segunda-feira, 4 de junho de 2018

Deslocados após ataques no norte de Moçambique pedem ajuda


Olumbe
Alima Mussá fugiu a pé, com sete filhos, da aldeia de Monjane, no meio do mato, no norte de Moçambique, para escapar aos ataques de grupos armados que há oito meses atormentam a região.

Um destes grupos fez uma das mais sangrentas incursões há uma semana: decapitaram 10 pessoas nas povoações de 25 de Junho e Monjane, locais remotos de casas de tijolo de adobe, sem eletricidade nem outras infraestruturas.
Os homicídios deram origem a uma nova vaga de deslocados para a sede de distrito, a vila de Palma, a cerca de 45 quilómetros.
Alima Mussá e outros residentes levaram um dia a caminhar com suas crianças, algumas de colo, carregadas por adultos e por irmãos mais velhos, para depender agora de abrigo a alimentação cedidos por familiares e conhecidos.
"Estou a fugir da guerra, os 'al-shabaab' estão lá", referiu à Lusa, numa alusão ao nome dado aos elementos do grupo, nome que em árabe significa juventude, mas sem significar uma ligação ao grupo terrorista da Somália com a mesma designação.
"Fugimos com crianças e pouca comida e, por isso, viemos para aqui com fome", contou, em macua, uma das línguas faladas na província de Cabo Delgado.
Quatro dos filhos de Alima ficaram agora sem escola, lamenta, por entre o choro de outro, que embala, ao colo.
Agora, quando anoitece, "ninguém apanha sono", conta outra deslocada, Maria Mali - que, tal como Alima, hesita quando lhe perguntam a idade, sem conseguir dar uma resposta precisa.
"Vimos os atacantes de perto. Quando pegam mulher é para casar, quando pegam homem é para matar", referiu.
Medo e pobreza, são as palavras que usa em macua para descrever o grupo de cerca de 40 pessoas de que faz parte: "Pedimos socorro ao Governo, para não nos deixar sozinhos", acrescenta.
"Passámos um corta-mato" até chegar a Palma e para trás ficam "as machambas", hortas que ficam abandonadas.
Suleimane Issa, 17 anos, usa também a palavra "guerra" para justificar a fuga de Olumbi para a casa do tio, em Palma, depois de ter visto um grupo com armas e catanas que calcula que fosse composto por 10 pessoas.
Abandonou a escola e, tal como os outros deslocados, pretende esperar por sinais de acalmia até tentar regressar à povoação onde residia.
Saide Dade, 35 anos, o tio que o acolhe, dá guarida a outros familiares sem ter como os alimentar.
"Não tenho emprego, é difícil, mas não tenho para onde mandar" aqueles que lhe pedem ajuda, descreve à Lusa.
Omar Sufo, 62 anos, líder muçulmano, fala também da "guerra de al-shabab' em Olumbi", de onde fugiu para encontrou abrigo na casa de um irmão mais novo, em Palma, vila que se mantém como um porto seguro, imune aos grupos armados.
Omar pede "ao Governo para apoiar, em termos de alimentação", porque com ele estão duas mulheres e cinco filhos.
"Sim, vimos [os agressores] e fugimos", conta, referindo que é quando as aldeias ficam vazias que ele "saqueiam os bens da comunidade", incluindo a comida que fica para trás.
Mas Omar Sufo refere que já foi encontrado um acampamento, que se suspeita ter pertencido a um dos grupos armados, em que havia comida mais sofisticada.
"Encontraram lulas", recorda, pormenor que o faz acreditar numa rede alargada de apoio aos grupos armados que atacam o interior rural de Cabo Delgado.
Uma professora de 32 anos, que falou à Lusa sob anonimato, fugiu de Olumbi e encontrou abrigo em Palma em casa de uma colega de formação.
"Não me sinto bem. Não estou a trabalhar. Estamos a esperar um pouco para voltar para lá, se houver condições" e essa é hoje a incógnita.
As autoridades anunciaram ter abatido desde sexta-feira nove supostos agressores nas imediações de Olumbi em operações feitas em conjunto com residentes.
A vila de Mocímboa da Praia e povoações do meio rural da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, têm sido alvo de ataques de grupos armados desde outubro de 2017, causando um número indeterminado de mortes e deslocados.
Dez pessoas foram decapitadas no dia 27 de maio, depois de terem sido intercetadas em duas aldeias remotas, sem eletricidade, nem infraestruturas.
Um estudo divulgado em maio, em Maputo, aponta a existência de redes de comércio ilegal na região e a movimentação de grupos radicais islâmicos, oriundos de países a norte, como algumas das raízes da violência.
Diversos investimentos estão a avançar na província para exploração de gás natural dentro de cinco a seis anos, no mar e em terra, com o envolvimento de algumas das grandes petrolíferas mundiais.
LUSA – 04.06.2018

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