola, o capítulo dedicado ao suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais será certamente dos mais interessantes, devido à mestria das suas burlas bilionárias e à destreza da sua gatunice.
Este indivíduo, ao tornar-se o cérebro de um dos filhos do então presidente José Eduardo dos Santos, o impensável José Filomeno dos Santos “Zenú”, chamou a si o controlo de biliões de dólares do erário público angolano, usando-os para enriquecimento próprio e como alimento da sua vaidade.
É esta a triste história do Fundo Soberano de Angola e dos seus cinco biliões de dólares: na verdade, não passava de um Fundo de Jean-Claude Bastos de Morais e de Zenú, composto pelo Dinheiro do Povo Angolano. Ambos foram constituídos arguidos pela Procuradoria-Geral da República. É um primeiro passo, certamente, mas um pequeníssimo passo, para sermos justos.
Prova disso é o Fundo Activo de Capital de Risco (FACRA). Esta entidade foi criada por José Eduardo dos Santos, com fundos públicos, através do decreto presidencial n.º 108/12, com vista a apoiar micro, pequenas e médias empresas. No entanto, a gestão privada dos fundos do FACRA é feita através da Kwanza Gestão de Participações Empresariais (KGPE) S.A., uma empresa detida em 99,99 por cento pelo Banco Kwanza Invest (BKI). Jean-Claude Bastos de Morais é o sócio maioritário nominal do banco, com 85 por cento do capital, e é também um dos três membros do Conselho de Supervisão do FACRA, a sua entidade máxima. A comissão de investimentos do fundo é presidida por Marcel Kruse, ex-administrador do BKI. Num próximo artigo, o Maka Angola explicará de que forma este indivíduo continua a ser sócio do banco.
Sob a tutela do Ministério da Economia e com uma dotação orçamental de 250 milhões de dólares, este fundo nunca prestou quaisquer contas públicas respeitantes à sua gestão.
Jean-Claude Bastos de Morais e Marcel Kruse continuam alegremente a receber uma receita anual de três milhões de dólares pela gestão do referido fundo.
Apesar de Jean-Claude Bastos de Morais ter sido constituído arguido em Angola e estar a ser investigado na Suíça, nas Ilhas Maurícias e em Inglaterra, a verdade é que continua a comandar o FACRA, enquanto membro do Conselho de Supervisão.
Tanto o FACRA como a KGPE têm sede na Avenida Comandante Jika, n.º 150, morada que é igualmente sede do Banco Kwanza Invest.
A investigação da Procuradoria-Geral da República não deve cingir-se apenas ao Fundo Soberano, porquanto a teia de saque de Jean-Claude Bastos de Morais, Marcel Kruse e José Filomeno dos Santos é vasta. O epicentro destes esquemas todos é o BKI, que aloja todas as empresas-fantasma destinadas ao saque do erário público e ao branqueamento de capitais em Angola.
Por exemplo, o FACRA paga uma renda mensal à Afrique Imo Corporation S.A., detida em 90 por cento por Jean-Claude Bastos de Morais. O FACRA também paga à Uniqua, empresa de Manuela Ganga, mulher de Jean-Claude Bastos de Morais, pelo recrutamento do seu pessoal. O mesmo FACRA paga ainda à Stampa Equus S.A., com sede na Suíça e dirigida por Jean-Claude Bastos de Morais, por serviços de informática. Para já, não é possível estabelecer o montante total, em milhões de dólares, desviados através deste ardiloso esquema.
Um dos financiamentos feitos pelo FACRA foi à empresa B’weza S.A., também pertencente a Jean-Claude Bastos de Morais, com sede no Benfica, em Luanda. Essa empresa é descrita pelo seu director comercial, o português Rui Teixeira, como sendo propriedade da Quantum Global, que pertence a… Jean-Claude Bastos de Morais. Trata-se uma empresa construída de raiz, que se dedica, conforme se apresenta a si própria, ao social banking business.
Em 2014, a B’weza recebeu mais de seis milhões de dólares de crédito do FACRA e, desde então, apenas exibe um website em construção, com a seguinte frase: “Estaremos disponíveis brevemente.” Quem não faria esta vigarice a troco de seis milhões de dólares?
Para não variar, também esta empresa é uma ramificação da B’weza International AG, criada na Suíça por Jean-Claude Bastos de Morais, e dirigida por ele desde 2012.
Em 2014, o FACRA também investiu numa outra empresa, a Touch & Talk, criada a propósito pelos fundadores da KGPE, a mesma instituição gestora do fundo governamental. Essa empresa deveria supostamente dedicar-se à promoção e ao desenvolvimento do “banco no telemóvel”, mas não passou de mais um arrojo da dupla Jean-Claude Bastos de Morais e Marcel Kruse para assaltar os cofres do Estado.
Quem apareceu como advogada do FACRA, na realização do capital misto desta empresa, foi Joana Filipe Lima da Silva Simplício de Oliveira, tão somente a advogada pessoal, testa-de-ferro e “pau para toda a obra” de Jean-Claude Bastos de Morais.
E o Estado angolano, apesar de ser roubado de forma descarada, continua a pagar-lhes.
Mas Jean-Claude Bastos de Morais, com os biliões de Angola, soube “comprar” a imprensa internacional, incluindo o reputado Financial Times, de modo a legitimar os seus golpes, fazendo-se passar por um grande capitalista internacional que instruía o governo de José Eduardo dos Santos nessas lides.
É importante lembrar o que esse aventureiro escreveu nas páginas do Financial Times: “O governo de Angola tem estado a trabalhar arduamente para incentivar os pequenos negócios, oferecendo regimes de impostos atractivos aos investidores estrangeiros. As empresas de capital de risco também desempenham um papel cada vez mais importante no apoio e na intermediação ao crescimento das pequenas e médias empresas. Uma delas é o FACRA, do qual sou membro do Comité de Supervisão. É uma empresa de risco que especificamente apoia as pequenas e médias empresas na edificação, inovação e expansão dos seus negócios.” Jean-Claude Bastos de Morais não escreveu que, na prática, o dinheiro do FACRA serve simplesmente para alimentar o seu banco e as suas empresas, as da sua mulher e as dos seus amigos.
Em breve, a forma politizada como a PGR tem vindo a lidar com os casos de alta corrupção poderá ser interpretada como tratando-se de discriminação partidária e racial.
Por exemplo, a 18 de Maio, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) deteve o empresário burkinabe Dabine Dabiré, após mandato da PGR, por apresentação de “propostas fictícias” para a construção de novas cidades no litoral de Angola. Devido a essas propostas, Dabiré foi constituído arguido, por “burla por defraudação, associação criminosa, corrupção activa e tráfico de influência”. Continua detido, apenas por causa das suas intenções.
No entanto, com todas as provas de tantos crimes cometidos, os suíços Jean-Claude Bastos de Morais e Marcel Kruse, bem como os filhos do MPLA, como José Filomeno dos Santos, continuam em liberdade. Estamos a falar de justiça por parte da PGR ou de tratamento político de casos judiciais?
Quantos angolanos teriam tido acesso a emprego e a oportunidades de negócio, caso esses fundos tivessem sido geridos por entidades sérias, competentes e transparentes? Certamente, milhares de empregos teriam sido criados e milhares de famílias teriam melhores condições de vida.
Só resta uma pergunta: porque é que estes gatunos não se encontram detidos?
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